O dia 8 de julho de 2014 está hoje a ser visto (também) como o dia em que o futebol brasileiro decidiu (que tinha de) mudar. O dia em que os brasileiros parecem ter decidido olhar para dentro em reação ao que a sua seleção sofreu frente a um adversário de outro país; e de outro continente, da Europa. O Brasil foi goleado por 7-1 pela Alemanha nas meias-finais do Campeonato do Mundo. E isso mexeu – ou já prometeu que vai mexer – com o futebol local.

O modo como as reações, «passado o luto», como disse Romário, se têm verificado impõem essa mexida no futebol brasileiro. Mais do que o choque do pior resultado do Brasil que suplantou o mais odiado do que tudo durante 54 anos Maracanzo, os brasileiros querem olhar para a goleada do Mineirão como a tragédia que vai permitir alterar as condições de um futebol que colapsou com os números nunca antes sofridos.

Entre os históricos do futebol canarinho, Romário escreveu um texto muito crítico nas redes sociais em que inclui todos, desde a base da pirâmide até, em especial, ao topo onde estão os dirigentes. Zico também deixa poucos de fora num artigo de opinião em que «a mudança radical» passa inevitavelmente pela formação. Os textos com «lições» e «recomendações» para o futebol brasileiro foram frequentes nos media. Ao Maisfutebol, Aloísio também analisou o que aconteceu para se saber o que é preciso mudar.




«É hora de calçar as sandálias da humildade e começar do zero», escreveu Zico em «O Globo» recusando aceitar que «foi uma pane, que perder por um ou por sete é a mesma coisa». «Não dá para aceitar», assumiu a antiga estrela da década de 1980 frisando que «não dá mais para esconder que tem que mudar muita coisa».

«A seleção não fez nenhuma atuação à altura do que se espera do Brasil» e «quando enfrentasse uma seleção mais forte como a Alemanha era o que ia acontecer», avaliou Zico. Aloísio também comparou o futebol «muito frio» de uma seleção germânica «muito organizada» em oposição a um Brasil «com deficiências na organização» e que «não tinha modelo de jogo».

«Temos de pensar de forma diferente. E fazer o trabalho tático de forma diferente», considera o antigo internacional brasileiro que representou o FC Porto frisando que é preciso «exigir mais dos jogadores no que respeita à parte tática». Um exemplo do que aconteceu na meia-final foi o de os jogadores do Brasil precisarem de «saber manter as posições em campo». Aloísio sabe que a maioria dos canarinhos joga nas ligas europeias, que «são fortes taticamente», mas na seleção falta-lhes adaptação» e, por isso, «não têm rendimento».

Zico refere mesmo que o Brasil chegou ao Mundial «sem nenhum jogador como protagonista» dos clubes que representam na Europa numa geração que tem jogadores como Neymar e Thiago Silva, mas que «precisava de experiência» que não teve ao não disputar a fase de qualificação.



Em concreto, no jogo frente à Alemanha, Aloísio analisa que «a equipa não conseguiu uma reação» e que, se «os jogadores tinham de ser fortes e muito frios», o que aconteceu foi algo diferente: «Ninguém reagiu. Não se viu alguém dar uma bronca. Houve apatia.» «Isso levou a Alemanha a ver que o Brasil era m adversário frágil», diz o antigo defesa lembrando «a pressão que havia em cada jogador por ser favorito e ter de ganhar».

Zico considera que «foi tanta pressão que passaram para os jogadores que eles desmoronaram no primeiro golpe» e que «só o Neymar» se conseguiu desinibir de um clima que impede a equipa de relaxar e ser criativa. «Mesmo com potencial, o Brasil não teve futebol de ataque», diz Aloísio frisando que «isso não é trabalho de um mês, é de um ano ou dois».

«Temos que rever a formação dos nossos jogadores. Na hora de escolher na base, não há que saber quem é mais alto e forte, como os clubes têm vindo a fazer. Há que dar prioridade e trabalhar em cima de quem tem talento. A mudança tem que ser radical também dentro da entidade que comanda a seleção», resume Zico.

Romário vai de uma ponta a outra nas críticas ao futebol brasileiro. «Devemos admitir que a chuva de golos foi apenas reflexo do pânico, da incapacidade de reação dos nossos jogadores e da falta de atitude do treinador de mudar o time», analisa o antigo campeão do mundo em 1994. Mas pergunta: «Acha que isso é problema só dos jogadores ou do Felipão?» E responde: «Nem de longe». Frisando que já pediu «várias vezes uma intervenção política do Governo Federal» no futebol brasileiro, Romário aponta aos dirigentes: «Vergonha mesmo devemos sentir de ter uma das gestões de futebol mais corruptas do mundo.»

«E os clubes? Sim, eles também são responsáveis por essa crise. Gestões fraudulentas, falta de investimento na base, na formação de atletas. Grandes clubes brasileiros estão falindo afogados em dívidas bilionárias com bancos e não pagamentos de impostos», acrescenta Romário. Zico é mais cordato no papel que as instituições devem assumir: «A CBF precisa de fazer muito mais incentivando o trabalho dos clubes, descobrindo valores e ajudando a manter os talentos [no Brasil] mais tempo.»



Nos jornais brasileiros, as lições e recomendações referem, por exemplo, que «a derrota no Mineirão derruba o escudo do passado, com o qual o futebol brasileiro se protege há anos», como se lê numa análise do «UOL» tendo os germânicos como referência: «Em 2000, a Alemanha viu uma geração experimentar o total fracasso ao cair na primeira fase do Europeu, com duas derrotas em três jogos. O episódio se tornou marco para uma revolução no futebol alemão.»

Mas a mesma análise destaca que «a reforma no futebol brasileiro, a partir do Mineirazo, não pode ficar restrita a uma revolução na base de formação de atletas. O Brasil precisa formar melhores treinadores de futebol». Zico agradece aos campeões do mundo Carlos Alberto Parreira (1994) e Luis Felipe Scolari (2002), mas diz que «chegou a hora de ceder a vez». E frisa que «quem vier precisa de estar atualizado». Lembrando que Scolari e os media brasileiros passaram «metade do torneio obcecados com a propensão dos jogadores para chorar», a «Folha de São Paulo» diz, por exemplo, que «o corolário é que o Brasil necessita de um treinador estrangeiro».

«É hora de contratar um europeu. E já», é o mote da «Folha». Abaixo, fica a crítica de Romário na íntegra.