CAMINHOS DE PORTUGAL é uma rubrica do jornal Maisfutebol que visita o dia-a-dia de determinado clube dos escalões não profissionais. Tantas vezes na sombra, este futebol em estado puro merecerá cada vez mais a nossa atenção. Percorra connosco estes CAMINHOS DE PORTUGAL.

SPORT CLUBE ANGRENSE

O Sport Club Angrense tem a única equipa cem por cento vitoriosa nos campeonatos nacionais e festeja o seu 85º aniversário no mês de dezembro. Ao longo da sua história, conquistou vários títulos da região e não esquece as visitas do Benfica. Afinal, esta é a 3ª delegação do clube da Luz.

A rubrica Caminhos de Portugal levou-nos até aos Açores e à Terceira, encontrando uma realidade peculiar. Por lá perdura a rivalidade com o Lusitânia, numa espécie de Benfica-Sporting da ilha.

Pedro Pauleta, natural de São Miguel, representou o Angrense em 1994. Uma época apenas. Em Angra do Heroísmo, os locais recordam o avançado mas olham com maior carinho para outro internacional português, alguém que nasceu e cresceu na Terceira: Eliseu, atual jogador do Benfica. 


[foto: Pauleta no Angrense em 1994; é o terceiro da direita para a esquerda, em cima]

Mas recuemos no tempo. O Sport Club Angrense, fundado a 1 de dezembro de 1929, guarda boas memórias da década de 60. Nessa altura, conquistou de uma assentada os títulos Distrital, Açoriano e Insular, neste caso graças a uma vitória frente ao Marítimo da Madeira.

O título de Campeão Insular valeu a entrada no quadro da Taça de Portugal, a primeira de uma equipa dos Açores, e o sorteio colocou o Benfica a caminho da ilha Terceira.

A 4 de junho de 1960, o primeiro duelo num Campo de Jogos de Angra do Heroísmo a rebentar pelas costuras. «Eram outros tempos, vejo as fotografias e tínhamos o estádio cheio, com cinco mil ou mais pessoas. Agora, temos 50 ou 60 adeptos por jogo. Os resultados deste ano começam a trazer mais pessoas ao estádio, mas nada que se compare», desabafa o atual presidente, Miguel Borba.

O Benfica venceu com naturalidade (0-2) e carimbou o afastamento do Angrense com uma goleada no Estádio da Luz. 10-0.

Um compromisso da Taça que passou a jogo particular

Sete anos mais tarde, como campeão dos Açores, o Angrense regressou à Taça de Portugal. Uma vez mais, foi emparelhado com o Benfica mas o jogo da 3ª eliminatória não se chegou a realizar.

«Devido a compromissos internacionais, o Benfica não estava em condições de apresentar a sua equipa principal na data em que deveria ser disputada a eliminatória. Em vez de efetuar o jogo, o Angrense aceitou a proposta dos benfiquistas para um jogo particular, a realizar mais tarde, com todos os jogadores da equipa que conquistou o título nacional dessa época», é possível ler na revista publicada no 83º aniversário do clube.

Nos registos ficou uma desistência do Angrense e a passagem do Benfica à eliminatória seguinte, onde acabou por ser afastado pela Académica de Coimbra.

O clube da Luz manteve a promessa e apresentou-se na Terceira em junho, com Eusébio e companhia, para deleite dos locais. Vitória por 6-1 no jogo particular. 


[Foto: o Campo de Jogos de Angra do Heroísmo na década de 60]

A ligação ao Benfica mantém-se até aos dias de hoje. Do outro lado da barricada fica o Lusitânia, vinculado ao Sporting. «Somos uma delegação do Benfica – eu sou sócio e um grande adepto – e o Lusitânia do Sporting, portanto acaba por ser assim: quem é benfiquista em Angra torce pelo Angrense, quem é sportinguista segue o Lusitânia», explica Miguel Borba.

