Estórias Made In é uma rubrica do Maisfutebol que aborda o percurso de jogadores e treinadores portugueses no estrangeiro. Há um português a jogar em cada canto do mundo. Este é o espaço em que relatamos as suas vivências. Sugestões e/ou opiniões para djmarques@mediacapital.pt e rgouveia@mediacapital.pt

A meio da semana passada, o Maisfutebol esbarra com a notícia de que Paulo Sérgio tem novo clube. O jogador de 34 anos, que já foi protagonista de um Estórias Made In, assinou pelo Bali, da Indonésia, e vai para o terceiro clube ali pelo sudeste asiático, onde está desde 2015.

Bom, bom, era encontrar alguém ainda mais batido por aquelas bandas, pensamos.

Percorremos a cábula dos portugueses pelo Mundo e paramos ali não muito longe da Indonésia.

Eduardo Almeida, 40 anos e passaporte freneticamente carimbado: Hong Kong, Tanzânia, Malásia, Hungria, Laos e, agora, Tailândia. «Estou aqui faz hoje [segunda-feira] um mês. Vim mais cedo do que era suposto. Como a equipa desceu de divisão, foi necessário reestruturar toda a equipa. Alterações de budget, procura de novos jogadores, etc. O campeonato começa no fim de semana de 11 de fevereiro e até estamos adiantados: já fechámos as contratações de jogadores locais e só faltam duas ou três posições. As condições também são boas. Temos três estádios para treinar, ginásio e hotel», conta.

Depois de ter deixado já em 2018 o Melaka United, da Liga da Malásia, o treinador português aceitou uma proposta para orientar o Ubon United, onde o objetivo passa por recolocar o clube no principal escalão do futebol tailandês nos próximos dois anos, ainda que assuma que a tarefa não vai ser fácil. «Há muitos candidatos à subida e algumas equipas fizeram uma aposta mais forte. Para esta primeira época, o objetivo é outro.»

Eduardo Almeida chegou no mês passado ao Ubon United, uma equipa com três anos de existência: «A Tailândia é talvez o país mais forte do sudeste da Tailândia em termos de futebol »

O começo da aventura ao lado de um ex-Benfica

Eduardo Almeida já está habituado a esta espécie de vida de Globetrotter desde que em 2008/09 foi adjunto do antigo jogador do Benfica José Luís no South China, em Hong Kong. «Se a Ásia já é uma paixão? Sim», dispara sem rodeios.

«Comecei a habituar-me a gostar do oriente e da forma como se vive por cá. As pessoas vivem mais o dia-a-dia, são mais descomplexadas e não estão preocupadas com o que os outros fazem ou deixam de fazer. Vivem a vida delas e eu identifico-me com isso.»

O treinador português conhece hoje uma considerável fatia do sudeste asiático, que começou a calcorrear em 2013 numa equipa chamada Persuatuan Bola Sepak Kuala Terengganu T-Team FC. «Abreviado é T-Team», simplifica Eduardo Almeida depois de fazermos das tripas coração para pronunciar o nome da equipa.

«Essa passagem foi bastante positiva. Peguei na equipa num momento difícil, em que estava na zona de despromoção. Acabei por salvar a equipa e isso deu-me um certo reconhecimento na Malásia, onde voltei cinco anos depois para treinar o Melaka United numa situação semelhante, mas também correu bem», recorda.

No T-Team (Malásia), onde esteve em 2013

Regulamentos do campeonato mudados a meio da época…

Eduardo Almeida acumula um leque vasto de episódios insólitos. Em 2015, por exemplo, treinou o Lane Xang, equipa de Vientiane (capital de Laos) com a qual falhou a conquista do título devido a contornos estranhos.

«Terminámos o campeonato com os mesmos pontos do campeão, mas perdemos o título por causa do confronto direto. Nós marcámos mais golos e sofremos menos e a nossa equipa deveria ter sido campeã, mas o critério de desempate foi alterado durante a época. Gerou-se uma guerra que meteu o presidente, eu vi que não havia ali muito futuro e acabei por sair. Hoje, o clube até já nem existe», conta.

