«Nos últimos anos o papel de treinador tem-me causado crescente desconforto físico e mental. Por isso decidi ser honesto com o AZ. Queria voltar, mas não como treinador principal. Estou encantado com o meu novo papel, mais na sombra.»

No dia em que começou nova edição da Liga dos Campeões, Marco Van Basten disse adeus pela segunda vez. Aquele que foi um dos grandes, duas vezes campeão europeu numa carreira curta de mais, diz que não quer continuar a lidar com a pressão de ser treinador principal.

Um segundo adeus de Van Basten ao futebol de topo, depois do final da carreira forçado, na prática aos 28 anos, num calvário de problemas e operações sucessivas no tornozelo.

O holandês, 49 anos, tinha-se afastado do banco do AZ Alkmaar há duas semanas, alegando problemas físicos e psicológicos, num verão marcado também, a nível pessoal, pela morte do seu pai. Esta manhã deu uma conferência de imprensa para dizer que abandona o cargo que assumiu no início da temporada, para dizer que não dá mais.


«Sou treinador há 10 anos e a tensão é enorme. Quero fazer o meu trabalho bem. Não estava a fazê-lo e achei que, se desse um passo atrás e assumisse menos responsabilidade, podia dar mais», explicou, aliviando com um sorriso. «Vou continuar com uma espécie de Bergkamp», disse, aludindo a outro grande da Holanda, que é adjunto de Frank de Boer no Ajax. Agora, Van Basten troca de lugar com Alex Pastoor, que o AZ deve confirmar em breve como treinador principal. E vai dedicar-se às camadas jovens do clube.

Van Basten fala de stress, que não se manifestava apenas a nível psicológico. Esta manhã, ele contou também que sofre há anos de palpitações cardíacas. «Aconteceram-se várias vezes nos últimos anos. Achei que podia ultrapassar o problema e que as coisas iriam melhorar», relata, falando de uma decisão que não foi fácil: «Quis adiar este momento, tentei várias formas para tentar lidar melhor com essa pressão. Mas eventualmente concluí que, ou mudava de profissão, ou fazia o meu trabalho de forma diferente. Mudar de profissão era muito drástico.»

Uma adeus, 19 anos depois do primeiro e mais doloroso. Em agosto de 1995 Van Basten desistia de lutar contra a lesão e assumia um adeus emotivo ao Milan. Tinha 30 anos, mas não jogava há duas épocas. A última temporada em que jogou, 1992/93, já foi muito condicionada pela lesão, marcada por tentativas de regresso e recaídas. Ainda voltou, depois de quatro operações ao tornozelo, e jogou a final da Liga dos Campeões que o Milan perdeu frente ao Marselha. Saiu aos 86 minutos, foi a última vez.


1993 Olympique De Marseille - AC Milan 2nd half by vannelleshag


O mundo assistiu à sua luta vã nos dois anos que se seguiram, a alimentar a ilusão de continuar a ver nos relvados a elegância e inteligência em movimento que fizeram de Van Basten um dos grandes avançados de todos os tempos.

Van Basten nasceu para o futebol no Ajax, onde chegou com 17 anos. Foi três vezes campeão holandês, ganhou a Taça das Taças em 1987, encantou o mundo, marcou golos sem fim. Alguns memoráveis. Como esta bicicleta, em 1986, tinha 22 anos.



Seis anos antes daquele, na final do Europeu de 1988, quando a Holanda venceu a URSS.



Quando foi campeão europeu com a Holanda já no Milan, onde chegou ao topo do mundo. Bola de Ouro em 1988, 1989 e 1990, melhor do mundo para a FIFA em 1992, quatro scudettos, duas Taças dos Campeões Europeus.

Mais um golo para ajudar a recordá-lo. Primeira mão da meia-final da Taça dos Campeões Europeus, em casa do Real Madrid. 1-1 antes de o Milan esmagar na segunda mão, por 6-1. O golo solitário no Bernabéu foi este.



A reação de um tal Carlo Ancelotti a esse golo foi assim:

Quando terminou a carreira, Van Basten não pensava ser treinador. Já nessa altura adivinhava a pressão, e dizia que queria viver longe da ribalta. «Depois de três anos de dor só queria uma vida normal outra vez. Imaginem sentir dor em cada minuto do dia em algum ponto do corpo», contava numa entrevista à FIFA. Quando lhe perguntaram se, para alguém com sua a intuição e autoridade natural, ser treinador não era o caminho natural, respondeu assim: «Concordo, mas eu vi com os meus olhos quão intensa pode ser a vida de um treinador. Não é apenas trabalho muito duro, também pode dominar-nos a vida por completo.»

Mas os anos passaram, e Van Basten acabou por seguir aquele que era o caminho natural. Primeiro como adjunto no Ajax, em 2003/04, depois como escolha algo surpreendente da Holanda para selecionador. Esteve quatro anos no cargo, chegou aos oitavos de final do Mundial 2006, perdidos para Portugal, e aos quartos de final do Euro 2008, num período de renovação da equipa.

Deixou a seleção da Holanda no verão de 2008, para assumir o cargo de treinador principal do Ajax. Decidiu sair ao fim da primeira época, depois de ter falhado a qualificação para a Liga dos Campeões. «O que dou ao Ajax não é suficiente. O Ajax merece melhor do que eu consegui este ano», disse na altura.

Passaram três anos até voltar aos bancos. Regressou em 2012, para treinar o Heerenveen. Duas épocas, na temporada passada terminou no quinto lugar do campeonato holandês. Seguiu-se o AZ Alkmaar, até hoje. Agora, Van Basten volta à sombra.