O futebol apareceu no horizonte de Davidson como uma escapatória para a vida de rua numa das favelas do Rio de Janeiro. Começou como um sonho, sim, mas mais a idade foi passando e o jogador percebeu que podia ser mais do que um sonho.

Ainda nas «categorias de base» teve oportunidade de jogar ao lado com nomes como Neymar ou os irmãos gémeos Rafael e Fábio da Silva. Em entrevista exclusiva ao MAISFUTEBOL refere ainda que foi adversário de Philippe Coutinho.

Na primeira pessoa, o extremo de 27 anos conta como chegou a Portugal, para jogar na Covilhã, e ficou entusiasmado com a neve.

Em Portugal desde 2015, há sensivelmente três anos, tem subido paulatinamente na carreira. O Desp. Chaves significou o cumprir de um sonho, jogar na Liga, seguindo-se a mudança para Guimarães, por sugestão da sogra.

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Quando começou a jogar futebol pensava que podia ser profissional?

Comecei a jogar com seis anos. Morava numa favela conhecida como Complexo da Mangueirinha, no Rio de Janeiro. O intuito não era jogar para me tornar profissional, era para não estar na rua. Com o decorrer do tempo foram surgindo convites de clubes e, aí sim, comecei a criar a expetativa de me tornar jogador de futebol.

Apenas no processo de formação começou a acreditar nessa possibilidade…

Sim. Mais ou menos com catorze anos comecei a perceber que o futebol era uma profissão que eu podia levar a sério. Até então, quando era mais novo, não tinha ideia. Há sempre o sonho, mas sem ter a ideia de como o futebol é realmente. Foi aí que a ficha caiu e percebi que era o momento de me focar para conseguir ser jogador profissional.

No Brasil passou por vários clubes, alguns de divisões inferiores, como analisa esse percurso. Acredita que podia ter chegado mais longe?

Na formação cheguei a jogar em clubes grandes, no Fluminense e no Santos, e no Recife. Ser profissional no Brasil é muito difícil, são poucos os clubes que apostam e infelizmente não tive tantas oportunidades. Acabei por jogar em clubes de dimensões menores. É complicado porque às vezes ficamos três meses ou quatro sem jogar, mas acho que por mais que tenha sido difícil não ter tido tantas oportunidades, foi importante para o meu crescimento para hoje em dia ter consciência e respeitar os colegas de profissão.

Na formação, quando passou por clubes de maior nomeada, jogou com algum jogador que esteja agora no topo?

Joguei com alguns jogadores. No Fluminense joguei com o Rafael e o Fábio, que são gémeos e estiveram no Manchester United, joguei com o Maicon Bolt, que está agora na Turquia, joguei contra o Philippe Coutinho e cheguei a jogar com o Neymar. Já não falo muito com o Neymar, é normal, perde-se o contacto. Já foi em 2008/2009. Agora não mantenho contacto.

Veio para a Europa em 2015. Acredita que podia ter chegado mais cedo?

Tudo tem o tempo certo. Queira muito ter vindo antes, mas não se proporcionou e quando vim acho que foi no tempo certo.

Quando lhe falaram no Covilhã, da II Liga, e nas condições difíceis, na Serra da Estrela, como é que encarou essa oportunidade?

Sinceramente, não sabia que ia para o Covilhã. Tinha lá um amigo, Edmilson, e não sabia. Tinha algumas hipóteses e o Covilhã era uma delas. Disseram-me que era muito frio lá, que havia neve. De certa forma fiquei entusiasmado com a neve, um brasileiro, do Rio de Janeiro, não vê neve. Fiquei entusiasmado por isso, mas não sabia o frio que era. Foquei-me na oportunidade que tive. O Covilhã foi muito bom para mim, aprendi muito, adaptei-me muito rápido ao futebol português e consegui dar nas vistas.

Ir para o Desp. Chaves foi um passo natural? Acreditava que tinha potencialidade para chegar à Liga?

Sempre acreditei. Acredito que tenho potencial para chegar a um nível maior ainda. O Vitória é um grande clube, estou satisfeito por estar aqui, mas mesmo a nível de rendimento sei que posso melhorar. Quem não gostaria de jogar num Barcelona ou num Real Madrid? É normal. Sabia do meu potencial no Covilhã e que podia chegar à Liga. Foi mesmo o meu sonho. O sonho do jogador brasileiro é vir para a Europa e jogar nos campeonatos de topo. Sinto-me um privilegiado, entre milhões que estão no Brasil e que sonham vir para cá e chegar Liga eu consegui isso, consegui realizar um dos sonhos que tenho.

Entrou de imediato na equipa do Desp. Chaves. Isso de alguma forma surpreendeu-o?

Não fiquei surpreendido. Sabia do meu potencial e que tinha condições para isso, só que o histórico de jogadores que saem da II Liga para a Liga, a maioria é ao contrário, demora a ter oportunidades e a adaptar-se. Tive a oportunidade no momento certo, na hora certa.

O Desp. Chaves também é um clube em Trás-os-Montes, que foge um pouco ao padrão dos clubes portugueses que se concentram mais no litoral…

É muito frio também [risos]. Por um lado ir para o Covilhã foi ótimo. Saí do quente do Brasil para vir para uma zona fria, ou me adaptava e seguia em frente, ou não conseguia. Foi importante a passagem no Covilhã também por isso. Acredito que tudo tem um propósito. Depois de jogar no Covilhã em Chaves não senti muitas diferenças. Já estava adaptado ao frio.

Seguiu-se Guimarães, como está a ser a adaptação?

Está a ser muito boa, a minha esposa adora. Antes de vir para cá, ainda não havia nada com o clube, vim a Guimarães visitar a cidade e conhecer. Vim com a minha esposa, ainda com o meu filho na barriga, e nessa visita a minha esposa gostou muito. Estava com a minha sogra que me disse: genro, você podia vir para cá [risos]. Gostámos muito da cidade, é muito bonita, a adaptação está a ser boa, o povo é acolhedor, um povo que vive o futebol e tem um carinho pelo clube incrível.

Dentro das suas expetativas de subir degrau a degrau na carreira, dar o passo para o Vitória foi, de alguma forma, também o concretizar de um sonho?

Sim, claramente. Desde que cheguei a Portugal, e já não é a primeira vez que digo isso, eu vi o Vitória. Os grandes são conhecidos no Brasil, o Benfica, o Porto e o Sporting. O Vitória nem tanto, mas quando vim para Portugal vi como era o Vitória, a força dos adeptos, o clube em si, a história. Criei um carinho pelo clube. Quando cheguei aqui foi a realização de mais um sonho.