Genes cabo-verdianos no futebol transmontano. ADN africano numa equipa de futebol bragantina. Alegria desconcertante e poder físico incomum misturados com organização arreigada e honestidade fundamentalista.

Este é o mundo fantástico da Associação dos Estudantes Africanos de Bragança. Líder da Divisão de Honra distrital, projeto único e assente na aglutinação de vontades coincidentes. «Futebol, cachupa e mornas», é tudo o que passa pela alma de um plantel «de artistas».

Vítor Reis, nado e criado em Bragança, é o treinador. Lidera um grupo «quase exclusivamente» originário de Cabo Verde. As exceções são quatro portugueses e um são-tomense. Ao Maisfutebol confessa a «surpresa» por liderar um grupo com estas características no Norte de Portugal.

«Apareceram-me no meu sítio de trabalho e convidaram-me. São rapazes formidáveis, cheios de vida, mas precisavam e precisam de disciplina e organização. O resto eles têm: talento e força», diz, ainda deitado numa cama de hospital, a recuperar de uma cirurgia a uma hérnia inguinal.

Há nove anos em Cabo Verde, Óscar Monteiro já fala com um ligeiro sotaque transmontano. É um dos mais experientes da equipa. Avançado, dirigente e fundador, um faz-tudo dedicado e apaixonado pela causa.

A ideia fervilhava-lhe na cabeça. No último verão passou da intenção à ação. Nasceu assim a AEAB/IPB FC. «Queria trazer um bocadinho do sal cabo-verdiano para Bragança e a equipa de futebol foi o último passo nesse sentido», conta Óscar Monteiro.

«A ideia é integrar os cabo-verdianos na comunidade brigantina. Não queremos segregar ninguém, nem queremos ser uma caixa fechada», avisa de pronto. Aproximar a equipa da cidade e a cidade da equipa. O primeiro lugar no campeonato é o mote galanteador.

50 bragantinos numa festa com cachupa

A harmonia entre as partes é «total». Nem sempre foi assim, porém. No início do século, Bragança era uma cidade estranha à entrada dos estudantes de outros países. Óscar Monteiro exemplifica com o seu próprio percurso de vida.

«Quando cheguei a Bragança, há nove anos, tentei alugar um quarto. Falei com vários senhorios por telefone, combinava uma hora para ir ver o quarto e quando lá chegava, olhavam para a minha cara, viam que era negro, e diziam que estava arrendado. Isso foi algo que me marcou».

Tudo mudou para melhor. «As pessoas de Bragança gostam de nós e nós gostamos de Bragança. Estou cá há nove anos e quando acabar o curso quero ficar cá. Eu e muitos dos meus colegas», acrescenta Óscar Monteiro, um dos maiores impulsionadores deste projeto.

Racismo é palavra proibida. E desadequada. Dentro e fora do futebol, assegura Óscar Monteiro. «No campo não há racismo nem nunca sofremos nenhum tipo de ataques. Já jogávamos futebol no Distrital de Bragança, em outras equipas, e toda a gente nos conhece», sublinha.

Há, isso sim, um entusiasmo «enorme» das pessoas da cidade e dos estudantes do Politécnico pela carreira imprevista desta equipa-sensação.

«No domingo, por exemplo, no fim do jogo com o Argozelo, fizemos um grande jantar de cachupa. Convidámos os jogadores, os treinadores e cerca de 50 adeptos do adversário. Fizemos uma grande festa».



Futebol, cachupa e mornas: os genes africanos da AEAB/IPB FC lideram o distrital de Bragança.