CAMINHOS DE PORTUGAL é uma rubrica do Maisfutebol que visita passado e presente de clubes dos escalões não profissionais. Tantas vezes na sombra, este futebol em estado puro merecerá cada vez mais a nossa atenção.

LUSITÂNIA DE LOUROSA FUTEBOL CLUBE: AF AVEIRO

Mais do que os títulos ou o poderio financeiro, a fita métrica que mede a grandeza dos clubes são os adeptos. É regra universal do jogo, sem adeptos não há futebol. Em Santa Maria da Feira, no distrito de Aveiro, mora um dos maiores exemplos desta máxima.

Num país monopolizado maioritariamente para Lisboa e Porto, salvo raras exceções, o Lusitânia de Lourosa é um fenómeno difícil de explicar, mas que merece atenção.

Sem qualquer presença na Primeira Liga, ou mesmo na segunda, o emblema aveirense subiu este ano ao Campeonato de Portugal e já aponta para os campeonatos profissionais. O sonho de pisar os maiores palcos do futebol nacional está lá, mas enquanto isso, há um fator que vai distinguido este clube dos demais: a força da sua massa associativa.

Hugo Mendes tem apenas 36 anos, mas já é o rosto deste sonho lusitanista. Em conversa com o Maisfutebol, o presidente do Lusitânia de Lourosa explica este fenómeno à volta da equipa da Associação de Futebol de Aveiro e traça, sem quaisquer receios, os objetivos do clube.

«O que se mede num clube são os apaixonados que tem à volta dele, são os sócios e simpatizantes que mobilizam um clube, e o Lourosa tem muitos. Digo, claramente, que o Lourosa está no top 20 de clubes a nível nacional com mais sócios e simpatizantes», começa por dizer, visivelmente orgulhoso, ao nosso jornal.

Hugo Mendes, presidente do Lusitânia de Lourosa (foto: facebook Lusitânia de Lourosa)

Hugo assumiu a presidência do clube há cerca de ano e meio, e entretanto o Lusitânia já conseguiu a subida ao Campeonato de Portugal. Mas nem sempre foi assim. O dirigente explica que o fenómeno dos adeptos à volta do clube começou nos anos 70 e foi até aos anos 90, altura em que ele próprio se fez adepto do Lourosa. Depois, o «leão» adormeceu.

«O primeiro slogan que eu criei enquanto presidente foi «juntos vamos acordar o leão» e neste momento o leão já está a acordar. Ainda não acordou, só estará acordado quando estiver nos campeonatos profissionais, que é onde o Lourosa deve estar», afirma.

«Houve um leão vivo na década de 70, houve um leão a querer aparecer na década de 90, e agora há também um leão a querer aparecer.»

Falando no leão, que posa elegantemente no símbolo do Lusitânia, o dirigente explica o que quer para a equipa: «Ir para todos os jogos com a garra do leão, que transmite uma grande força. Não é por nada que o leão é o rei da selva.»

E a subida, é já este ano? «As coisas estão a correr dentro do que esperávamos para o clube. O nosso objetivo claro para esta época é alcançar os campeonatos profissionais, foi aquilo que eu propus a todos os sócios e todo o clube está comprometido com esse objetivo.»

«Pelos adeptos que tem, o Lourosa é um clube de Primeira Liga»

Com 36 anos, Hugo é adepto do Lourosa desde que se lembra, muito por influência do pai. A questão geracional pesa claramente na balança, mas não só: «Esta forte paixão tem de ser trabalhada para além dos resultados desportivos. Criámos uma campanha que se chama “Só Lourosa”, que visa promover o clube junto dos mais novos.»

«Vamos às escolas falar com as crianças e quando chegamos encontramos cenários lindíssimos, a paixão daquelas crianças pelo Lourosa é enorme, todos equipados a rigor, com bandeiras, cânticos… Sabemos que as crianças são genuínas e elas transmitem que desde pequeninos vibram pela Lusitânia», argumenta.

Foto: facebook Lusitânia de Lourosa

Mesmo a jogar nas divisões não profissionais do futebol português, o Lusitânia tem «em média cerca de 2500 adeptos a ver os jogos em casa e 500 a ver os jogos fora». Para Hugo Mendes, a Primeira Liga já está a chamar.

«A minha missão é alcançar os campeonatos profissionais, feito que estes sócios e simpatizantes tanto merecem, e colocar o clube no seu devido lugar. Todos nós queremos chegar onde o clube merece estar, que é na Primeira Liga. Pelos adeptos que tem, o Lourosa é um clube de Primeira Liga», defende.

