Paulo Bento: a minha síntese da parte que interessou na entrevista à RTP Informação.

1. Fernando Gomes queria o selecionador, mas alguém na direção não queria. E esse alguém terá convencido o presidente a mudar de ideias. O alguém não foi referido.

2. Depois da derrota não existiam as mesmas condições para exercer a função. Mas não foi e Paulo Bento a iniciativa de sair.

3. Afinal o que se passou no Mundial 2014 não estava devidamente enterrado. Pelo menos foi isso que Paulo Bento julgou ter percebido depois da derrota em Aveiro. A cola não era, afinal, de boa qualidade para juntar os cacos do Brasil.

4. Cristiano Ronaldo. Em resposta a uma pergunta sobre o jogador do Real Madrid, Paulo Bento disse que é nas derrotas que se conhecem as pessoas. Depois elogiou-o como jogador, mas deu Moutinho como exemplo de jogador que compreende as ideias do treinador. Na mesma frase, utilizou a palavra profissionalismo. Mais à frente reconheceu que depois de sair da FPF ainda não falou com Ronaldo.

5. Renovação da equipa. Paulo Bento entendia que a renovação seria feita durante o ciclo do apuramento para o Euro 2016. Ou seja, uns entrariam e outros saíriam, mas não necessariamente logo no primeiro jogo. Aparentemente, na FPF havia quem desejasse uma alteração de caras mais acelerada. Mais uma vez não foi dito quem.

Conclusões que tiro

Paulo Bento está convencido de que a direção da FPF influenciou Fernando Gomes a prescindir dos seus serviços. Talvez não exatamente devido à derrota com a Albânia, mais por causa da dimensão da renovação que o selecionador entendeu fazer. Ou não fazer. Diz que não acredita que entre os que influenciaram tenha estado Cristiano Ronaldo. Mas não fez qualquer esforço para que as pessoas em casa não pensassem que sim. O que disse sobre Moutinho atinge o jogador do Real Madrid e Paulo Bento está há demasiado tempo nisto para o saber. E era perfeitamente evitável. Disse-o porque queria dizê-lo. 

Tudo somado, acho que ainda ficaram coisas por esclarecer. Por exemplo, o processo que levou à ausência de Cristiano Ronaldo na lista para a Albânia. E o exato balanço que foi feito sobre o Brasil. Até agora só nos foi explicado que era preciso mudar os médicos.

No dia a seguir à saída de Paulo Bento escrevi que faltava saber o porquê. Depois da entrevista de Paulo Bento creio que podemos experimentar uma teoria, que poderá ser desmentida quando também Fernando Gomes falar. Fica a minha tese.

Paulo Bento não deixou de ter condições por causa da derrota com a Albânia. Deixou de as ter, segundo a avaliação do próprio, ao sentir que a sua convocatória (e admito que o onze) não correspondeu à expectativa. Dos adeptos, seguramente, mas sobretudo de pessoas da FPF. Claro que perder agrava sempre tudo. O selecionador terá percebido os sinais internos de desconforto e ao dizer ao presidente da FPF que não sentia as mesmas condições, abriu a porta à saída.

Se foi pelo menos parecido com isto estamos perante um lamentável equívoco.

Vou trazer José Mourinho para a conversa, só por um instante.

Na entrevista desta semana à TVI e ao Maisfutebol, às tantas o Nuno Madureira faz esta pergunta ao treinador do Chelsea: «Atendendo ao momento da seleção, e aos jogadores disponíveis, faz sentido unir esta base para uma boa qualificação no Euro 2016 ou saltar uma etapa e reconstruir uma equipa, que aponte já baterias para o Mundial 2018?» (eu próprio já me tinha questionado sobre a coisa em junho, depois da má figura no Brasil)

A resposta de Mourinho foi a seguinte: «É uma ótima pergunta, mas a resposta deve ser coletiva. Acho que não deve, nem pode, ser o novo selecionador a chegar e a ditar lei. Tem de haver um projeto de federação, completamente assumido, e que o treinador receba em mãos os objetivos definidos: o que queremos é isto. Obviamente que o selecionador tem de estar de acordo. É uma pergunta pertinente, e se calhar - se fosse convidado para ser selecionador, que não serei - era exatamente a primeira que faria ao presidente ou à estrutura federativa: quais são os objetivos? Só depois de definir claramente objetivos se podem definir as estratégias que vão levar à sua prossecução».

Ao ouvir Paulo Bento, na entrevista à RTP, não pude deixar de pensar nesta resposta de Mourinho. O que ele diz é tão claro que não entendo como pode haver espaço para equívocos.

Depois do Mundial que a seleção fez, Paulo Bento só deveria ter aceitado continuar com a certeza absoluta do caminho que a Federação desejava. Não apenas o presidente, toda a direção.

Creio que existiam três caminhos, depois do Brasil.

1. Não mexer, convocando os mesmos, mais coisa menos coisa.
2. Ir chamando uns novos e deixando de lado uns de maior idade
3. Ser mais radical e deixar apenas quatro ou cinco dos mais velhos (Rui Patrício, Coentrão, um central, Moutinho, Nani e Ronaldo) e montar uma equipa que no Mundial 2018 tivesse uma média de idades não superior a 25 anos, formada por jogadores que tivessem pelo menos 20 jogos pela seleção «A».

A acreditar no que disse Paulo Bento, uma conversa com esta franqueza não existiu. Ou se existiu, alguém não disse exatamente o que pensava. Se foi assim, como parece que foi, é de uma irresponsabilidade inacreditável. De todos os envolvidos.

Se o assunto Brasil foi fechado com base em palmadinhas nas costas e alterações no departamento médico, todos falharam. O presidente, a direção e o selecionador. Arrancaram para o Euro 2016 sentados em cima de um equívoco, o que é grave no momento atual da seleção. E incompreensível.

NOTA FINAL: em apenas dois dias, José Mourinho e Paulo Bento foram convidados a explicar que relação mantêm com o seu ex-jogador Cristiano Ronaldo. O treinador do Chelsea foi claro: nenhuma. O ex-selecionador, que não voltou a falar com CR7 desde que saiu da FPF, disse que isso ver-se-á quando voltarem a cruzar-se. Com Carlos Queiroz foi o que se sabe. Talvez seja altura de nos questionarmos se Ronaldo não tem um poder excessivo nas equipas a que pertence e qual o seu comportamento quando os objetivos não são alcançados.

(pedi a algumas pessoas no Twitter que dessem a sua opinião sobre a entrevista Paulo Bento. Eis o que ficou)

Ronaldo