Estórias Made In é uma rubrica do Maisfutebol que aborda o percurso de jogadores e treinadores portugueses no estrangeiro. Há um português a jogar em cada canto do mundo. Este é o espaço em que relatamos as suas vivências.

Aos 36 anos, deixou a esposa e o filho e decidiu embarcar na aventura do futebol oriental. Depois de duas passagens pela Arábia Saudita como adjunto, Bruno Pereira está de momento ao serviço do Al Nahda, do Omã.

Com quase três milhões de habitantes e bem no coração do Médio Oriente, o Omã é tudo menos conhecido pelo futebol. O Maisfutebol esteve à conversa com Bruno Pereira, que hoje vive numa cidade no norte do país, na fronteira com os Emirates Árabes Unidos. As viagens aos países vizinhos são regulares e essenciais para «espairecer a cabeça» da rotina. 

Recuando ao início do século, o treinador madeirense conta como surgiu a hipótese de entrar no mundo do futebol: «Quando tinha 21 anos fui convidado para um projeto mas era demasiado longe do Funchal, e eu ainda estava a acabar a licenciatura. Estive um ano no Santana e passado um ano fui convidado para a Camacha, para ser adjunto do Leonardo Jardim. É um treinador que também estava a dar os seus primeiros passos e tive a oportunidade de apreender conhecimentos. Foi dos treinadores com que mais aprendi», começou por dizer.

Antigo pupilo do atual treinador do Mónaco, Bruno recordou um episódio da liderança firme do conterrâneo: «Já na altura mostrava a sua liderança, e os jogadores reconheciam esse carisma que hoje todos lhe reconhecem. Houve um episódio que me recordo em que dois jogadores entraram em disputa num treino. No treino seguinte, virou-se para eles e disse: «Já que estão com tanta energia, hoje passam o treino a correr à volta do campo para a ver se da próxima se acalmam», contou, entre risos.

Para o jovem treinador, o sucesso de Jardim era previsível devido à «forma como trabalhava, a atenção a todos os detalhes, o rigor, a forma como lia o jogo e como mexia nas peças nos momentos-chave»: «Evidenciava as qualidades todas e por isso esperava-se o sucesso que hoje alcançou, até foi eleito o melhor treinador português deste ano.»

Depois de alguns anos a treinar na ilha da Madeira, para Bruno Pereira seguiu-se uma experiência diferente na Arábia Saudita: «Enquanto tirava o curso de treinador, tive a oportunidade de conhecer o Vítor Campelos e criamos uma boa amizade. O Toni tinha firmado contrato com o Al Ittihad na Arábia Saudita, e o Vítor disse-me que eles procuravam alguém para a equipa técnica para a análise da equipa adversária e eu abracei o projeto.»

«Conheci outro contexto cultural, é o extremo dos extremos, tudo é mais fechado. Se bem que agora começa a abrir um pouco mais: as mulheres a começarem a poder ir aos jogos e a conduzir. Uma vez vi uma senhora com uma espécie de açaime na parte da frente da cara, chocou-me muito. Mas a nível profissional foi uma experiência positiva. O clube é dos maiores do Médio Oriente, mas agora os problemas financeiros não têm permitido estar nos patamares onde já andou», contou.

Depois de vários anos com papéis secundários, surgiu finalmente a possibilidade de se estrear à frente de uma equipa profissional: «Desde pequeno que o objetivo era ser treinador. Quando cheguei ao comando do Braga B, senti que cheguei ao lugar certo mas na hora errada. Apanhamos um ciclo bastante mau, íamos ficando sem os jogadores para a equipa principal, que se iam destacando por mérito próprio. A permanência era um dos objetivos e conseguimos isso, mas destaco principalmente a vontade e ideia de jogo, que era muito boa.»

Depois da curta experiência em Braga e de dois anos de hiato, surgiu a primeira temporada completa, na Trofa: «Durante esse período surgiram dois convites, um deles praticamente logo a seguir ao Braga, que foi no Chipre. Cheguei a ser anunciado e tudo. Procuravam um treinador jovem e recomendaram-me. A ideia era observar os dois últimos jogos da temporada e depois assinar, mas não me foi possível firmar contrato. Logo no primeiro dia durante o jantar, enquanto discutíamos detalhes do contrato, surgiram questões que não concordei e outros problemas éticos que não podia coadunar. No dia seguinte voltamos a reunir e não deu mesmo. Apanhei o avião para Portugal, até paguei do próprio bolso», reiterou.

