*Enviado-especial ao Brasil

Uma cabeçada de Varela, no último lance da partida, permitiu evitar que, pela primeira vez no seu historial de fases finais, Portugal seja eliminado de uma grande prova ainda antes da última jornada. O empate com os EUA sublinha as fragilidades de uma equipa que, em 180 minutos, bateu recordes de lesões e deu sempre a sensação de ter fôlego curto para viver muito tempo no Brasil. Nem o golo madrugador de Nani permitiu à seleção gerir o jogo como pretendia e evitar um sofrimento prolongado.

Veja o relato do jogo ao minuto do Estados Unidos-Portugal 

Paulo Bento levou a aposta no seu grupo de confiança até às últimas consequências, e só o voo de Varela evitou que caísse com as suas ideias, num jogo em que Cristiano Ronaldo voltou a mostrar que não está em condições de justificar todo o circo mediático em seu redor, mas arrancou do nada a assistência que mantém Portugal com um ténue fio de esperança: tem de ganhar ao Gana e esperar pela derrota dos EUA com a Alemanha, com os dois resultados a anularem uma desvantagem de cinco golos. Um fio, literalmente.

Puxados para o rio Negro

Seis quilómetros a Leste de Manaus há uma atração turística chamada Encontro das Águas. Aí, as águas pretas do Rio Negro, e as barrentas do Solimões, correm lado a lado, sem se misturarem, por causa das diferenças de temperatura e velocidade. Quem for de canoa, ao longo da divisória, pode pôr a mão na água e sentir, de um lado e do outro do barco, o quente e o frio, o claro e o escuro, a calma e o turbilhão. Há seis dias a percorrer o seu rio Negro, foi essa a linha que a Seleção percorreu no tudo ou nada com os Estados Unidos, sem conseguir mais do que adiar o naufrágio.

Se Portugal tinha começado o seu Mundial oferecendo um golo à Alemanha, este segundo jogo o filme inverteu-se: aos 5 minutos, no primeiro ataque digno do nome, André Almeida e Miguel Veloso (duas das opções mais contestadas de Paulo Bento) combinaram na esquerda. Veloso cruzou de primeira, Cameron falhou clamorosamente o corte, fazendo a bola espirrar para as suas costas, onde Nani, outro mal-amado, teve o sangue-frio necessário para bater Howard por cima, assinando o seu primeiro golo em grandes competições. Portugal começava a remar para o lado das águas claras.

Não por muito tempo, porém. Obrigada a sair da prudência que o 4x5x1 desenhado por Klinsmann espelhava, a seleção dos EUA assumiu o comando e passou a criar vários problemas – o maior dos quais a liberdade de movimentos do lateral Johnson, que não era acompanhado nas subidas e deixava André Almeida em sistemática situação de 2x1.

Acabou por ser Raul Meireles a fixar-se na esquerda para tentar a secar o filão, mas pelo meio as correntes continuaram a puxar a seleção portuguesa para o lado escuro. Primeiro com a lesão de Postiga (mais uma!) aos 15 minutos, que obrigou à entrada de Éder uns bons 45 minutos mais cedo do que o previsto. Depois, com uma fase prolongada em que a equipa não conseguiu guardar a bola e se condenou a sofrer.

Os lançamentos de Bradley para Dempsey e, principalmente, os remates de fora da área iam pontuando a fase mais difícil do jogo para Portugal. É verdade que Beto deu sempre segurança, mas só aos 37 minutos, com a paragem para beber água decretado pelo argentino Pitana – uma novidade que ainda não tinha sido usada neste Mundial – a seleção voltou a ser eficaz com bola.

Na verdade, poderia mesmo ter ido para o intervalo a ganhar por 2-0, em duas ocasiões em que os remates de Nani e Éder esbarraram na atenção de Howard e também no seu poste esquerdo. Mas se esses eram sinais positivos, as queixas musculares de André Almeida anunciavam nova substituição forçada e confirmavam - se tal ainda fosse necessário - uma seleção portuguesa fisicamente presa por arames.

O barco a afundar, apesar de William

A entrada de William (notável!) deu mais solidez e critério à equipa na primeira fase de construção. Mas a adaptação de Veloso a lateral-esquerdo reacendeu a chama de Johnson, que a partir dos 5 minutos recomeçou a minar a confiança lusa com acelerações devastadoras. Numa delas, o seu passe atrasado serviu Bradley em bandeja de ouro e Ricardo Costa fez um autêntico milagre, cortando sobre a linha, com o joelho, um remate de Bradley que tinha cara, forma e feitio de golo (56 min).

Com problemas óbvios para levar jogo aos avançados, Portugal estava cada vez mais encolhido, a ser puxado para o lado escuro do rio. Mas, antes, ainda desperdiçou nova oportunidade para matar o jogo, quando Éder lançou Ronaldo e este, visivelmente sem a capacidade de explosão dos melhores dias, só conseguiu uma conclusão desequilibrada, ao lado do poste esquerdo de Howard.

Dois minutos depois, o assédio americano trazia o empate, num remate perfeito de Jones, cuja parábola deixou Beto sem reação. Começava um filme novo: o empate não servia, e Portugal tinha de assumir todas as despesas do jogo – e fê-lo, mas dando sempre a sensação de que lhe faltavam pernas e fôlego para juntar ao coração. 

E, quando o incansável Johnson ganhou a linha de fundo pela décima vez, iniciando uma sucessão de carambolas que culminou num desvio de Dempsey com a barriga (81 min) sentiu-se que, com alguma naturalidade, o Mundial português estava a chegar ao fim.

No último dos cinco minutos de desconto, já com os americanos a fazerem a festa antecipada do apuramento, Ronaldo cruzou na direita e Varela voou para o empate. Dadas as circunstâncias, pareceu mais um adiamento do que uma salvação. Mas vale, pelo menos, mais quatro dias a navegar na linha que nos separa da escuridão total.