CAMINHOS DE PORTUGAL  é uma rubrica do Maisfutebol que visita passado e presente de clubes dos escalões não profissionais. Tantas vezes na sombra, este futebol em estado puro merecerá cada vez mais a nossa atenção.

GINÁSIO CLUBE DE ALCOBAÇA: Divisão de Honra da AF Leiria

Esta semana, Caminhos de Portugal para em Alcobaça. No meio da estrada, em frente ao Mosteiro.

Não percebe onde este caminho nos leva? Já lá vamos.

Antes de tudo, as apresentações: chamam-lhe Ginásio, mas hoje em dia é um clube de futebol, com 18 equipas e quase 300 atletas federados.

Houve tempos em que sob o seu emblema se jogava andebol e hóquei e um episódio em que «por culpa da bola» até o ciclismo entrou no barulho.

Guardamos esse episódio mais lá para o meio do texto? Não há como resistir a contá-lo já. Nem que tenhamos de recuar desde já três décadas e meia, àquele campeonato de 1981/82 em que os alcobacenses subiram à I Divisão, mas só depois de uma luta na secretaria com a Académica.

A equipa de Coimbra beneficiou numa primeira instância da decisão da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), na sequência de um jogo com o Guarda, que teve de ser repetido (3-3). Contudo, o recurso e os protestos dos alcobacenses acabariam por surtir efeito e valer-lhes a subida direta, quando já disputavam a Liguilha.

Tem a palavra Horácio Luís, guarda-redes nessa equipa, alcobacense de gema e desde há década e meia a esta parte treinador dos escalões de formação do clube, que recorda ao Maisfutebol esse caso insólito:

«Em protesto com a decisão federativa os nossos adeptos decidiram cortar a Estrada Nacional e interromper a clássica de ciclismo Porto-Lisboa. Ficou o pelotão ali parado em frente ao Mosteiro de Alcobaça. Lembro-me de o falecido Rui Tovar, em reportagem para a RTP, de microfone na mão, espantado com aquilo. Coisa inédita: uma corrida de ciclismo ser interrompida por causa do futebol. Apesar da confusão, explicámos com calma os motivos do nosso protesto aos ciclistas, eles perceberam e até ficaram do nosso lado quando ouviram a história…»

A história, porém, não acabou aqui. Mesmo com a subida garantida, o Ginásio de Alcobaça teve de deslocar-se a Penafiel para a decisão do título de campeão da II Divisão. Uma viagem atribulada, conta ao Maisfutebol Horácio Luís:

«Por causa do problema com a Académica, não fomos por Coimbra. Dizia-se que os adeptos deles estavam à nossa espera e que podia haver problemas. Fomos pela estrada da costa, pela Figueira da Foz. Foi uma viagem atribulada: o nosso autocarro avariou, tivemos de trocar de transporte em Espinho. Enfim, durou muito mais do que o normal aquela viagem a Penafiel.»

Dessa época, além da subida, o antigo guarda-redes recorda a meia-final da Taça de Portugal em Alvalade, frente ao Sporting de Malcolm Allison: «Era muito pouco comum um clube da II Divisão chegar a umas meias-finais. Essa equipa do Sporting ganhou a dobradinha nesse ano, tinha grandes jogadores: Jordão e Manuel Fernandes lá na frente, Meszaros na baliza… Perdemos 2-1 (golos de Jordão e Manuel Fernandes para os leões e de Nelito para o Ginásio). Na segunda parte podíamos ter levado goleada, mas na primeira aquilo esteve feio para o Sporting. O Meszaros teve nesse jogo de vir muitas vezes fora da área travar contra-ataques nossos.»

«I Divisão? Mais de trinta anos depois, ainda havia faturas por pagar»

Depois da subida e do brilharete na Taça, seguiu-se em 1982/83 a única época na I Divisão dos alcobacenses. O registo, porém, não foi famoso: apenas quatro vitórias, todas caseiras (sobre Amora, Sp. Espinho, V. Setúbal e Estoril), em 30 jogos valeram o último lugar e a descida de divisão a uma equipa em que se destacavam José Romão na defesa e Cavungi lá na frente. Na memória, não por bons motivos ficaram as goleadas na Luz (8-1), em Alvalade (4-1, ver vídeo abaixo) e em casa frente ao FC Porto (1-5).

Foi esse o período áureo da história do Ginásio, fundado em 1946 da fusão entre o Comércio e Indústria e o Alcobaça Futebol Clube. Dessa altura, ficaram memórias… e dívidas, explica ao Maisfutebol Hélder Nunes, eletricista, funcionário da EDP e secretário-geral direção do Ginásio.

«Mais de 30 anos depois, ainda há pequenas faturas por pagar: salários, prémios de jogo, dívidas em casas comerciais… Mesmo assim, ainda houve algumas dívidas que os jogadores dessa altura esqueceram», diz o dirigente, lembrando a gestão de Guerra Madaleno, presidente do Ginásio à época, que ficou conhecido no início deste século pelas candidaturas à presidência do Benfica.

Bem diferente é a realidade do clube hoje. A equipa de seniores masculinos está na Divisão de Honra da Associação de Futebol de Leiria, mas o clube tem mais dezena e meia de equipas até aos escalões mais jovens e, de há dois anos a esta parte, até duas equipas femininas, nos escalões de seniores e em juniores.

«Quando estivemos na I Divisão, tínhamos quatro equipas de futebol. Agora, temos 18 equipas e 298 atletas federados», diz Hélder Nunes. Sócios pagantes são cerca de um milhar. Menos do que o desejável, lamenta o dirigente: «Para algumas pessoas de Alcobaça é mais fácil ir a Lisboa ver o Sporting ou o Benfica do que ver o Ginásio em casa.»

Uma realidade bem diferente da dos anos 80, em que o clube arrastava milhares de adeptos à volta do seu pelado – «fiz umas feridas jeitosas a jogar ali», diz Horácio Luís.

«Hoje, as pessoas preferem ver jogos internacionais na SportTV, quentinhas em casa e com a lareira acesa, do que virem para o estádio e verem a nossa equipa ao frio e à chuva. Além disso, a juventude agora dispersa-se. Há uns anos, qualquer bicho careta jogava futebol. Agora, boa parte dos miúdos dedicam-se às Playstations…», diz Hélder Nunes, que ainda não decidiu se vai continuar ligado ao clube. Se continuar, quer sobretudo privilegiar os escalões jovens: «Para clubes como o nosso, a saída é apostar na formação. Queremos manter os juniores nos campeonatos nacionais e subir os infantis, os iniciados… Isso é mais importante do que pensar em subir os seniores, até porque nos permite no futuro aproveitar estes miúdos para a equipa sénior e ter uma equipa ligada à terra.»

O Ginásio terá aprendido a lição de outros tempos: o futuro acaba sempre por apresentar a fatura a quem dá passos maiores do que a perna.