CAMINHOS DE PORTUGAL é uma rubrica do Maisfutebol que visita passado e presente dos clubes dos escalões não profissionais. Tantas vezes na sombra, este futebol em estado puro merecerá a nossa atenção.

«O Vila é sem dúvida o maior clube de Gaia. Por muito respeito que tenha a todos os clubes, e há alguns que estão divisões a cima, mas somos o clube com mais pergaminhos, mais história e isto não há dúvida. Estivemos muitas épocas na segunda liga, na terceira e somos quem fomos mais vezes à Taça de Portugal», diz o presidente António Coelho e adepto de longa data, que mostra com orgulho o galhardete recebido no embate com o Sporting numa eliminatória da Taça de Portugal em 2001.

Com 104 anos de história, o Vilanovense Futebol Clube abriu as portas ao Maisfutebol do velhinho Parque Soares dos Reis, bem no coração da cidade de Vila Nova de Gaia, que foi à procura de conhecer um pouco mais sobre um dos clubes responsáveis pelo lançamento de Hulk para o estrelato.

Pouca resta na memória sobre o jovem de 16 anos que emigrou para Portugal à procura de oportunidades. No entanto, as verbas provenientes das vendas para o Zenit e para o Shanghai SIPG foram instrumentais para a sobrevivência do clube, que ultrapassou momentos difíceis a nível financeiro.

Até bem recentemente, o clube encontrava-se afundado em dívidas antigas, e a destruição de parte do Estádio devido ao mau tempo em 2016 colocou o clube numa posição ainda mais precária.

«Quando peguei no clube há quatro anos estávamos mesmo muito limitados. Eram ordenados em atrasos, dívidas antigas, muitas dívidas. Sabia disso quando peguei no clube mas não de todas. Tivemos que fazer um estudo para dar a volta à situação e conseguimos», começou por dizer António Coelho, presidente do Vilanovense desde 2014.

«O meu melhor momento à frente do clube foi a resolução aqui do estádio e o projeto do novo campo com a participação da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, e da Junta de Freguesia de Mafamude e Vilar do Paraíso. Não sei destacar um pior momento, porque quando cheguei estava tudo tão debilitado que tudo o que viesse seria uma melhoria, e só podemos ter orgulho do que fizemos.»

Em 2010, devido a processos administrativos, o clube teve se dividir em dois: Vila FC no que diz respeito ao futebol sénior, e manteve o nome de Vilanovense nos escalões de formação. «Durante um ano deixamos de ter equipa sénior, não nos permitiam inscrever jogadores com o nome Vilanovense, mas não fazia sentido não termos seniores, sem uma equipa sénior não há sócios. Então criámos o Vila FC.»

«Nem sei explicar as minhas motivações, mas sinto qualquer coisa sempre que entro naquela porta, sei que sinto eu e todos os que são verdadeiramente Vilanovense. Há sempre críticos, mas essas pessoas nem vale a pena, não são críticas construtivos. Podia ganhar a Liga dos Campeões aqui que ia sempre ter críticas», adicionou. 

António contou os primeiros contactos que teve com o clube na distante década de oitenta: «Comecei em 1985, jogava nos infantis. Podia até ter ido para o Porto mas o Vila não me deixou ir. Nos juvenis fomos à primeira nacional e estivemos perto de ser campeões, nos juniores também tivemos hipótese de subir à primeira divisão.» 

Na altura, o Vilanovense era um emblema com uma forte presença nos escalões de formação. A prova é a fotografia dos juvenis, campeões distritais da AF Porto em 1989/90, no gabinete do presidente. 

António recordou estórias do passado e lembrou-se de um golo único e histórico que testemunhou das bancadas: «O Vila precisava de ganhar em Valadares para subir de divisão. Eu era miúdo, mas ia ver os jogos todos. Estávamos a perder ao intervalo 2-0, empatámos e o golo da vitória foi marcado pelo guarda-redes, o Mário Jorge, que marcou de uma baliza à outra.»

«Quando jogava nos juvenis, e estávamos na primeira divisão nacional, vinha aqui a Académica jogar ao Soares dos Reis, o capitão era o Sérgio Conceição, e o Boavista tinha o Martelinho. Metíamos 2 ou 3 mil pessoas no estádio, às vezes mais pessoas do que nos jogos dos seniores», confessou.

Ainda assim, António acredita que o misticismo que pairava sob o Soares dos Reis antigamente está a regressar: «Tenho a certeza que hoje 90% dos miúdos gostam do Vila como no meu tempo de criança. O Vila é o meu clube, e os miúdos também já não nos trocam, porque o clube está em paz, cresceu, tem cada vez melhores condições, e eles sentem isso. O peso do antigo Vilanovense quer voltar e está a voltar. Como presidente isto deixa-me muito orgulhoso.»

Questionado sobre o que resta fazer à frente do clube, António foi claro: «Uma subida de divisão. Projetámos a subida este ano e estivemos realmente perto de subir, não contávamos perder tantos pontos em casa. Talvez ainda seja possível porque as coisas podem mudar na AF Porto».

O Vilanovense segue em terceiro lugar da Divisão de Honra da AF Porto, atrás do FC Foz, e o SC Canidelo. Ainda assim, o presidente admite que não olha só para os resultados:

«Por mais que custe ao adeptos, o que me move não são os resultados e essas euforias, é principalmente pagar os ordenados e melhorar as infraestruturas. Quando cheguei havia empregados com 7 ou 8 meses de atraso, hoje está quase tudo em dia. Orgulho-me de dizer que as dívidas do Vila estão quase todas pagas e em breve vamos poder ser novamente Vilanovense Futebol Clube dos iniciados aos seniores. O clube está a 80 por cento em termos de estabilidade, a correr bem a partir da próxima temporada teremos a estabilidade pretendida.»

