Estórias Made In é uma rubrica do Maisfutebol que aborda o percurso de jogadores e treinadores portugueses no estrangeiro. Há um português a jogar em cada canto do mundo. Este é o espaço em que relatamos as suas vivências.

Frederico Pereira Morais está em Sarpsborg, cidade milenar, antiga capital da Noruega, a desenvolver jogadores de topo para o clube que joga na Eliteserien, o primeiro escalão do futebol norueguês. Um jovem de trinta anos, ávido por informação que aprendeu norueguês em pouco mais de seis meses. Um jovem que cresceu a ver jogos no Bessa e nas Antas, que jogou futsal na infância com Ricardinho, que estudou em Inglaterra, estagiou no Milan e no Monaco e colaborou na formação de jogadores como André Silva, Tomás Podstawski, João Graça, Rafa Soares, Bruno Fernandes ou André Gomes. Venha daí conhecer o meteórico percurso de Frederico Morais até aos confins da Noruega.

Nascido no Porto, o primeiro contato com o futebol de Frederico foi no segundo anel do Estádio do Bessa e no velhinho Estádio das Antas. «Lembro-me de confundir o Rui Barros com o Drulović e um daqueles típicos adeptos atrás de mim gritar a corrigir-me. Era pequeno e continuei a não saber quem era quem, mas ali aprendi como era o adepto de futebol», recorda.

Na altura, o sonho do pequeno Frederico «era ser piloto de Formula 1», Michael Schumacher era um ídolo e a Ferrari uma marca que ainda hoje fascina o nosso interlocutor. Mas a verdade é que, no Porto, era mais fácil de ver futebol do que Fórmula 1 e a relação com o vizinho Boavista intensificou-se. O sonho de vir a ser treinador começou a ganhar forma, apesar da primeira referência de Frederico ter métodos peculiares. «Nas férias ia ao Bessa ver os treinos do Boavista com o Jaime Pacheco. Aí via que relação com os jogadores poderia ser diferente, ele jogava com eles, entrava de carrinho, reclamava e criticava-os como companheiro e não como líder, criava uma dinâmica bem curiosa. Via também o trabalho que o Professor António Natal fazia, mal sabia que, mais tarde, seria meu professor». Bem cedo, Frederico também percebeu que a vida de treinador não era propriamente um mar de rosas. «Uma noite na arquibancada, chuva intensa, FC Porto contra o Varzim, o treinador era o José Alberto Costa - pai de um amigo meu da escola - o Varzim perdeu por 7-0 e passado uns dias o treinador perdeu o emprego. Lembro-me de perguntarem depois, é isto que queres fazer? Perder assim o emprego facilmente? A resposta foi fácil de dar».

Antes disso, Frederico ainda tentou jogar futebol e passou pela formação do Boavista, mas cedo percebeu que o seu futuro não passava por aí. «Nunca tive a qualidade para sequer pensar nisso. Corria, muito e mal. Hoje tenho essa noção», confessou. Também tentou o futsal, mas mesmo aí a sua qualidade foi desde logo ofuscada por aquele que viria a ser o melhor do Mundo. «Joguei futsal no Miramar, porque o pavilhão de treinos era muito perto de casa. No meu primeiro treino, lembro-me que me disseram, aquele é o Ricardo Braga, já treinava e jogava com os seniores. Mais tarde vim a saber que era o Ricardinho. Tive essa sorte desde muito novo ver qual era o nível de elite».

Sem jeito com os pés, Frederico Morais recorreu à cabeça para entrar no mundo do futebol. Atirou-se aos livros e, num ápice, tirou a licenciatura em Ciências do Desporto e Educação Física, na Universidade do Porto. Ainda o curso não tinha acabado e Frederico já estava a trabalhar na Associação de Futebol do Porto. «Comecei como adjunto da seleção distrital da AF Porto, tínhamos jogadores nesse grupo como o André Silva, Tomás Podstawski, João Graça e Rafa Soares. Logo aí foi uma experiência de lidar com jogadores de elite ao nível nacional, o que foi bastante benéfico», conta.

Seguiu-se o regresso ao Boavista, num período complicado para o clube, para treinar a formação. «Foi o meu maior passo em termos de aprendizagem. Foi quando absorvi mais informação por espaço de tempo. Comecei como adjunto, do Rui Soares Tomé, que ainda hoje digo a brincar que é o melhor treinador do mundo. O Boavista estava a entrar numa fase muito complicada, onde os recursos eram mínimos. Tínhamos dificuldade para treinar por falta de luz. Treinávamos no velho Inatel, que era pelado, certas zonas nem era possível jogar quando chovia. Tínhamos de montar os exercícios à volta das piscinas de água», recorda.

