Carlos Ponck teve dificuldades em adormecer. A descarga de adrenalina foi muita e deixou o defesa de olhos abertos pela noite fora. Tanto assim foi que só conseguiu dormir à tarde.

Quando acordou, ainda estremunhado, acedeu a falar com o Maisfutebol. Demorou um pouco até clarificar a voz, mas assim que o fez, contou ao nosso jornal a história futebolística de alguém que está emprestado pelo Benfica, foi herói em Chaves por uma noite e atirou o Sporting para uma crise profunda.

O destino de Carlos Ponck e dos leões entrelaçou-se. Não na Taça de Portugal, mas quando o então médio chegou a Lisboa, em 2013, vindo do Mindelo. Foi na Academia leonina que primeiramente mostrou jogo.

«Nasci e cresci no Mindelo. Vim para Portugal através do João José, um empresário cabo-verdiano que tem conhecimentos cá», contou Ponck na ligação Trás-os-Montes-Lisboa.

Com 18 anos, o arquipélago africano ficou para trás e o futuro era incerto. Abriu-se uma hipótese, porém.

«Vim sem clube e surgiu uma oportunidade para ir fazer testes ao Sporting. Estive lá um mês, um mês e pouco. Fiquei na Academia. Naquela altura andavam por lá o Podence, o Gelson, o Palhinha, o Matheus Pereira. O Ruben Semedo também estava e o Chico Geraldes também.»

Naqueles dias foi observado pelo treinador dos juniores e por outros dois mais acima na hierarquia. «Também treinei com a equipa B e cheguei a fazer uns treinos com a principal, que era orientada pelo Leonardo Jardim. Na B estava o Abel, que hoje está em Braga.»

Carlos Ponck em ação, no Minho, frente ao Sp. Braga

Uma pesquisa rápida esclarece que Ponck teve de tentar a sorte noutro lado. Disso foi informado. Era preciso ter mais alguma paciência.

«Se bem me recordo, foi em dezembro e estive umas semanas parado até que surgiu o Quarteirense, que precisava de um médio-defensivo. Fiquei até maio e depois fui para o Farense do mesmo modo: estive a fazer testes até que assinei contrato profissional.»

Ora, 65 jogos depois, nova mudança. Necessitado de dinheiro, o Farense vê no cabo-verdiano uma oportunidade para o obter e enceta conversações com o Benfica.

«Por aquilo que sei, foi de facto assim. Fui tudo muito rápido, o presidente chegou ao pé de mim, disse-me que tinha fechado negócio e que eu tinha de ir para Lisboa e para apresentar-me no Benfica. Eu nem queria acreditar!»

De clube algarvio para o da Luz, Ponck atravessa um mundo. «Cheguei ao Benfica e ali é tudo diferente. Conhecer a Luz, as instalações, o centro de estágio, treinar… Nem sabia o que me estava a acontecer!»

O cabo-verdiano fica pouco tempo. «Apareceu a oportunidade da jogar na I Liga com o Paços de Ferreira e fui. Foi uma época tranquila», recordou ao Maisfutebol.

Assim foi anunciada a chegada de Carlos Ponck ao Paços de Ferreira

«Voltei no início desta temporada à equipa B do Benfica, mas quando surgiu hipótese de jogar na Liga fui logo», acrescentou o médio, entretanto transformado em defesa central.

Em Chaves, encontra o mesmo técnico que o orientou em Paços. «Tenho um grande carinho pelo Jorge Simão, porque foi ele que apostou em mim na Liga. Esta época voltou a abrir-me as portas da Liga.»

Foi também o atual treinador do Sp. Braga que o mudou em campo. «Eu era médio. Agora digo era. Cheguei como médio, é verdade, mas aqui em Chaves temos jogadores muito bons nessa posição, como o Assis. Agora atrevo-me a dizer que me sinto defesa central.»

O jogo com o Benfica, para o campeonato, deu azo à transformação de Ponck em defesa. A lesão de Felipe Lopes frente aos encarnados deixou o Desp. Chaves com poucas opções no eixo. O cabo-verdiano demorou duas jornadas a chegar à titularidade. Depois, nunca mais a perdeu.

O primeiro passo de afirmação estava dado. Mas ainda lhe faltava algo no currículo. «Nunca tinha marcado um golo como profissional. Nem no Farense, nem no Quarteirense.» Fê-lo ao Sporting e logo com tamanha importância.

Ponck e Fábio Martins, dois jogadores que marcaram ao Sporting, um na Taça de Portugal, outro na Liga

Quando foi ao flash, Carlos Ponck admitiu que ainda não tinha percebido a relevância do que tinha feito. Um dia depois, comentou: «É um golo que elimina um grande da Taça de Portugal. Valeu as meias-finais. Mas calhou ser eu a estar ali. Podia ter estado ali outro naquela hora.»

Um golo que, como se disse, lhe retirou o sono. «Não foi fácil. Jantei com um colega meu, depois fui para casa, mas não conseguia adormecer. Treinámos de manhã e por isso só consegui dormir à tarde.»

O dia foi tranquilo, como sempre acontece na comunidade flaviense. «As pessoas aqui são muito acolhedoras. Sente-se o calor delas», garantiu Ponck, que pretende devolver o afeto com profissionalismo.

«Tenho mais três anos de contrato com o Benfica, mas o Desp. Chaves abriu-me as portas da Liga outra vez», sublinhou, para depois enaltecer algo que considera único.  

«Encontrei aqui um balneário muito porreiro, gente que se ajuda e que cria amizades fortes. A minha cabeça está única e exclusivamente no Desp. Chaves. Gosto muito do clube, das pessoas. Só encontrei um balneário destes uma vez. Não posso dizer que não tenho o sonho de voltar ao Benfica, se o merecer. Mas repito que o meu pensamento está em Chaves.»

E em Chaves continuará a história deste cabo-verdiano que nasceu no Mindelo, joga em Trás-os-Montes, mas cuja primeira experiência no futebol profissional português até passou pela academia de um leão que atirou para fora da Taça de Portugal:

«Para ser sincero, só me lembrei disso depois do jogo, quando alguns amigos me recordaram. Eu na altura do golo só queria era correr e festejar!»

E um dia depois, só queria um tempo para dormir...