«Vamos dar um passo de cada vez, vamos chegar à II Liga, mas depois queremos também chegar à Primeira. O Lourosa tem de lá chegar, isso tem de ser uma realidade para todos os que sentem o clube.»

«A nossa missa é domingo às três da tarde»

Tal como Hugo, Hélder Silva tem 36 anos, todos como adepto do Lusitânia. E tal como o «seu» líder, também ganhou o gosto pelo emblema de Lourosa com o pai.

«[Este fenómeno] tem muito que ver com os antepassados, falando da minha experiência pessoal, isto foi-me passado pelo meu pai, que me ia acompanhando às vezes e também me deu liberdade para ir ao futebol sozinho», começa por contar.

«Esta ligação mais recente [entre adeptos e clube] tem muito a ver com a aproximação que esta direção fez à comunidade, através das redes sociais, de algumas ações que vão fazendo nas escolas», prossegue.

Este amor ao clube é de tal forma acentuado que, diz Hélder, as crianças não sonham com Benfica, FC Porto ou Sporting, mas sim com o Lusitânia: «Esta aproximação à comunidade já se sentia antes, nós éramos miúdos e os nossos ídolos eram jogadores dos seniores [do Lourosa]. Quando passei pelas camadas jovens o meu sonho era chegar aos seniores, nunca quis ser jogador de “a, b ou c”, e isso passa de geração em geração.»

Foto: facebook Lusitânia de Lourosa

É bairrismo puro e duro? «Eu nem toquei nesse assunto porque é algo que nos caracteriza, o bairrismo. Nós [adeptos] dizemos muitas vezes que vamos a mais uma missa, a nossa missa é domingo às três da tarde, é isso que vai alimentando o bairrismo. Já sabemos que ao domingo vamos encontrar as pessoas, cria-se ali uma afinidade e isso contagia os demais.»

«No meu caso, tenho uma esposa que não é natural de Lourosa e ela nos jogos de maior intensidade sente o bichinho, porque respira-se futebol na cidade», conta.

«Não há muitos clubes que têm adeptos com esta capacidade de empurrar a equipa e condicionar o adversário»

No meio destes novos ídolos, está Tozé Marreco, jogador com uma vasta experiência no nosso futebol. Depois de passagens por clubes como Tondela, Desp. Chaves, Famalicão e Académica, o experiente avançado «aterrou» esta época em Lourosa, seduzido pelo projeto.

«Eu só pus em questão vir para aqui porque sabia das condições de organização e de estrutura que há aqui. Só me sentei com o clube porque sabia que havia condições de infraestrutura diferentes das outras equipas do campeonato», refere.

«Nos treinos não noto diferença para os clubes dos campeonatos profissionais, em termos de estrutura de equipamentos, de condições, não se nota nada. (…) A minha aposta foi o projeto, aqui há um plano para o clube, há um projeto pensado», acrescenta.

E a subida, também paira no balneário? «Eu próprio não me motivaria a vir para aqui se não fosse lutar por coisas grandes. Vim para aqui para isso, temos condições para ganhar a qualquer equipa. Podia estar nos campeonatos profissionais, mas fiz uma aposta neste clube por causa disso.»

Tozé Marreco e Hugo Mendes (foto: facebook Lusitânia de Lourosa)

Para Tozé Marreco, a presença em massa dos adeptos ajuda a equipa a chegar mais depressa ao golo, mas o avançado defende que isso ainda pode ser aproveitado de melhor maneira.

«Quando estás a perder 1-0 em casa e fazes um golo, se o público ainda te empurra mais, estás mais perto de fazer o segundo e isso ajuda-nos a nós e condiciona quem cá vem jogar, mas acho que ainda devemos utilizar esse fator de maneira mais forte», diz.

«Esse apoio vai ser decisivo, tenho a certeza que vão haver jogos equilibrados e isso pode fazer a diferença, não há muitos clubes que têm adeptos com esta capacidade de empurrar a equipa e condicionar o adversário», garante.

Em casa ou fora, os fiéis seguidores do Lourosa nunca faltam a uma «missa» de domingo à tarde, e o clube agradece. Com um suporte destes, tão raro no futebol português, a II Liga pode ser o objetivo imediato, mas o céu é o limite. Os próximos capítulos logo o dirão.