Apesar das dificuldades, o projeto no Trofense correu dentro das expectativas: «Na altura havia uma falta de fundos gritantes, tínhamos quase 50 jogadores à experiência no início da temporada, mas montámos uma boa equipa, com alguns jogadores experientes como o Ricardo Fernandes, que ganhou a Liga dos Campeões com o Mourinho, que foram o suporte dos jogadores mais jovens. Até à última jornada podíamos qualificar-nos para a fase de subida. Falhámos por pouco, evitámos a despromoção e a vida continuou.»

Esta temporada, seguiu-se uma nova passagem no Minho, novamente curta, desta feita em Merelim. «Em cinco jogos só perdemos um. Defrontámos os principais candidatos à subida e não perdemos. Foi a primeira vez em 14 anos que fui despedido, mas acho que foi um pouco precipitado. Saí de consciência tranquila.»

Desta vez, a paragem foi curta, pois surgiu nova proposta do Oriente, no Omã: «O clube gostou de que ouviu sobre mim, peguei no avião em Outubro e o balanço, até agora, é extremamente positivo. Fomos à final da Taça da Liga, que perdemos com um golo no último minuto de forma injusta. No Campeonato só perdemos um jogo e já vamos em nove jogos seguidos sem perder. Estamos em quarto lugar a um ponto do terceiro.»

Já com duas experiências anteriores no Médio Oriente na bagageira, o choque não foi tão grande: «Culturalmente é relativamente semelhante ao que encontrei na Arábia Saudita, não houve grande choque no quotidiano. Dentro do campo, os primeiros 15 minutos dos jogos são sempre intensos, e os jogos têm tendência para partir, mas depois vai acalmando, há muitas paragens, também tem a ver com o calor que se faz sentir.»

«Aqui faz mesmo muito calor, costumam estar 41 ou 42 graus de dia. No interior uma vez já tive de vestir o casaco, algo que nunca tinha pensado mesmo. Era uma zona montanhosa e estavam uns 18 graus, não esperava mesmo vestir o casaco», brincou.

Sobre a gastronomia em Omã, Bruno Pereira prefere fugir aos pratos tradicionais: «Sempre que venho a Portugal venho bem abastecido. Trouxe muito bacalhau (risos). Vimos todos muito apetrechados, com alimentos de que sentimos falta. Raramente comemos fora de casa por isso não sentimos muitas saudades da comida portuguesa.»

Na pequena cidade de Al Buraimi, há pouco para ocupar o tempo livre, e a comitiva portuguesa recorre às viagens pelos países vizinhos para se distrair: «Nas folgas temos sempre que sair daqui, porque há pouco para fazer. Viajamos. O Dubai é a duas horas daqui, se bem que na fronteira dá alguns problemas burocráticos, mas tentamos sempre sair para espairecer a cabeça do dia-a-dia.»

«Treinamos tarde e jantamos também sempre muito tarde, e como o fuso horário aqui é diferente, acabamos sempre por nos deitar já de madrugada, quase nunca antes das quatro da manhã. Depois acordamos, almoçamos e seguimos para o centro de treinos, afinamos as agulhas para o treino e temos o nosso dia de trabalho normal. Regressamos a casa, jantamos, falamos com a nossa família e voltamos a dormir. Nunca passa disto, por isso é que saímos nas folgas sempre que podemos», confessou. 

Apesar de já arranhar árabe, a comunicação com os jogadores é, por vezes, complicada: «Já tinha aprendido o básico de árabe, o essencial para a comunicação. Para dentro de campo já faço 90% em árabe, mas não consigo dar uma palestra e muitos jogadores não compreendem muito bem inglês, o que dificulta um pouco.»

Sobre o futuro de fato de treino e quadro técnico na mão, o desejo de voltar à Europa para junto da família está sempre presente: «Está tudo em aberto, temos mais um ano de opção mas vamos esperar pelo fim do campeonato. Tenho a minha esposa e o filho em Portugal, por isso regressar também está na minha mente, é difícil estar longe», confessa.

«Gosto de projetos ambiciosos e que permitam desenvolver o meu trabalho, e se esta oportunidade surgisse em Portugal, nem sequer pestanejava e ia logo, mas prefiro concentrar-me no Al Nahda para já, e para o que resta do campeonato», rematou.

Da Camacha para o resto do Mundo, o caminho de Leonardo Jardim e Bruno Pereira há muito se separou, mas os dois madeirenses continuam em busca do mesmo: sucesso no desporto-rei. 

Artigo original: 23/04, 23h50