O Estádio do Bessa vai ser palco de um jogo muito especial para dois homens: Raul Meireles, o pai, massagista do Boavista há 23 anos, e Raul Meireles, o filho, médio do F.C. Porto. Acima da rivalidade entre os dois maiores clubes da cidade está uma relação especial entre duas pessoas que fazem do futebol a sua vida, mas que não se zangam por causa de um resultado.
Raul Meireles está no Boavista desde 1982, altura em que começou a exercer funções no departamento de futebol juvenil do clube. O filho Raul nasceu no ano seguinte e em 1989 deu os primeiros passos no futebol nas escolinhas do Bessa. Por lá se manteve até ao segundo ano de júnior, altura em que foi emprestado ao Desportivo das Aves. Foi lá que amadureceu como jogador, tendo regressado ao Bessa na época passada. Uma passagem curta, já que no último defeso transferiu-se para o F.C. Porto.
Em todas as etapas teve sempre o apoio do pai e os dois chegaram a trabalhar juntos no ano passado. Ou seja, enquanto o filho treinava, Raul Meireles estava a postos para qualquer emergência, sempre a desejar que nada lhe acontecesse: «É complicado gerir a situação de ser pai e profissional, mas aprendi a lidar com a situação e agora encaro-a de outra forma. Felizmente ele nunca passou por uma situação crítica. Mas preocupa-me muito mais quando estou na bancada a ver os jogos, porque não estou ao lado dele», explicou o massagista dos «axadrezados».
Pai sofre...
Apesar dos seus afazeres profissionais, Raul Meireles tenta estar sempre presente nos jogos do filho: «Já fazia isso quando ele estava no Aves. Se ficar em casa não me sinto bem, fico ainda mais nervoso. Então nos jogos da selecção é que sofro», confessou.
Um sofrimento que aumenta quando Boavista e F.C. Porto estão prestes a defrontar-se, em mais um «derby» daqueles que mexem com a cidade do Porto. Raul Meireles diz que «esta vai ser uma semana calma, pelo menos até ao dia do jogo, mas aí o coração fica dividido». Ou seja, o profissional do Boavista quer ver a sua equipa vencer, mas o pai do jogador do F.C. Porto não quer ver o filho a sofrer uma derrota: «Quero que ele ganhe, mas não quero que o meu clube perca. É contraditório, não é? Mas é assim que me sinto. Quero que o F.C. Porto ganhe, porque ele está lá, mas joga o Boavista, também quero ganhar. Sou profissional e quero ganhar. E sei que ele sente o mesmo. Quer que ganhe o clube do pai, mas também quer que ganhe o F.C. Porto». «O que importa é que corra tudo bem e não haja nada de anormal», deseja.
O «sofrimento» do pai já não é novo. «Quando o Raul jogava no Aves fomos lá fazer um jogo no início da época. O Boavista marcou um golo e eu fiquei confuso. Estávamos a ganhar, mas ele está a perder¿».
Antes do jogo não costumam fazer apostas nem trocar impressões. E quis o destino que, no encontro da primeira volta, até tivessem visto o jogo lado a lado, na bancada do Dragão. E no fim, o «fair-play» prevaleceu: «Quando o jogo acabou ele lá me disse: Pronto, ganhaste tu».
Ter um pai que está no mundo do futebol é importante para Raul Meireles. «Sempre fui crítico em relação ao trabalho dele, mas agora estou mais comedido. Para mim, o que ele faz nunca é bom. Era uma forma de ele ter um estímulo para vir a ser ainda melhor», contou, dando um exemplo concreto: «Quando ele foi campeão europeu, dei-lhe os parabéns, mas disse-lhe logo: meu menino, isto é muito bonito, mas tu não ganhaste absolutamente nada. Foi uma forma de o motivar para ele perceber que é capaz de fazer muito melhor».
As críticas abrandaram um pouco. O F.C. Porto atravessa uma fase complicada e Raul Meireles não tem jogado regularmente. E mais uma vez, o pai é um conselheiro especial: «Agora a tendência é para o ajudar a superar os momentos maus, para o apoiar. Aconselho-o a ter paciência porque, apesar de já ter 16 anos de futebol, a carreira dele ainda tem muito por onde evoluir».