É nas dificuldades que mais se cresce. Frederico Morais começou com os sub-15 e logo a seguir pegou nos sub-17 onde voltou a encontrar futuros craques em formação. «Dessas gerações saíram o Bruno Fernandes (Sporting), André Gomes (Everton), Carraça (Boavista) e Ruben Alves (Sp. Braga) que agora estão em clubes de topo. Dizia, em tom de brincadeira, trabalhamos agora para depois aproveitarmos quando chegarmos lá a cima [ao alto nível], e alguns realmente chegaram».

Ainda há poucos meses, Frederico Morais acreditou num possível reencontro com Bruno Fernandes. «O Sarpsborg 08 está agora na fase de grupos da Liga Europa, no sorteio todos queríamos que saísse uma equipa inglesa. Saiu o Arsenal e depois o Sporting e era esse grupo que queríamos. O meu sonho era ver o Bruno Fernandes aqui. Nada daria mais sentido à minha profissão do que abraçar um jogador que ajudei a formar antes de um jogo europeu. Infelizmente não foi possível, mas acontecerá no futuro. Teremos cá o Besiktas com o Pepe e o Ricardo Quaresma em dezembro, com neve, o que já será positivo», acrescenta.

Entretanto, Frederico Morais continuava a acumular informação. Inscreveu-se nos sucessivos cursos de treinadores da UEFA e teve experiências de metodologia no Milan e no Monaco. «Algo que eu achei bastante enriquecedor foi fazer parte da formação de treinadores nas escolas de futebol que o AC Milan tinha em diferentes zonas de Portugal para conhecer o contexto nacional de treinadores de norte a sul. Há zonas do país que ainda têm muito para desenvolver no futebol. Aí percebi que gostava de dar formação a treinadores, o que mais tarde vim a fazer».

«Aprendi mais no Benfica-Barcelona do que lendo muitos livros»

Nesta altura, Frederico Morais acompanhava o Barcelona como modelo. Aliás, as suas principais referências vinham todas do clube catalão que, na altura, dava cartas na Europa com o famoso «tiki-taka». «A nível profissional, as minhas referências eram o Johan Cruyff, Tito Vilanova, Guardiola e Van Gaal. Vi o Barcelona do Tito, no Estádio da Luz [em 2012, o Barça venceu com golos de Alexis Sanchez e Fabregas], e não me mexi durante noventa minutos. Aprendi mais nesse jogo do que lendo muitos livros. O jogo de posição (Juego de Posiciones) é o que eu considero ser o futuro do jogo, revejo-me nesse contexto e em quem pensa no jogo dessa maneira».

Mas Frederico Morais também tem referências nacionais. «Obviamente José Mourinho e Rui Faria, com quem tive a felicidade de ter como colega de curso UEFA Pro. Somos da mesma faculdade, discutimos e refletimos o treino e o jogo sobre uma metodologia que é única e particular. A nível académico o professor Vítor Frade, o professor Júlio Garganta e o professor António Natal. Foram grandes influências na minha formação enquanto profissional».

E como se define Frederico Morais como treinador? «Não se deve catalogar. O futuro do jogo de alto nível será a capacidade das equipas interpretarem os diferentes contextos e atuarem de acordo com a ideia coletiva e interagirem para potenciar as qualidades de cada um. Cada período, cada jogo, cada competição, cada adversário terá as suas particularidades e a capacidade de análise e tomada de decisão no “aqui e agora” será o que distinguirá as grandes equipas, das equipas vencedores. Esta é a minha reflexão diária e como o treino tem de ser planeado e operacionalizado para ir de encontro a isto».

Nova vida em Inglaterra

Em 2015, a vida de Frederico dá uma volta de 180 graus. Foi para Inglaterra dar aulas, mas ao fim de alguns meses estava outra vez intimamente ligado ao mundo do futebol a coordenar toda a formação do histórico Leyton Orient. «Estudei num colégio internacional, por isso sempre fui bilingue, fui viver para Londres e as pessoas perguntavam-me de onde era. Não tinha sotaque, então ficavam muito confusos. Trabalhei como professor de educação física numa escola em Hackney, uma das zonas mais pobres do país, e dava treinos à noite. Após alguns meses, ofereceram-me um contrato e dediquei-me exclusivamente ao futebol».