O presidente do Angrense não se esquece das exceções. «Olhe, o meu vice-presidente para a área de futebol é do FC Porto, mas pronto, há sempre umas ovelhas negras», atira, em jeito de brincadeira.

A rivalidade com o Lusitânia chega a ser doentia

O SC Angrense venceu na época passada a Liga Açores e foi promovido ao Campeonato Nacional de Seniores. O Lusitânia, clube com grande tradição, está nesta altura mais abaixo. A rivalidade, porém, não é esquecida.

«Há dois grupos de adeptos do Angrense: uns que encaram o Lusitânia como um rival de forma salutar, outros como se fosse um inimigo, com rivalidade extrema. Enquanto eu for presidente, farei os possíveis para que se respeite o Lusitânia, que nesta altura atravessa dificuldades financeiras», avisa Miguel Borba.

Nem sempre foi assim. Os mais velhos propagam a ideia de separação total, um dérbi levado ao limite. Antigamente, havia cafés para adeptos de cada clube, sem misturas. E confusões diárias.

«É como a rivalidade entre Benfica e Sporting, sim, mas aqui em Angra do Heroísmo estamos num meio bem mais pequeno, vemos-nos todos os dias, não faz sentido levar isso ao extremo», remata o presidente.

Gonçalo Valadão, capitão e jogador do clube desde tenra idade, não deixa ainda assim de elogiar o cenário atual: «Antigamente a ambição de qualquer jogador era chegar ao Lusitânia. Era o clube de referência. Hoje em dia, o futuro de qualquer terceirense é jogar no Angrense. O clube cumpre com as suas obrigações, dá transporte, é respeitador.»



A prioridade passa por formar homens

Miguel Borba assumiu a presidência há pouco menos de dois anos e tem seguido os princípios de rigor orçamental para fugir ao cenário com que o Angrense se deparou no final dos anos 90.

«O Angrense foi um clube que passou por muitas dificuldades no final dos anos 90. Correu sérios riscos, fruto de má gestão, essencialmente. Conseguiu recuperar-se e atualmente é um clube muito credível nos Açores e tem uma formação fantástica que ainda no ano passado venceu o Regional», salienta Gonçalo Valadão.

O presidente do clube reparte o mérito com o seu antecessor. «É um trabalho de continuidade, que já vem do meu antecessor. Passou por uma gestão rigorosa e culminou com a reabilitação total da sede do clube, que é o grande património do Angrense.»

«Estamos no rumo certo, embora houvesse algum receio no arranque desta temporada, face à perspetiva de aumento considerável de despesas», acrescenta Miguel Borba.

O Angrense segue um caminho que poderá levar à continuidade no Campeonato Nacional de Seniores, de uma forma sustentável.

«Aprendemos com os erros do passado. Estivemos há três anos na II Divisão B e acabámos por descer. Agora temos outra perspetiva e uma confiança no futuro. Para além disso, apostamos fortemente num projeto para complementar a formação desportiva com a formação escolar», frisa o dirigente.

Formar homens, antes de mais. «Perdemos muitos jovens após o 12º ano, porque têm de ir estudar para fora daqui e acabam por afastar-se do futebol. Mas ainda assim, apostamos na sua formação escolar. Havia a ideia de que um bom jogador era mau aluno. Para mim, um bom jogador é aquele que tem igualmente uma boa cabeça.»

«Por isso, arrendámos um espaço ao lado do estádio para explicações, onde conseguimos apresentar valores abaixo do mercado. Assim, os jovens treinam e estudam no mesmo local, tornando-se mais fácil para as deslocações dos pais. Queremos formar homens, se possível depois bons jogadores e por fim, se possível claro, conquistar títulos», remata o presidente do Angrense.

O presente é repleto de sorrisos. Afinal, o clube de Angra do Heroísmo venceu a Liga Açores na época passada e soma por vitórias os encontros disputados na sua série do Campeonato Nacional de Seniores.