Hoje, o trabalho de Eduardo Almeida faz com que não tenha dificuldades em arranjar emprego, sobretudo no sudeste asiático. Mas nem sempre foi assim.

Em 2009, por exemplo, o treinador português, na altura com 31 anos, candidatou-se a uma oferta de emprego que tinha sido colocada numa plataforma online chamada my best player. «Fui ao desconhecido. Nem sabia onde ficava o país», recorda.

Depois de fazer alguns esforços para confirmar as identidades das pessoas que o tinham contactado, resolveu meter-se num avião com destino a Dar Es Salaam, a maior cidade da Tanzânia, mas ainda com algumas reservas. «Olhando hoje para trás, admito que tive muito receio na altura, mas respirei de alívio quando cheguei lá e vi que tinha uma série de fotógrafos à minha espera. Afinal era tudo verdade.»

… choques civilizacionais e rituais de vodu

Ainda que garanta que todos os projetos que abraçou foram enriquecedores, o técnico português fala da Tanzânia – onde treinou o African Lyon em 2009/10 e em 2014/15 – de outra forma.

«Conheci um mundo diferente. Um país com gente muito rica e com muita pobreza. Aprendi a dar mais valor à vida. Vi pessoas que não tinham rigorosamente nada e que conseguiam ser felizes. Nós queixamo-nos de tudo e temos tudo; eles não têm nada, têm um dia-a-dia muito complicado, mas estão sempre com um sorriso nos lábios.»

Na Tanzânia, onde passou duas vezes pelo African Lyon

Cidades de 300 em 300 quilómetros sem eletricidades e construídas no meio do nada; famílias inteiras a viver em casas de barro ou de palha; gente sem cuidados de saúde e a morrer de malária. A realidade de um país com desigualdades gigantes e que os postais turísticos ignoram. «Quem tem malária, ou tem acesso a cuidados de saúde para tomar três comprimidos e curar-se ou mete-se debaixo de uma palhota à espera que Deus o salve», diz.

De todo o conhecimento que Eduardo Almeida foi acumulando ao longo dos anos – pelas passagens por inúmeros clubes de Portugal, do estrangeiro e até pela formação do Benfica – foi possível aplicar pouco ali. «Metodologia de treino e programação era tudo para esquecer. Tirando três ou quatro clubes, onde havia condições decentes, o resto das equipas treinava e jogava em ervados», recorda.

Na Tanzânia, futebol e rituais de vodu eram constantemente misturados. «Eu não assistia a tudo o que se fazia, mas uma vez fomos jogar fora e o condutor do nosso autocarro entrou no estádio e deu duas voltas à pista de atletismo de marcha-atrás. Só podíamos descer quando chegasse o senhor do vodu, caso contrário dava azar.»

A família acompanha o treinador. O filho mais novo, de um ano, nasceu na Malásia

«Tem sido mais fácil trabalhar fora do que em Portugal»

O percurso de Eduardo Almeida desde que emigrou pela primeira vez tem sido quase todo trilhado fora do país. Em Portugal nunca chegou a ter convites formais para treinar uma equipa profissional, ainda que tenha passado nos últimos anos por Pinhalnovense e Angrense, emblemas do terceiro escalão.

«Confesso que tem sido mais fácil trabalhar fora do que em Portugal e nunca tive abordagens concretas a nível profissional. Porquê? Muitas vezes reflito sobre isso com pessoas que me são próximas, mas nunca cheguei a encontrar uma resposta e parece-me cada vez mais difícil, mas sinto-me bem aqui: tenho sempre emprego e isso é pelo meu valor.»

Pela voz, percebe-se que a falta de oportunidades por cá deixaram um vazio que o técnico gostaria de preencher. «Hoje em dia já não guardo mágoa, mas gostava. Com os muitos anos que levo no futebol e a fazer algumas coisas interessantes, acho que já merecia uma oportunidade. Mas não tenho isso no topo das prioridades. Se um dia tiver de acontecer, estou pronto para isso.»

O presente, esse, passa pelo Ubon United. E no futebol, já percebeu Eduardo, é inviável traçar planos a longo prazo.

(Artigo originalmente publicado às 23:49 de 18-12-2018)

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