Mais uma vez, Frederico trabalhou a formação num contexto difícil, mas voltou a conseguir resultados. «A formação em Inglaterra está dividida em categorias e nós estávamos na Cat 3, que é para os clubes com menos recursos. Quase à imagem do que me lembrava do tempo do Boavista. Com essas dificuldades, conseguimos produzir jogadores que agora foram para o Norwich, Brighton, Leeds, Arsenal e West Ham. Ainda falo com jogadores que foram comprados e têm algumas saudades de casa. Os pais ainda me contatam para conversar com eles e os ajudar nesse processo. Demonstra o respeito e apreciação pelo trabalho que desenvolvemos. Agora estou noutro país e ainda me pedem conselhos».

No Leyton, Frederico encontra três jovens portugueses, entre os quais Sandro Semedo, então apontado como um jovem promissor. «O Sandro chegou a ir a uma concentração da seleção. Jogava como lateral esquerdo e, para o contexto inglês, era um jogador ideal, conseguia juntar o seu físico e técnica para resolver bastantes problemas. Ele sabia que em termos de entendimento de jogo era algo que se deveria concentrar», recorda. Sandro Semedo ainda passou por vários clubes ingleses e atualmente, com 21 anos, joga no Zimbru, na Moldávia.

Frederico Morais era o máximo responsável pela formação, mas uma série de contingências levaram-no a adjunto da equipa principal. «Foram tempos muito perturbados no clube. Tínhamos jogadores que era preciso convencer a jogar porque já tinham contractos com outros clubes para o ano seguinte e não se queriam lesionar. Jogadores como o Nicky Hunt - que jogou na Premier League - a demonstrar tudo que sabia. Permitiu-me aprender os chamados meandros do futebol, foi fabuloso».

Num jogo quente, o treinador principal, que tinha acabado de chegar, foi expulso e Frederico foi atirado às feras. «Dada essa dificuldade, decidimos então jogar com jogadores da formação, jogadores que saberíamos que dariam tudo. Aos quinze minutos, tivemos um jogador expulso. Ao intervalo o treinador, que fazia o seu primeiro jogo, também foi expulso. Foi completamente inesperado, mas tive de assumir e liderar a segunda parte. Era uma altura em que os adeptos queriam que o presidente vendesse o clube e então passaram toda a segunda parte a pedir a sua demissão. Não sofremos nenhum golo nessa parte e até conseguimos uma bola no poste», recorda.

Sapsborg: a caminho de uma fábrica de sonhos

É nesta altura que Frederico Morais recebe um convite inesperado da Noruega. «Vim a uma entrevista. Fiquei aqui três dias, um dia para apresentar o que poderia farzer a cada departamento. Aos treinadores da formação, ao staff dos seniores, ao diretor desportivo e presidente. Cada um daria o seu parecer e seria uma decisão em conjunto. É pouco usual, mas muito recompensador por me contratarem pela competência e não por alguma pessoa que conhecesse», conta.

Aprovado. Frederico Morais entrava no clube para trabalhar com a equipa principal, mas também para rever os parâmetros da formação. «A realidade é muito diferente. Algo que aprendi durante o meu percurso é estar sempre ciente das nossas ideias e ambições, mas ter a flexibilidade para convencer outros que esse caminho poderá levar a algum sucesso. Quando cheguei tínhamos um jogador na seleção. Agora tivemos dois nos Sub-21, um nos Sub-19, três nos Sub-17 e um nos Sub-15. Daí que o clube entendeu a influência que poderia ter e o meu cargo, agora, é de Top Player Developer, o que significa que para além do trabalho com os seniores, tenho uma lista de jogadores que tenho de apoiar. Criar planos de treinos, feedback e feedforward dos treinos e dos jogos, da alimentação, política de comunicação, tudo o que consideramos serem pilares para o desenvolvimento de um jogador para atingir a elite. Temos jogadores africanos que por serem demasiado novos, não podem ser inscritos, mas vêm à experiência durante largos períodos. Miúdos com uma qualidade inacreditável e um sonho. Queremos tornar esses sonhos realidade».

Entusiasmado como o novo projeto, Frederico Morais comprometeu-se, desde logo, a aprender norueguês em seis meses. «Foi um desafio. Considero o idioma interessante e hoje toda a gente já fala comigo em norueguês. Jogadores, treinadores, agentes desportivos e funcionários do clube. Compreendo tudo que dizem. Consigo responder, mas tenho a consciência que não está ao nível que desejo, por isso respondo numa mistura de inglês e norueguês. Não há qualquer dificuldade, mas continuo a ter aulas, porque quero continuar a desenvolver», conta.

