A viagem do Maisfutebol pelo futebol nas grandes tragédias da humanidade termina esta sexta-feira em Auschwtiz. Começou terça-feira em Chernobyl, a propósito dos 25 anos da tragédia nuclear, continuou em Hiroshima e Nagasaki, passou pelo Haiti e chega ao fim na mais cruel e sangrenta de todas.

No campo de extermínio de Auschwitz morreram 1,1 milhões de judeus (segundo os números mais optimistas). Mas morreram também milhares de ciganos, eslavos, soviéticos. Até os gays foram vítimas da mais estúpida perseguição de que há memória. No meio desta atrocidade, havia espaço para futebol?

Havia, sim. Havia futebol esporadicamente e era jogado em Auschwitz I. Muitos judeus nunca o perceberam. O complexo nazi divida-se em três campos, Auschwitz I (o campo dos presos de guerra e judeus simpáticos ao regime nazi), Auschwitz II (o campo de extermínio) e Auschwitz III (as fábricas de trabalho).

Entrevista a sobrevivente: «Esta é a nossa vitória»

O futebol era praticado apenas no primeiro. Foi lá que Tadeusz Borowski esteve detido e foi lá que participou nos jogos. Borowski era um polaco, que se tornou preso político devido aos ideais que defendia. Foi levado para Auschwitz, sobreviveu para contar a história e acabou por se suicidar depois.

Num dos vários livros que escreveu, conta uma história sintomática. «Durante um jogo de futebol com as SS, eu estava à baliza. Os alemães ganharam dois cantos consecutivos. Lembro-me de pensar que entre esses dois cantos, tinham sido gaseadas três mil pessoas nas minhas costas», referiu.

Primo Levi foi outro que escreveu sobre o futebol. O italiano, esse sim judeu, tornou-se o mais importante escritor entre os sobreviventes de Auschwitz. Também ele se suicidou, mas antes ainda considerou que «os jogos de futebol eram a marca aterrorizante de aproximação entre vítimas e carrascos.»

O dia em que o Dínamo Kiev venceu o jogo errado»

No fundo aconteciam apenas entre os presos com regalias, sendo que por vezes os judeus eram obrigados a segui-los. Os alemães consideravam que eram «a conjunção de espírito, para a saúde e benefício mútuos». Recentemente foi revelada uma foto de presos ingleses equipados para um jogo.

A revelação foi feita por três antigos presos de guerra, que quebraram o silêncio após décadas num livro conjunto. O Maisfutebol falou com um deles, Arthur Gifford-England, que não quis contar pormenores. «A minha história está contada, não quero ter mais nada a ver com Auschwitz», disse.

Como já se disse, este era porém um privilégio de alguns presos. Os judeus que não ajudavam o regime nazi, não tinham esse direito. O Maisfutebol entrevistou um antigo sobrevivente judeu, Aleksander Laks, que desconhecia os jogos. «Eu nunca vi nenhum jogo de futebol em Auschwitz», disse.

«A única coisa em relação a isso que eu tive conhecimento foi um filme de propaganda feito pelos nazis em Berezin, na Checoslováquia, que mostrava judeus a ser bem tratados, até num jogo de futebol. Mas depois desse jogo feito para o filme, todos foram mandados para Auschwitz e lá exterminados.»

Não foram os únicos. No campo de extermínio morreram aliás várias figuras do futebol da época, no final dos anos 30, entre os quais o mais mediático foi Árpád Weisz. Era um importante treinador húngaro, de origem judaica, que fez carreira nos maiores de Itália: Inter, Bolonha e Bari. Morreu em Auschwitz.

O futebol nunca foi bem tratado pelos nazis.