«Em certas alturas da época costumávamos ter 500 adeptos aqui certamente, e nos jogos fora somos o clube que mais adeptos levamos. O Vila ganha, perde, e eles estão sempre lá e é com esses que podemos contar. Às vezes até os treinos acompanham.»

Questionado sobre o que falta a um clube numa cidade tão grande como Vila Nova de Gaia ter um clube a lutar por outros objetivos, António culpa o excesso de clubes: «Há muitos clubes. A câmara agora tem as contas no verde e poderia até ajudar mas a decisão vai sempre criar confusão. Vão ajudar que clube? O Vila? Canidelo? Coimbrões? Quem diz estes diz muitos mais. Qualquer decisão ia criar uma guerra tremenda. A não ser que um dia se juntem três ou quatro clubes e esqueçam o passado e pensem no futuro. Mas mesmo isto é muito difícil, depois onde é que iam jogar tantos miúdos? O lugar certo para um clube de Gaia é a Divisão D’Elite, a terceira divisão já é muito difícil, é muito caro e é para andar a sofrer, não é nada fácil.»

António Coelho deu ainda mais detalhes sobre o projeto do novo estádio: «Estamos num processo definitivo em que vamos assinar um protocolo, em que ficamos mais três anos aqui e depois começaremos a jogar no novo estádio. A câmara está a trabalhar num terreno, que será do município claro. Mas o nosso trabalho de reabilitação aqui tem de continuar, temos muitas obras ainda por fazer.»

«Vai custar deixar o estádio claro, há aqui muitos campeonatos, muitas histórias, muitas vitórias, mas é um problema que nunca ninguém resolveu, caiu a batata quente nesta direção e tivemos que resolver. A câmara e a junta interessaram-se verdadeiramente na resolução do problema e é isso que estamos a fazer. Temos pena, este estádio está muito bem situado mas os clubes crescem com novos estádios e melhores condições. Não somos só nós, o FC Porto, Benfica e Sporting também fizeram isso», adicionou.

A passagem de Hulk é tema de conversa obrigatório. O avançado que atualmente joga na China, mas foi estrela no FC Porto, passou pelo Vilanovense em 2002, nos juvenis.

«Não estava no clube quando ele jogou aqui, ouvia-se falar que tinha muito potencial e não ficou aqui muito tempo. O dinheiro que recebemos foi todo para pagar dívidas, processos e patrocinadores. Temos pena que não foi para investir no clube, mas não dá», admite, em conversa com o Maisfutebol.

Questionado sobre se o clube teria outros «Hulks» com potencial para explodir no panorama nacional, António enumerou outros casos: «Temos o João Amaral e o Nuno Pinto no Setúbal. Há o Tabuaço do Vitória de Guimarães também. Independentemente de recebermos verbas ou não, sentimo-nos muito orgulhosos quando estes jogadores chegam a algum lado. É muito bom para o clube, porque é falado e significa que gostaram de cá estar e isso vale mais do que dinheiro», admitiu.

O Maisfutebol esteve ainda à conversa com Américo Ribeiro, atualmente vice-tesoureiro, secretário do clube, sócio desde 1978, e dirigente do clube «há mais de vinte anos.»

«A minha paixão pelo Vilanovense vem desde o tempo da escola. Tinha um amigo que estudava comigo e andamos os dois sempre juntos. Fizemo-nos sócios e íamos a todo o lado ver o Vila», disse.

O dirigente, muito bem humorado, contou um episódio caricato recente: «Fui buscar um jogador a Vila do Conde para o levar à Alpendurada pra jogar e desfiz o carro todo numa ultrapassagem. Chovia muito e ficamos sem jogador e sem carro (risos). Mas ninguém se magoou», contou.

O gosto pelo clube é tão grande que, outrora, enquanto diretor de uma equipa rival, prejudicou o clube que representava em favor do Vila:  «Era Mafamude contra Vilanovense em infantis e eu era ainda diretor do Mafamude. Não havia transportes para os jogadores e o presidente do Vila na altura levava os jogadores 8 de cada vez. Quando chegou a equipa toda já tinham passado os 30 minutos de tolerância, e eu podia ganhar na secretaria. Não aceitei, quis jogar e perdemos 5-0 (gargalhadas na sala entre o presidente e diretor).»

«Lembro-me de alguns jogadores. Do Hulk não, só do que li na internet depois. Lembro-me do Bobó, do Nélson e do Marco Aurélio. Chegámos a ter muito boas equipas. Antigamente tínhamos quase todas as equipas de formação nos campeonatos nacionais», contou o atual tesoureiro.

«O Vilanovense é o clube mais eclético de Gaia. Adormeceu e agora está a levantar-se lentamente. Caímos bem no fundo, tínhamos dívidas enormes, não é nada fácil. Somos um gigante de Gaia adormecido, e isso vê-se quando vamos a qualquer lado e temos lá muitos adeptos. As pessoas gostam do Vila.»

Com os pés bem assentes na terra, mas os olhos fixos no céu, o Vilanovense vai continuar à procura de regressar aos velhos tempos de glória. Quer seja no Parque Soares dos Reis, ou num novo Estádio algures em Vila Nova de Gaia, certeza é que apoio nunca faltará aos rapazes de vermelho e negro.