É abril e chove a mil à hora em Paços de Ferreira. Há vento, há frio, mas nenhum elemento da natureza é capaz de varrer os despojos tomados pelo emblema da Mata Real no passado fim-de-semana. 

O Futebol Clube de Paços de Ferreira já garantiu o regresso à Liga, um espaço que tem sido naturalmente seu desde o início da década de 90. 

Nada melhor, por isso, do que rumar à Capital do Móvel e falar com um homem que conhece como ninguém esse balneário. André Leão, 33 anos, médio com seis temporadas e meia de casa, executante de grande qualidade. 

Reservado mas, ao mesmo tempo, bom conversador, André Leão aproveita a entrevista ao Maisfutebol para fazer um balanço a uma carreira longa e bonita. Os dias no Paços com Rui Vitória e Paulo Fonseca, claro, e também o ano dourado de 2013, quando o seu nome andava nas primeiras páginas, falado para a Seleção Nacional e o FC Porto. 

90 minutos de perguntas e respostas, um jogo completo e cheio de ritmo na nova bancada do Paços de Ferreira, uma infraestrutura de I Liga. Cinco estrelas. 

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André Leão contra Herrera num FC Porto-Paços

Maisfutebol – O primeiro treinador a fazer do André titular indiscutível no Paços foi o Rui Vitória. Gostou de trabalhar com ele?
André Leão –
Era um treinador que dava liberdade aos jogadores, almoçava connosco, era uma pessoa muito próxima de nós. Gostei sobretudo desse lado humano do Rui. Quando ele foi para o Benfica acho que perdeu um bocadinho esse lado. Pareceu-me isso, à distância. Mas aqui era um tipo excelente, dava liberdade e exigia responsabilidade. Fomos à final da Taça da Liga e acabámos o campeonato no sétimo lugar. Foi um ano bonito para o Paços. No ano a seguir o Vitória de Guimarães veio buscar o Rui Vitória ao Paços.

MF – Mantém contacto com ele?
AL –
Infelizmente não. E até eramos muito próximos, a filha pequenina dele passava as festas do Paços ao meu colo (risos). Encontrei-o por acaso de férias em Tróia, estava a preparar a época do Benfica. Só o vi uma vez, mas estive com a esposa e as filhas. O Paços tinha esse lado fantástico, muito familiar. Perdeu-se um bocadinho com o crescimento, mas estamos a recuperá-lo.

MF – Em 2012 chega o Paulo Fonseca ao Paços. É verdade que tentou levar o André Leão para o FC Porto no ano seguinte?
AL –
Falou-se muito disso, mas acho que dependia também da saída do Fernando. O Paulo falou comigo, confirmo, mas na altura o FC Porto não lhe deu o que ele pediu. O Paulo vinha do Paços, estava a iniciar a carreira, não tinha ainda força para impor jogadores ao clube. O Lopetegui levou para aí 15 jogadores, mas o Paulo teve aquilo que o FC Porto lhe deu. Mesmo o Josué já estava no FC Porto antes do Paulo Fonseca. Eu na altura tinha 28 anos, se calhar não acharam que eu era um bom negócio (risos). Sei que o mister Fonseca gostava de mim e me quis levar com ele.

MF – Esse Paços de Ferreira do Fonseca conseguiu um histórico terceiro lugar. E jogava um futebol de grande qualidade.
AL –
Todos os jogadores sabiam onde estar, todos sabiam o que fazer. Mesmo no último jogo da época, contra o FC Porto, fizemos um grande jogo. Eles tinham de ganhar para ser campeões, na semana a seguir ao golo do Kelvin. Mesmo no túnel nós sentíamos que eles receavam o Paços. Não falavam entre eles. Lucho, Helton, todos tensos, tolhidos. Nunca tinha sentido uma equipa do Porto assim. Toda a gente sabia que esse Paços jogava muito, tinha uma qualidade brutal com a bola.

MF – Isso prova que o dinheiro não é tudo.
AL –
O mais importante é a ideia. Os jogadores adoram ter a bola, uma ideia ofensiva e bonita. No início pode custar, mas com a confiança tudo passa a ser feito quase de forma automática. E as outras equipas começam a saber que têm de ter cuidado. Nós jogávamos no Paços de Ferreira, mas sentíamo-nos superior a todos os outros. Todas as semanas o Paulo Fonseca arranjava uma nova maneira de sair a jogar pelo guarda-redes e os adversários não conseguiam contrariar isso. Ou o médio caía na linha, ou o central baixava e tocava no segundo médio, ou o lateral baixava e procurava a tabela… tínhamos várias combinações.