«Como e treino como um jogador de elite»

A Noruega é um dos países mais desenvolvidos da Europa a todos os níveis. A criminalidade é praticamente inexistente e as desigualdades sociais mal se distinguem, com uma ligeira diferença entre os salários mais baixos e os mais elevados. Uma sociedade onde a ostentação é muito mal vista. «Neste caso o desenvolvimento social pode entrar em conflito com o sucesso desportivo. Hoje sabemos que a para atingir o topo de qualquer atividade é necessário uma vontade interior, algo que nos “puxa” e não “empurra” e uma vontade incessante para atingir o próximo nível. Aqui não há divisão social, não se consegue distinguir entre quem tem mais ou menos capacidade económica, porque a ostentação não é socialmente aceite. Na escola eles são ensinados que devem ser todos iguais e todos tratados por igual. Porém, a qualidade existe cá, como em qualquer zona do planeta. São trabalhadores, metódicos, perfecionistas, observadores, educados. Sabem perfeitamente o que distingue um treino de qualidade e uma ideia de jogo rica», conta.

Na Noruega, Frederico entregou-se ao trabalho e sobra-lhe muito pouco tempo para outras distrações. «Os treinos são de manhã com os seniores, à tarde com os juniores e à noite com os outros escalões. Tempo livre depende sempre de como encaramos a nossa profissão. Se queremos ser melhores todos os dias ou se estamos satisfeitos onde estamos. No meu caso, o tempo livre é o mínimo possível».

Ainda assim… «Foco-me muito em ver, ler e ouvir pessoas que estão no topo das suas ocupações. Os seus hábitos e o seu mindset. O que os levou a chegar lá, mas mais importante os que permiti permanecer lá. Invisto muito no meu bem-estar, em treinar e alimentar-me da mesma forma como um jogador de elite deveria fazer. Acho que o treinador deve ser um exemplo para os jogadores, em todos os aspetos». Além disso, Frederico Morais, como já fazia em criança, continua a acompanhar a Fórmula 1. «Claro, continuo à espero de ver um carro vermelho ganhar um mundial», acrescenta.

Frederico Morais é o único português a viver em Sarpsborg, pelo menos que tenha conhecimento. Uma cidade milenar [em 2016 comemorou mil anos], com história, mas nos dias de hoje é essencialmente uma cidade industrial, a 90 quilómetros de Oslo, com fábricas de polpa de fruta, celulose e zinco. «A decisão que tomei em ser profissional de futebol levou-me para longe de Portugal. Tive a felicidade de no meu percurso fazer amigos que agora estão nos Estados Unidos, Nova Zelândia e Austrália. O futuro é imprevisível e como tal não consigo dizer quando voltarei a Portugal. A família visita-me, mas hoje é mais fácil permanecer em contacto do que alguma vez foi. Sarpsborg é uma cidade pequena, industrial. Há mais portugueses na noruega e a trabalhar no futebol. Ainda agora um amigo foi para a Dinamarca e está a trabalhar no FC Copenhaga».

Quanto à comida norueguesa. «Tem algumas particularidades, curiosidades as quais adoto para viver a verdadeira experiência norueguesa. Os restaurantes são quase todos internacionais, a pizzaria, o kebab house, o irish pub. Infelizmente há apenas um ou dois restaurantes típicos, que naturalmente focam-se na fabulosa oferta de peixe que o país tem».

Depois de já ter trabalhado em Portugal, Inglaterra e Noruega, Frederico Morais tem a ambição de um dia treinar em Espanha. «Atrai-me pelas referências que mencionei. A imprensa é também muito intensa e viver nesse contexto constantemente deve ser fabuloso. Saber que ao mínimo deslize cairão sobre nós. Imagino que deva testar a capacidade do treinador ser fiel ao seu modelo, a sua personalidade», conta ainda.

O Sarpsborg, depois do sensacional terceiro lugar na época passada, apenas atrás do Rosenborg e do Molde, está a viver uma época histórica este ano, a jogar no Grupo I da Liga Europa com os turcos do Besiktas, os belgas do Genk e os vizinhos suecos do Malmö. No campeonato, a modesta equipa dos arredores da capital, está no décimo lugar e prepara-se para uma difícil visita ao campo do Molde.

«Lykke til Frederico»

Artigo original: 16/10, 23h50