por David Marques

Dos campeões europeus de sub-18 em 1999, na Suécia, nem todos conseguiram vingar no futebol profissional. Se jogadores como Moreira, Tonel, Ricardo Costa, Duda e Miguel tornaram-se, de certo modo, nomes incontornáveis do panorama futebolístico nacional na década seguinte, outros nunca atingiram o mesmo patamar. Pedro Miguel Marques Costa Filipe, Pepa no mundo do futebol, foi uma das jovens promessas que ficou pelo caminho. Nova geração está na Hungria para o Europeu, agora de sub-19. Olhar para a carreira de Pepa é passar por aquele mítico jogo com o Rio Ave. Mas poucos se lembram do que ele e os internacionais portugueses sub-18 conseguiram pouco depois, no verão, naquele que foi o último título europeu de Portugal em juniores.
 

Primeiro, porém, aquela tarde de sábado, 23 de janeiro de 1999, que tinha tudo para ser igual a tantas outras. Pepa estava preparado para mais um encontro de juniores. O adversário era o Alverca. Alinhou com os restantes companheiros para escutar a palestra de Fernando Chalana. O antigo «Pequeno Genial» lançou os nomes dos jogadores convocados. O goleador das camadas jovens do Benfica entrou em choque ao saber que não fazia parte da lista. «Fiquei assustado. Comecei logo a pensar que podia ter feito algo errado. Foi aí que eu soube que estava convocado para o jogo dos seniores, que era à noite», conta Pepa em conversa com o Maisfutebol, antes de se lançar sobre o Campeonato da Europa que conquistou com a camisola de Portugal.

Segundo do canto inferior direito. Durante uma digressão da formação do Benfica a Itália

Antes da hora marcada para a concentração dos jogadores, o ponta-de-lança de 18 anos percorreu, de mochila às costas, os 500 metros que separavam o centro de estágio da entrada que dava acesso aos balneários, já dentro do estádio. Passou despercebido. «Algumas pessoas acompanhavam os juniores e já me conheciam, mas quase ninguém falou comigo nesse percurso. Deviam pensar que eu era apanha-bolas.»

O golo que teve um sabor amargo

Pepa viu quase todo o jogo do banco de suplentes. O Benfica vencia com sofrimento o Rio Ave por 2-1, já perto do final do encontro, quando um apanha-bolas lhe disse que estava a ser chamado para entrar em campo. O rapaz que devia o nome de futebolista ao facto de beber muita Pepsi na infância estava prestes a cumprir o sonho de uma vida: alinhar pelos seniores do Benfica num jogo oficial. Logo ele que, por influência do pai, até era do Sporting até aos 13 anos, altura em que chegou ao clube da Luz.

Pepa estava em campo há menos de um minuto quando a bola lhe foi endossada por João Pinto. O Maisfutebol passa-lhe, agora, a bola. A anatomia de um golo entregue ao seu autor.

«É impossível não me lembrar disso. Entrei para o lugar do Nuno Gomes, que era um dos meus ídolos desde que ele jogava nos juniores do Boavista. Pouco depois, o João Pinto recebe a bola do Hugo Leal. Entretanto, ele mete em mim. Estou com os apoios direcionados para a baliza e assim torna-se mais fácil ganhar a frente aos defesas. A receção foi meio caminho andado para ficar logo direcionado para a baliza. Dois adversários ainda tentam atrapalhar-me, mas eu consigo desviar a bola para dentro e enquadro-me com a baliza. O Tó Luís [guarda-redes do Rio Ave] sai para encher a baliza e deixa-me com pouco ângulo. Só deu para dar de bico, mas a bola entrou rasteira junto ao poste esquerdo.»

No dia seguinte, Pepa era manchete em todos os desportivos. «Pólvora», titulava A Bola. Mais de 15 anos depois, o agora treinador reconhece que o mediatismo da época o deslumbrou. «Eu era o melhor marcador da formação e começaram a surgir comparações. Cheguei a ler num jornal que um golo daqueles só estava ao alcance de jogadores como o Eusébio ou o Pelé. Se eu não tivesse feito aquele golo...»