MF – Para esse futebol é preciso ter jogadores com qualidade técnica.
AL –
Sem dúvida. E nós tínhamos o Vítor, o Josué, o Luiz Carlos, o Hurtado. Para nós acabava por ser fácil, a bola entrava sempre em espaços interiores. E depois de entrar aí, num dos médios, o resto era fantasia. Mesmo a defender eramos fortíssimos porque nunca ficávamos desorganizados. Era uma grande equipa. O Tony maluco, o Manuel José a cruzar, enfim. Mas o mais bonito era a ideia do Paulo Fonseca.

MF – E é o Fonseca que diz publicamente, em 2013, que o melhor «6» português da Liga era o André Leão. Foi um exagero?
AL –
Acho que não (risos). No FC Porto jogava o Fernando, no Benfica estava o Javi Garcia e o Paços era o terceiro classificado. De portugueses… o Miguel Veloso na altura estava lesionado, lembro-me disso. A afirmação do Paulo não foi exagerada e até o Paulo Bento falou de mim na altura. Disse que tinha outras opções e só temos de respeitar.

MF – Ficou surpreendido quando o Fonseca afirmou isso publicamente?
AL –
Ele dizia-me isso em privado, mas em público a projeção é outra. Não estava à espera. Eu era conhecido como jogador do Paços, mas aí as pessoas começaram a olhar para mim de outra forma. A minha fotografia apareceu mais vezes e passei a ser reconhecido na rua (risos). Ainda outro dia estava num shopping e um senhor de idade abordou-me: ‘fui eu que falei de ti ao Rui Caçador quando eras júnior’. Nem sei quem era, falámos um bocadinho. O senhor disse-me que a minha carreira é bonita, mas que eu podia ter ido mais longe.

MF – Que colegas mais o marcaram ao longo da sua carreira?
AL –
Posso destacar um: o Bock. Apanhei-o no início de carreira, no Freamunde, e até foi meu padrinho de casamento. Levava-me para casa dele, conheci os filhos dele, a mulher, a sogra, ajudou-me muito no início de carreira. Dentro de campo era muito chato. Mesmo muito chato. Só era bem jogado se a bola fosse para ele (risos). Ele fazia golos de todas as formas e durante muitos anos foi o melhor marcador das camadas jovens do FC Porto. Nunca jogou na I Liga. Agora é treinador do Maia Lidador, saiu do Lixa.

MF – Mais alguém?
AL –
O Tony. Jogou comigo no Cluj e no Paços. Ajudou-me muito na altura da minha lesão na Roménia. Eu voltei lá após a lesão, tinham dado a minha casa a outro jogador e meteram-me num hotel sem condições. Sem televisão, sem internet, estava em obras… passava os dias em casa do Tony e só ia dormir ao hotel. E o Manuel José. Foi um dos meus padrinhos de casamento, é uma grande pessoa. Está a jogar no Candal, na AF Porto, e é treinador dos juniores do Gondomar. Dou-me bem com o Pedrinho, aqui no Paços, até por ser também de Freamunde. Somos próximos, ele até me telefonou na altura dos convites para o casamento dele, para saber quem havia de convidar aqui do clube (risos). E dou-me muito bem com o Luiz Carlos. Também não me posso esquecer do Ricardo, o xerife, que está agora quase a subir pelo Famalicão. Apanhei-o no Freamunde, no Paços e no Beira-Mar. É uma pessoa espetacular, sempre pronto para ajudar. Foi injustiçado aqui pelos adeptos do Paços. Esteve cá nove anos e andavam a dizer que minava o balneário. Uma coisa impossível, um tipo fantástico, trabalhador e genuíno.     

MF – Falta falar dos treinadores. Quais foram os melhores?
AL –
Começo pelo início, o senhor Andrade, que me treinou das escolinhas aos iniciados no Freamunde. O Nicolau Vaqueiro também, por ter sido o primeiro a apostar em mim nos seniores. Depois, o Rui Vitória e o Paulo Fonseca. O Rui pelo aspeto mais familiar, emocional, e o Paulo pelas ideias sobre futebol. Também posso incluir o Vítor Oliveira. Falavam-me muito dele e tinha curiosidade em conhecê-lo, em saber o que tem de especial. Não me marcou tanto como os outros, até porque já tenho 33 anos (risos).

MF – Houve algum com quem não tenha gostado de trabalhar?
AL –
Na Roménia tive um checo [Dusan Uhrin] que era só corrida, corrida, corrida. Acordávamos às seis da manhã e íamos correr em jejum dez quilómetros. Vínhamos tomar o pequeno-almoço e voltávamos a treinar. Durou lá pouco tempo, a equipa só corria, não jogava futebol. De resto… nunca ninguém me prejudicou. Com o Petit, talvez. Ele chegou ao Paços e só me tirou a mim da equipa, meteu o Mateus. Não percebi. O Vasco [Seabra] só queria jogar futebol, bola e bola. O Petit era só físico, físico. Havia uma ideia de jogo, mas limitada. Não gostei, sinceramente. Custou-me trabalhar com ele.