Ricardo Sá Pinto chegou a Varsóvia a meio de agosto passado, já com um mês de competição decorrido e com a intenção de dar ao Legia o tetracampeonato. A equipa do técnico português estava em quinto na tabela e a lutar pela permanência na Liga Europa.

No jogo de estreia, Sá Pinto caiu nas provas europeias após empatar com o Dudelange do Luxemburgo, que beneficiou do resultado da primeira mão da terceira pré-eliminatória da prova (2-2), mas desde aí que a equipa tem crescido.

19 jogos em todas as competições, 11 vitórias, seis empates e apenas duas derrotas. O Legia é segundo no campeonato, a três pontos do líder Lechia Gdansk, e está nos quartos de final da Taça da Polónia.

Ricardo Sá Pinto é, por isso, um técnico satisfeito, mas quer mais: quer os dois títulos, e acredita neles. Foi isso mesmo que disse ao Maisfutebol durante o primeiro de dois estágios em Troia que a equipa fará durante a pausa de inverno nas provas polacas.

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Que balanço faz destes primeiros meses no Legia?

Faço um balanço, muito, muito positivo. Quando cheguei a equipa estava em quinto lugar, triste, desmotivada, pouco confiante e descrente. O ambiente era de grande tristeza numa equipa que está habituada a ganhar, num clube histórico, não só em termos nacionais mas também ao nível das competições europeias. Havia um ambiente de constrangimento e infelicidade e, começar nestas circunstâncias depois da época fantástica no Standard Liège, era um risco, mas eu próprio idealizei que se saísse do Standard o projeto teria que ser ganhador, numa equipa que lutasse por lutar título, que é o caso, e por isso é que aceitei.

O risco era grande, mas neste momento o Legia é segundo e está lançado na Taça da Polónia. Acredita nos dois títulos?

Claro, acredito que vamos ganhar esses títulos, não só eu como a equipa. Mas não é fácil, existem muitas equipas com capacidade e muito competitivas, como por exemplo o Jagiellonia Bialystok que ganhou ao Rio Ave nas competições europeias, o Wisla, o Gdansk e o Lechia Poznan. São estas equipas, juntamente connosco, que são as candidatas a ganhar títulos, mas não só. Houve uma surpresa no ano passado, que foi o Arka Gdynia, que foi finalista da Taça e que ganhou ao Legia a Supertaça. Neste campeonato não é assim tão linear a supremacia destas equipas em relação às outras. Muito facilmente, de jogo a jogo, se vê a equipa que está em último a ganhar à que está em segundo. Estas são as melhores, mas o campeonato não é regular. Mais interessante são também os números dos resultados, o Jagiellonia, que ia em segundo, perdeu 0-4 com uma das últimas classificadas.

Essa competitividade dá-lhe uma maior motivação?

Não é mais motivante, teremos é de estar mais atentos e perceber. Este campeonato está muito focado em pequenos grandes detalhes. As equipas apostam muito em situações de bola parada, em cantos, em livres. Trabalham muito esse lado estratégico. Existem equipas que jogam um futebol mais vertical, mais direto e é um futebol muito mais físico, lutam muito pelos duelos, pela primeira e segunda bolas e são muito pragmáticas, procuram logo as costas do adversário para poder criar oportunidades de golo. Não são equipas de elaborar muito o jogo, naquela fase de preparação, mas na fase de construção gostam de sair a jogar – e algumas até correm alguns riscos, o que acho positivo. Correm muito e acho que é um ponto que a minha equipa pode explorar mais. Isto faz é com que nunca esteja confortável. Dominámos quase todos os jogos, mas houve sempre situações no próprio jogo em que podíamos ter sofrido numa falta de desatenção, numa bola parada, enfim.

Isso quer dizer que não se consegue sentar e que está sempre de pé, é?

Estar sentado ou em pé não é sinónimo de estar desconfortável, nem um treinador a este nível pode passar essa imagem à equipa. Se a equipa sente que o treinador não está crente, perde-se a equipa. Mas tenho a minha forma de estar. Todos me conhecem e sabem que sou uma pessoa emocional que tenta passar motivação e energia positiva para dentro de campo, mas muitas vezes vemos treinadores a dizer que é impossível falar para dentro de campo e eu não consigo perceber isso. Claro que não podemos falar a toda a hora com os jogadores, nem desconcentrá-los, mas há determinados momentos em que podemos ser interventivos e ter um papel decisivo em algumas situações, nomeadamente em correções táticas em termos defensivos, uma desatenção ou esquecimento e, além disso, temos sempre alguém que é o porta-voz, ou capitão, com quem falo e que pode, imediatamente, passar a mensagem quando estão mais cansados ou sofreram golo e aí é que é preciso ter atenção para que a equipa não se perca. Continuo a dizer que, muitas das vezes, as grandes vitórias ou os grandes insucessos são por questões individuais. É um foco que eu tenho: trabalhar muito individualmente, não só questões técnicas ou táticas, mas também mentalmente e ter os jogadores sempre muito positivos e focados.

Ter portugueses na equipa ajuda-o a passar a mensagem de forma mais clara?

Pode ser importante, mas não é decisivo para mim. Provavelmente já passei mais tempo da minha carreira a treinar no exterior do que em Portugal e tive mais dificuldades do que tive agora em termos de comunicação. Hoje em dia, na minha equipa, penso que haverá apenas um ou dois jogadores que não entendem tão bem inglês, mas vão percebendo, eu explico com calma e os colegas vão-se ajudando uns aos outros. Falamos em inglês, mas tenho um francês com quem falo também francês, outro espanhol mas que percebe através dos jogadores portugueses o nosso idioma. Por isso, em termos de comunicação o assunto está resolvido.

