DESTINO: 90's é uma nova rubrica do Maisfutebol: recupera personagens e memórias dessa década marcante do futebol. Viagens carregadas de nostalgia e saudosismo, sempre com bom humor e imagens inesquecíveis. DESTINO: 90's

Até ao início da década de 90, pensar em Trinidad e Tobago era lembrar sol, praias e toda a seiva tropical de qualquer uma das ilhas das Caraíbas. Os mais conhecedores poderiam até lembrar que foi de lá que veio a famosa Dança de Limbo. Mais do que isto, era arriscado. Ligar Trinidad e Tobago a futebol – pelo menos a futebol de qualidade – parecia, então, despropositado.

Depois, veio o nome que mudou tudo: Russell Latapy. Médio de boa qualidade técnica, projeto de jogador interessante. Aterrou em Coimbra perante desconfianças. Pouco depois trouxe dois compatriotas: Lewis e Clint. Portugal descobria talento nas Caraíbas.

Latapy foi, dos três, o que mais brilhou. «Fui o primeiro jogador de Trinidad a jogar na Europa», conta. Na altura, confessa, era o sonho de todos os que davam pontapés na bola na ilha caribenha. Mas ninguém achava muito provável que viesse a acontecer.

Nem Latapy, alias.

«Estava de férias em Toronto, no Canadá, com amigos meus que jogavam numa equipa de lá que tinha muitos portugueses. Eles convidaram-me para uns treinos e depois de um ou dois, veio ter comigo um senhor, o José Francisco, que me pediu para ficar com o meu número. Deixei o meu número mas nunca pensei que fosse mesmo acontecer alguma coisa», assume, em conversa com o Maisfutebol.

Foi, contudo, a decisão mais acertada da carreira. Latapy voltou pouco depois para o seu país, até porque se estava a disputar a qualificação para o Mundial de 90, em Itália. Confessa que até se esqueceu daquela conversa.

Mas, meses depois, o telefone tocou. Era o convite para embarcar para Portugal. «Conhecia Portugal pelo futebol. Pelo Eusébio. Sabia que Portugal tinha grandes jogadores e lá em Trinidad quem jogava à bola conhecia o Eusébio, o Simões e outros desse nível. E também conhecia os principais clubes portugueses», garante.

José Francisco trouxe Latapy para Portugal e levou-o ao FC Porto. Esteve duas semanas à experiência. «Era o FC Porto do Artur Jorge. Tinha o Rui Águias, Domingos, mas também muitos estrangeiros, como o Branco, o Geraldão. Não podiam inscrever mais estrangeiros e acabou por surgir a hipótese da Académica. Fiquei lá quatro anos e depois o FC Porto foi-me buscar», recorda.

«Com Robson dava sempre resultado»

Em Coimbra teve uma adaptação fácil. Mais fácil do que, porventura, teria em qualquer outro clube português, naquele ano de 1990. Latapy explica o motivo: «Na altura, a Académica tinha muitos jogadores que eram estudantes e como eu só falava inglês ajudaram-me muito na questão da língua.»

«O mais complicado foi o frio, porque Trinidad é um país tropical, e a comida. É engraçado porque hoje acho que a cozinha portuguesa é a melhor do mundo…», ri.

A chegada de Clint e Lewis também ajudou, claro. Mas quando foi para o FC Porto, em 1994, por indicação de Bobby Robson, já foi sozinho. Era a segunda experiência na Invicta, mas com contornos bem diferentes.

«Na primeira vez estive à experiência, ninguém me conhecia. Mas agora tinham-me vindo buscar pelo que mostrei na Académica. Sabia que ia ser difícil ser titular, mas correu bem. Estive lá dois anos e ganhei dois campeonatos. Sou portista até hoje», garante, entre risos.

Desse período guarda memórias vivas. Dos companheiros, sim, mas também do treinador. «Robson era fantástico. Aprendi muito com ele. É um senhor do futebol. Fazia coisas completamente diferentes do que eu tinha visto e dava sempre resultado», recorda.

Latapy era um dos interlocutores preferidos de Robson. A língua, novamente. «Tinha a facilidade de falar inglês e ele aproveitava para falar muito sobre os objetivos que tinha para os jogos e para mim», descreve.

Foi também Robson que lhe explicou diretamente os motivos por que ia ter menos espaço no FC Porto versão 1996/97: «Disse-me que ia trazer alguns jogadores novos para tentar fazer mais nas competições europeias. Queria jogadores mais altos e fortes no meio-campo.»

Latapy sabia do interesse do Boavista e preferiu sair. «Achei que ia jogar pouco», assume. A decisão, contudo, foi algo precipitada, reconhece o tobaguenho, quase vinte anos depois.

«Assinei pelo Boavista e uma semana depois o Bobby Robson saiu para o Barcelona. Ainda pensei que se tivesse esperado mais um tempo podia ser que o novo treinador [ndr. António Oliveira] tivesse outras ideias. Mas no futebol não pode haver arrependimentos e gostei muito do tempo que estive no Boavista, que era, e ainda é, um grande clube», completa. 

Leia também: