«Depois do Adeus» é uma rubrica dedicada à vida de ex-jogadores após o final das carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como sobrevivem os que não ficam ligados ao futebol? Críticas e sugestões para o email vhalvarenga@mediacapital.pt.

Wilson acumulou temporadas de grande nível no futebol português, ao serviço de Gil Vicente e Belenenses, entre 1994 e 2005. No total, foram mais de 250 jogos (260) na Liga. A calvície precoce enganava, fazia o defesa-central parecer mais velho e consequentemente mais lento do que realmente era. Na verdade, tratava-se de um jogador de qualidade superior, pouco dado a faltas e com excelente leitura de jogo.

Nascido em Angola, Wilson viria a representar os Palancas Negras em diversas ocasiões, incluindo a Taça das Nações Africanas (CAN) de 1996, na África do Sul. Para a história ficaram ainda o Caldas, clube em que se projetou, Olhanense, Elvas e Alcobaça, destino final da carreira, que terminou em 2008.

Desde então, o antigo defesa-central apostou com maior regularidade no ramo dos seguros, desenvolvendo atividade com o irmão Wagner na zona da Nazaré. Paralelamente, teve algumas experiências como treinador, primeiro no Nazarenos e mais tarde nos sub-23 do Belenenses e no Estágio do Jogador, promovido pelo Sindicato, como adjunto de Neca, antigo companheiro de equipa.

«O meu irmão Wagner já era mediador de seguros há vinte e tal anos, tirei o curso de mediador e tornei-me sócio dele. Abrimos atividade em 2008, com o nosso próprio escritório na Nazaré, integrado no Grupo Solarsegura», começa por explicar, ao Maisfutebol.

O futebol deixou de ser a atividade principal mas não saiu completamente de cena: «Já tinha tirado o II Nível quando estava no Belenenses. Fiquei com o bichinho, sentia falta do futebol ao fim de semana e tive a primeira experiência no Nazarenos. Entretanto, concluí o III Nível de treinador.»

«Estive como adjunto do Neca nos sub-23 do Belenenses e na equipa do Sindicato, em 2019, mas entretanto só surgiram abordagens do Campeonato de Portugal, sem reais garantias. O Neca agora está como adjunto do Jorge Costa no Farense, enquanto eu espero uma oportunidade. Gostava de treinar um clube», reconhece Wilson.

O jogador que se destacou no Gil Vicente e no Belenenses não esquece uma expressão do treinador que marcou a sua carreira: «O Vítor Oliveira costumava dizer que os projetos em Portugal estão sempre na gaveta. O que há são resultados e os treinadores são avaliados semanalmente, não no final da época. Infelizmente, o futebol português é isso. Há colegas que saltam de um lado para o outro, parecem sempre os mesmos. Torna-se mais complicado para quem está de fora.»

Wilson gostava de conciliar as duas atividades – futebol e seguros – mas não perde o foco enquanto aguarda um convite e salienta as dificuldades associadas à sua área de negócio.

«Investi na minha formação na área de seguros, uma área em que o meu irmão me abriu portas. Infelizmente, os efeitos da Covid também se fazem sentir em grande escala nos seguros», reconhece, explicando: «Atualmente, trocam-se seguros por dá cá aquela palha, há muita oferta e troca-se por dois ou três euros.»

«Nesta altura, ainda por cima, as pessoas estão a fazer menos seguros. Ao ficarem em casa em teletrabalho, se tiverem dois carros, se calhar passam a andar só com um. As empresas também deixam de pagar seguros de acidentes de trabalho de tantos funcionários, porque ficam com menos pessoal. Para além disso, havia muita gente a comprar casa na Nazaré, famosa pelas ondas, havia seguros multirriscos para fazer, e agora está tudo parado», remata Wilson.

«Cheguei a um patamar de excelência no Belenenses»

Wilson Constantino Novo Estrela começou a jogar futebol no Caldas SC, dando o salto para o Gil Vicente em 1994, entre breves passagens por Olhanense e Elvas.

«Costumo dizer que percorri o país todo. O Gil Vicente marcou-me muito e o senhor Vítor Oliveira foi uma pessoa que me abriu portas e me deu a oportunidade de chegar mais além. Ficarei eternamente grato por isso», faz questão de salientar.

Ainda como jogador do Gil Vicente, Wilson recebeu o convite para representar a seleção de Angola: «O convite partiu do Carlos Alhinho e fui muito bem recebido, o meu pai jogou lá e receberam-nos de braços abertos, a mim e ao meu irmão Walter, que também disputou a CAN de 1996 na África do Sul. Foi uma experiência inolvidável.»

O defesa-central troca o Gil Vicente pelo Belenenses em 1999, já com 30 anos. «Cheguei ao Gil Vicente com 25 anos, cheguei tarde a esse patamar. Mais uma vez, foi Vítor Oliveira a levar-me para o Belenenses e ainda fiz seis temporadas ao mais alto nível. Saí aos 36, pela porta grande», frisa.

«Sinto que cheguei a um patamar de excelência no Belenenses, equipa que fez grandes épocas. Andou ali vários anos em posições superiores e, no ano em que o Benfica ficou em sexto, até ficou à frente do Benfica. Nessa altura, o Marinho Peres até dizia que eu devia estar na seleção de Portugal, que eu ia ser convocado pelo António Oliveira a par do Cabral. Ele nem sabia que eu já tinha jogado por Angola», recorda, com um sorriso.

Os adversários desconfiavam da real capacidade de Wilson. Nem muito alto, nem muito magro, com cabelo apenas nas laterais. «Tive o problema da calvície desde cedo e não rapava o cabelo. Se calhar até era bom, para enganar. Olhavam para um careca, meio gordo, e não davam muito por mim, achavam até que eu era mais velho.»

«Trabalhei muito para mim me impor e felizmente consegui. Fui sempre um defesa-central que aparecia a fazer as dobras. Fiz grandes duplas com jogadores como o Miguel, no Gil Vicente, depois com o Dinis também no Gil Vicente, no ano da subida, e sobretudo com o Filgueira no Belenenses. Sempre que vou ter com ele ao Restelo, as pessoas acarinham-nos bastante, sinto que deixámos boa imagem», diz o antigo jogador, atualmente com 51 anos.

Wilson tem orgulho numa carreira repleta de episódios de superação mas reconhece que podia ter chegado mais longe: «Sei que, quando estava no Gil Vicente, antes de chegar o Graeme Souness ao Benfica, chegaram a equacionar o meu nome. Anos mais tarde, quando o Eliseu foi para o Benfica, ele convidou-me para ir ver um jogo na Luz e, no final, o Pietra virou-se para o meu filho a dizer: ‘Olha que nós já andávamos a seguir o teu pai desde os tempos do Caldas’.»

«Não cheguei a um grande mas tenho orgulho no trajeto que fiz, ver onde comecei e até onde cheguei. Vinha de uma II Divisão, não tinha empresário mas mesmo assim fiz grandes épocas na Liga, com muita humildade, trabalho e sacrifício», conclui Wilson.