O certo é que já tinha o Cafú na equipa, foi buscar o André Martins mal chegou e agora tem também o Salvador Agra e o Luís Rocha. O que lhe dão os jogadores portugueses?

Sim. A vantagem que os portugueses têm é a formação de base, os princípios táticos, o jogo em si, os posicionamentos, a forma de estar em cada posição. Normalmente nós, treinadores portugueses, não divergimos muito - cada um tem o seu lado pessoal, a sua formação, o seu lado de pensar e a sua assinatura -, mas há princípios que são gerais e, portanto, os jogadores chegam já com aquilo que acho que é fundamental.

Quer o Agra quer o Luís são jovens jogadores que passaram por muitas equipas e que tiveram bons treinadores no futebol português. Percebem o jogo e facilmente percebem o que quero deles e, por isso, a adaptação vai ser mais fácil. Por isso, a relação preço/qualidade é a minha preocupação. Neste momento não somos um clube que pode comprar jogadores, somos mais vendedores do que compradores. O Agra e o Luís foram negócios vantajosos para nós naquela relação preço/qualidade, para o nosso jogo e dentro daquilo que pretendo deles. Assentam no que precisava. É uma vantagem serem portugueses, mas não tinham de ser. O importante é o perfil de jogadores que eu quero, isso é que é fundamental: a mentalidade e a forma de estar.

Serem jogadores à imagem do que o Ricardo foi enquanto jogador?

(risos) Ou próximos. Não é fácil, às vezes, encontrar exatamente como nós gostávamos, mas têm de ter a minha mentalidade, a minha dedicação, a capacidade de trabalho e a mesma paixão. Isso é fundamental. Um jogador sem paixão, sem ambição, não faz parte do perfil que eu quero. Por vezes há jogadores de muita qualidade que não encaixam dentro do perfil porque já ganharam muito e já não estão motivados. Às vezes digo que prefiro que tenham «menos talento» - tendo a qualidade e nível exigido para o nível em que estamos, - mas que quero o resto. O resto vai dar-me um jogador para 30/40 jogos, enquanto o talento só poderá dar-me cinco/dez jogos, decidir no último terço ou fazer coisas fantásticas. Só talento não é algo que me dê grande segurança, por isso prefiro este tipo de perfil e acho que eles têm. O próprio André e o Cafú, também.

O André Martins, que foi a sua primeira contratação…

Sim, e acho que foi importante para o André vir. Estava parado. Treinei-o em Alvalade e fez comigo uma época fantástica, mas quando cheguei também não jogava. Sempre teve a mesma condição física, nunca demonstrou muita agressividade e nunca foi um jogador muito intenso nas suas ações, mas sempre foi muito inteligente, muito comprometido e sempre teve muita qualidade. Às vezes estes jogadores também se superam consoante a confiança que um treinador lhes pode dar, conhecendo as suas qualidades e potencializando-as ao máximo. O André foi uma oportunidade fantástica que tive: acredito muito nele, na qualidade e acho que ainda tem muitos anos de futebol pela frente. Acredito que pode chegar novamente a outro patamar e a outro campeonato ainda mais competitivo. Seria mau para mim, mas quero sempre o melhor para os jogadores e que continuem a evoluir.

Mas não jogava no Olympiakos e no início desta época foi mesmo descartado…

Para mim era uma tristeza enorme ver que um jogador como o André não estava a jogar no Olympiakos pela qualidade que tem, pelo nível competitivo em que já tinha estado inserido e pelos 28 anos. É certo que não podemos satisfazer 30 jogadores, ser assertivos com todos eles, mas pelo menos temos de tentar e é isso que eu tento: ajudar o melhor que sei e, pelo menos, estar de consciência tranquilidade de que fiz o que pude. Mas, sim, a outra parte também tem de fazer e às vezes o contexto também dita muito na relação do treinador com o jogador.

Ainda faltam uns dias para o mercado fechar... está à espera de mais algum jogador português?

(risos) Se tiver a qualidade e o perfil que eu disse, é sempre bem-vindo. As únicas limitações nesta altura são financeiras, mas também não quero fazer uma colónia de portugueses. Tem de haver equilíbrio e temos de ter respeito também. Por exemplo, houve uma altura em Portugal que todos os clubes tinham imensos brasileiros e com isso a progressão do jogador português parou. Além disso, pelo equilíbrio do balneário e dos adeptos poderá não ser positivo. Quando se ganha está tudo bem, mas quando não se ganha tudo se coloca em causa.

O Ricardo também gosta de trabalhar com jovens, não é? No Sporting começou pelos juniores…

Exatamente e fui muito feliz. A maior parte dos jogadores são estrelas nos clubes e é algo que me orgulha. Gosto muito de trabalhar com jovens jogadores. No Atromitos pus a jogar um miúdo com 17 anos, por exemplo, mas também não tenho problema nenhum em pôr a jogar um jovem de 35 anos (risos). Não olho para as idades. Se acho que está preparado para o desafio não tenho problemas em tomar essa decisão, mas também é importante saber a política do clube, os objetivos e as necessidades. Antes de vir para um clube tenho de saber isso. É um clube que quer tirar rendimento da formação que tem.

O Legia tem bons jovens jogadores?

Sim. Neste momento estou a jogar com um guarda-redes que tem 18 anos, estava a jogar com um central de 21 que jogou contra Portugal nos sub-21, um médio-ofensivo que também tem 19 anos e joga a titular, o ala esquerdo tem 23 e vai à seleção da Hungria… é uma equipa muito jovem e faz parte do clube apostar na formação