«CHUTEIRAS PRETAS» é um espaço de Opinião do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Um olhar assumidamente ingénuo sobre o fenómeno do futebol. Às quintas-feiras, de quinze em quinze dias. Pode seguir o autor no Twitter. Calce as «CHUTEIRAS PRETAS».

Vamos falar a sério. A vida pode ter requintes presunçosos, mas acaba sempre por nos colocar onde merecemos.

A Itália, na versão Squadra Azzurra, foi décadas a fio o Hannibal Lecter do seu próprio argumento. Inteligente, calculista, assassina, adoradora de um bom Chianti com fígado e favas. Infalível.

Caros amigos, ora vejam lá o onze inicial da final de 82, campeã do mundo:

Zoff; Gentile, Bergomi, Collovati, Scirea e Cabrini; Oriali; Conti, Tardelli e Graziani; Rossi.

No banco estavam, por exemplo, o enorme Franco Baresi e os excelentes Antognoni e Altobelli.

Avancemos 24 anos. Final do Campeonato do Mundo de 2006, a Itália novamente campeã do mundo, Fabio Cannavaro com a mais bela taça nas mãos, La Dolce Vita em exibição no altar dos maiores sonhos da bola.

Buffon; Zambrotta, Cannavaro, Materazzi e Grosso; Gattuso e Pirlo; Camoranesi, Totti e Perrotta; Toni.

Agora, sem se rirem, comparem o nível destes 22 heróis, bravos do pelotão, com os homens lançados pelo tristonho Ventura no decisivo jogo contra a Suécia. O jogo que roubou à Itália o Mundial pela primeira vez em 60 anos.

Buffon (respeito!); Barzagli, Bonucci e Chiellini; Florenzi, Candreva, Parolo, Jorginho e Darmian; Gabbiadini e Immobile.

O postulado da mediocridade. Não já jogadores especiais, não há uma marca registada de casta superior. A exceção é Gigi Buffon, o homem que merecia jogar Mundiais até ao fim da vida, e eventualmente o trio de defesas. Daí para a frente, o deserto.

Arrigo Sacchi, voz mais do que autorizada, colocou o dedo na ferida. Os Mundiais de 2010 e 2014 foram um desastre – a Itália não passou da primeira fase – e um sério aviso para o que aí vinha.

No país de todos os escândalos, ninguém quis ouvir. Vivem, possivelmente, agarrado às lendas do passado e a máximas que fizeram escola: o perigoso cinismo, o futebol ao mesmo tempo defensivo e aniquilador, o profundo controlo sobre o jogo e o adversário.
Tudo isto desapareceu da génese Azzurra. Nada do que lhe está a acontecer é um acaso. A crise de fé e de jogo é uma evidência e não há Mamma Mia ou O Sole Mio capaz de tornar tudo isto mais poético.

Reencontraremos a Itália em 2022, possivelmente. Até lá, folheemos as cadernetas de cromos de outras vidas, outros torneios, outras memórias. E tentemos não rir ao pensar nos Parolos e Gabbiadinis de 2017.

CHUTEIRAS PRETAS 1: ver pessoas inteligentes a elogiar a entrevista de Luís Filipe Vieira na BTV faz-me confusão. O jornalista Hélder Conduto, com quem estive no Euro2012 e me merece o maior respeito, fez uma opção de carreira. Foi trabalhar para o canal de um clube. Ora, como qualquer outro nessa condição, o objetivo-mor passa por defender e promover a imagem da instituição. No caso o Benfica e, claro, o seu presidente. Conduto não podia fazer perguntas difíceis ao patrão. E não o fez, como eu não o faria no seu lugar. É compreensível? Sim. É elogiável? Nem pensar. Assistimos a 2h30 de propaganda, para tolos. Sem pensar muito, lembro-me de 20 questões que gostaria de colocar a Vieira nestes tempos em que o clube é investigado por «crimes de corrupção ativa e passiva» [comunicado da Procuradoria Geral Distrital de Lisboa].

CHUTEIRAS PRETAS 2: no início da época apontei o Estoril-Praia como potencial equipa-revelação da Liga 2017/18. Pedro Emanuel chegou e colocou os «canarinhos» a jogar futebol de excelência. Mas esta modalidade não é uma ciência exata. Sem nada o fazer prever, o Estoril deixou de pontuar e afogou-se em derrotas. Ivo Vieira tem aqui um desafio enorme. Para seguir com atenção.   

CHUTEIRAS PRETAS 3: cada vez admiro mais Iker Casillas. Basta ler o que tem dito sobre a surpreendente condição de suplente no FC Porto. Um senhor.  

«CHUTEIRAS PRETAS» é um espaço de Opinião do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Um olhar assumidamente ingénuo sobre o fenómeno do futebol. Às quintas-feiras, de quinze em quinze dias. Pode seguir o autor no Twitter. Calce as «CHUTEIRAS PRETAS».