«Domingo à Tarde» é uma rubrica do Maisfutebol, que olha para o futebol português para lá da liga e das primeiras páginas. Do Campeonato de Portugal aos Distritais, da Taça de Portugal aos campeonatos regionais, histórias de vida e futebol.

Em Dume, Braga, mora uma equipa com um registo inigualável nos campeonatos seniores do futebol português esta época. Dos nacionais aos concelhios.

De preto e vermelho nas cores, o Dumiense Futebol Clube faz sinal verde à subida à principal divisão distrital da AF Braga, a Pró-Nacional. E com uma proeza única em Portugal até à data.

Em 2018/2019, o Dumiense é único clube sem qualquer golo sofrido fora de casa em jogos do respetivo campeonato sénior. Disputa a série A da Divisão de Honra da AF Braga. Em 22 jornadas, apenas seis golos sofridos. O registo torna-se admirável à vista, ao olhar para os jogos como visitante: dez, outras tantas vitórias, 20 golos marcados, zero sofridos.

O Maisfutebol confirmou os números e foi à procura dos heróis da proeza. Uma muralha defensiva, que tem a experiência de jogadores tarimbados naquelas divisões. Do ataque à defesa, a barreira escreve-se de Canetas (36 anos) até Saviola (39) e passa por Banana (32). Entre outros, acaba em Miguel Azevedo. Aos 42 anos, é o titular da única baliza que detém esta marca.

Antes de tudo o resto, Miguel e o Dumiense tinham noção deste registo?

«Não conhecemos todos os campeonatos a nível nacional, mas tínhamos a noção que poderia ser uma coisa única», atira o guardião, nas primeiras palavras ao nosso jornal.

À 24.ª época de sénior na carreira, Miguel voltou à casa de partida e ao clube da freguesia, no qual começou a jogar aos dez anos. O feito, admite, é «especial», mas encontra no coletivo o segredo. «Os meus colegas que estão à frente não deixam que as bolas cheguem à baliza», argumenta, com gargalhada pelo meio, sem pôr travão à paixão do futebol: os 42 anos na idade não definem tudo.

«Sabemos que a idade passa e pesa. E a pergunta surge sempre: “E para o ano, vais jogar?”. Mas uma das coisas que hei de levar sempre para o futebol é a vontade de treinar. Enquanto a tiver, vou continuar. Treino bem, faço uma vida regrada e isso ajuda», explica.

Distribuir de dia, defender à noite

Como a maioria dos clubes a nível regional, o Dumiense treina à noite para jogar ao fim-de-semana. Miguel agarra as luvas após um dia de trabalho, que arranca com o despertar «às seis da manhã» e acaba quando o serviço está concluído. Trabalha numa empresa de distribuição de carnes. «Faço as vendas e as entregas. A distribuição é até às horas que acabar, conforme o dia», detalha.

Após início no Dumiense, Miguel continuou a fazer defesas nas camadas jovens do Sp. Braga e Merelinense, onde subiu a sénior. Depois, uma carreira ligada a clubes do distrito de Braga: Maximinense, Águias da Graça, Pico de Regalados, Amares, Celeirós, Brito, Prado e Terras de Bouro. O profissionalismo nunca surgiu, mas seria difícil. «O meu tipo de trabalho foi sempre pegar cedo e largar tarde», assume.

Em campo, é raro, para quem correu as divisões distritais da AF Braga, não conhecer ou ainda não ter defrontado Miguel, um guardião «falador e bastante autoritário» para orientar os colegas em campo. Tanto que a postura de subir no terreno custou-lhe caro duas vezes recentemente. «Muita gente já sabia disso e, no ano passado, sofri dois golos quase do meio campo», relata.

Uma referência no Sp. Braga: «Quim já mostrava muita qualidade»

Miguel chegou ao Sp. Braga no escalão de infantis e ali jogou até juvenil. Acabaria por ter, como colega de posição, um futuro guardião de elite: Quim, que passou por Sp. Braga, Benfica e Desp. Aves. A qualidade do internacional português, recorda Miguel, já se acentuava por jogar acima do escalão.

«Quando fui para o Sp. Braga, o Quim já mostrava muita qualidade. Aliás, jogava sempre um ano acima da idade que tinha. Já ia às seleções jovens. E uma das coisas que me lembro é o pontapé forte que tinha nas camadas jovens», lembra.

As carreiras de Miguel e Quim divergiram, entretanto. Em comum, o terem chegado à casa dos 40 e ainda jogarem.

O «compromisso» na base dos números

A oito jornadas do fim do campeonato, o Dumiense lidera, com 57 pontos. Tem 15 de vantagem para o segundo classificado. Para Miguel, o sucesso está no «compromisso».

«Sabíamos qual era o objetivo principal do Dumiense, subir de divisão. Se me dissesse que, a oito jornadas do fim, tínhamos 15 pontos [ndr: de vantagem] para o segundo classificado, se calhar não pensava nisso», refere.

Mas é assim e Miguel admite, quanto à carreira, que «gostava de acabar no Dumiense». Afinal, é o clube da terra. Ponto de partida e chegada. Mas isso «depende do clube».

Em 2017, o Dumiense operou a criação de uma SAD, a par do Colégio João Paulo II, com o objetivo de tentar a subida de divisão e acentuar o futebol de formação. Em campo, tudo parece correr bem. Miguel destaca os colegas.

«Temos um balneário que já não encontrava há muitos anos, criou-se um grupo bom. O guarda-redes não sofre, mas muitas vezes as bolas não chegam lá. Uma palavra de apreço aos meus colegas todos».

NOTA: entre este registo, é preciso falar do Futebol Clube de Vizela. O atual líder da série A do Campeonato de Portugal é, ao lado do Dumiense, mas tendo só em conta jogos pontuáveis, outra equipa que ainda não sofreu qualquer golo fora. Apesar disso, a derrota por 1-0 com o Gil Vicente, em Barcelos, conta como oficial para o campeonato, embora não seja pontuável para a classificação, uma vez que os gilistas vão subir automaticamente à Primeira Liga, em 2019/2020.

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Artigo original: 12/03; 23h50