Uma seleção ignorada que «parecia a Itália»

No verão desse ano, o jogador dos encarnados foi convocado para o Campeonato da Europa de sub-18 [agora sub-19]. «Ninguém dava nada por nós, até porque dois anos antes tínhamos falhado o apuramento para o Europeu de sub-16, que a geração anterior tinha ganho», conta Pepa, que recorda um grupo determinado em contrariar um estigma construído em torno daquela seleção. «Éramos considerados patinhos feios, mas isso deu-nos uma força enorme. Fomos para a Suécia com espírito guerreiro. O campeonato só tinha quatro jogos e acreditávamos que podíamos chegar ao título.»

Pepa foi titular em dois jogos do Europeu. Confessa nunca ter rendido nas seleções jovens o mesmo que na formação do Benfica. Mas, na final contra Itália tudo foi diferente. Fez a assistência para o único golo do jogo, apontado aos 32 minutos por João Paulo, e foi eleito o melhor jogador em campo. «Fui decisivo no jogo mais importante. Senti-me solto e confiante, mas sofremos muito. Jogámos muito tempo com dez [expulsão de Semedo aos 63 minutos]. Parecíamos a Itália, sempre a defender e a sair em contra-ataques venenosos.»

O princípio do fim

Pepa regressou ao Benfica com a medalha de campeão europeu ao pescoço, mas, a meio da temporada seguinte, foi emprestado aos belgas do Lierse, situação que o ex-jogador lamenta. «Eu andei um ou dois anos deslumbrado, a pensar que era eu e mais dez. Confesso que cometi alguns excessos. A ideia que as pessoas tinham de mim era a de um jogador que gastava na noite o que ganhava. Mas sinto que fui de castigo para a Bélgica. Não me parece que essa seja a melhor forma de se acompanhar um jovem. Se quisessem proteger o activo, emprestavam-me a um clube da II ou da I Liga e tentavam acompanhá-lo de forma diferente.»


Em 2001/02, na segunda passagem pelo Benfica após o regresso da Bélgica


Na Bélgica, onde esteve um ano e meio, começou o calvário de lesões. Partiu a clavícula e contraiu uma pubalgia que, já em Portugal, se tornou crónica. Em 2002, transferiu-se para o Varzim. «Acabei a época a anti-inflamatórios dia sim, dia não. Depois, parti o braço, tive um tumor no pé e depois ainda parti o pé.»

A carreira de Pepa terminou precocemente, aos 26 anos, depois de quatro operações para debelar uma grave lesão contraída no joelho esquerdo. «Tive de abdicar de um sonho, mas não dava mais. Ainda hoje, quando jogo futsal tenho dores horríveis e o joelho fica logo inchado.»

O recomeço

Depois de arrumar as botas, Pepa fez um curso de informática, terminou o 12.º ano e investiu na formação de treinador. Começou no Sacavenense, foi adjunto no Tondela, fez parte da formação do Benfica e vai agora, aos 33 anos, para a segunda temporada no comando técnico da AD Sanjoanense, clube que subiu este ano ao campeonato nacional de seniores. «Quero tornar-me um treinador melhor do que fui enquanto jogador.»


No comando técnico da AD Sanjoanense

Sobre a atual formação em Portugal, Pepa considera que, apesar da ausência de títulos, há qualidade e lamenta que os clubes não deem seguimento nos seniores à aposta feita ao nível dos escalões base. «Esta geração e as que passaram são muito boas. Não ganhámos nenhum título nos últimos anos, mas convém não esquecermos que, entretanto, seleções como Espanha tiveram as melhores gerações de sempre. O trabalho tem sido bem feito na Federação, mas quase que é preciso haver um desastre para que os clubes se apercebam de que vale a pena apostar na formação. Não há continuidade», observa o antigo jogador, lembrando o exemplo da seleção de sub-20, vice-campeã do mundo em 2011. «Naquele grupo, havia quatro ou cinco jogadores de bom nível e a verdade é que nenhum foi aproveitado. Entristece-me que se continue a dar mais valor a quem vem de fora do que aos nossos jovens, que têm tanta ou mais qualidade do que alguns.»

Portugal estreia-se no Campeonato da Europa de sub-19 sábado (19/07) às 17h30 frente à seleção de Israel.

* Todas as fotos pertencem ao arquivo pessoal de Pepa