A 'World Cup Experts Network' reúne órgãos de comunicação social de vários pontos do planeta para lhe apresentar a melhor informação sobre as 32 seleções que vão disputar o Campeonato do Mundo. O Maisfutebol representa Portugal nesta iniciativa do prestigiado jornal Guardian. Leia os perfis completos das seleções que participarão no torneio:

Autor dos textos: Ben Mabley 
Parceiro oficial no Japão: J Sports
Revisão: Filipe Caetano


A grande motivação dos quatro anos de reinado de Alberto Zaccheroni à frente dos Samurais azuis é conquistar espaço no palco mundial pelos seus próprios meios. Depois ter garantido o apuramento para o Mundial da África do Sul em junho de 2009, o treinador anterior, Takeshi Okada, percebeu que os opositores de um nível mais elevado do que aqueles que encontrou nas eliminatórias asiáticas tinham poucos problemas em explorar o muito espaço aberto entre os médios criativos e os capazes mas muito lentos defesas-centrais japoneses.

As derrotas embaraçosas nos amigáveis com a Holanda, a Sérvia e a Coreia do Sul levaram a alterações táticas de urgência em vésperas de Campeonato do Mundo, com Yuki Abe a ser chamado como médio defensivo extra e Keisuke Honda deslocado para falso número nove perante a inexistência de avançados de raiz. A mudança foi um sucesso e permitiu o apuramento para os oitavos-de-final.

Apostar num italiano como seu sucessor, porém, não indica que o Japão vai persistir numa abordagem conservadora. Zaccheroni fez uma limpeza na velha guarda, recuperou o 4x2x3x1 e procurou montar uma nova equipa em redor dos jovens médios ofensivos e dos laterais que começam a mostrar valor no futebol europeu. A Taça da Ásia de 2011 já mostrou um Japão a crescer, mas «Zac Japan» guardou sempre as suas melhores exibições para os desafios com opositores de alto nível, mesmo que apresentasse dificuldades em ultrapassar equipas do seu continente sem problemas em estacionar o autocarro à frente da baliza.

O 24º homem em 2010, Shinji Kagawa, tornou-se rapidamente num jogador fundamental para Zaccheroni, mas apesar de ter conquistado a camisola 10 na seleção, o jogador do Manchester United nem sempre conseguiu assumir a liderança no meio-campo. O grande dínamo acaba por ser Honda, que através da sua atitude exigente, postura e consistência - pelo menos com a camisola do Japão - é o maestro ideal devido à sua velocidade e jogo ofensivo fluido. Nos últimos dois anos Honda tem vindo a propiciar uma ligação mais efetiva com os dois médios defensivos, enquanto Kagawa e o terceiro médio ofensivo aparecem no meio para rematar e triangular passes. Isto permite que Yuto Nagatomo e Atsuto Uchida sujam na frente pelas laterais a partir da defesa, com Honda a surgir muitas vezes em zona de remate junto à marca de grande penalidade.

Ironicamente, a maior fragilidade japonesa surge na defesa e particularmente ao centro. Na última Taça das Confederações os Samurais azuis dominaram a Itália durante 70 minutos, mas sofreram quatro golos nos últimos 20, perdendo 4-3, para além de terem sofrido derrotas marcantes com o Brasil e México, em que os seus avançados não conseguiram brilhar.

A maior crítica a Zaccheroni é a relutância em testar novas táticas ou novos jogadores. No entanto, a Taça da Ásia de 2013 obrigou o treinador a escolher jogadores que atuam na liga japonesa. Na lista de 23 para o Mundial figuram seis atletas que se estrearam na seleção durante a fase de apuramento, incluindo o defesa de 26 anos do FC Tokyo Masato Morishige, assim como os avançados Yoichiro Kakitani e Yuya Osako. Kakitani marcou o golo da vitória sobre a Bélgica (3-2) em novembro, mas foi Osako, agora no Munique 1860, a ganhar destaque com um golo e uma assistência para Honda no empate com a Holanda (2-2)

A estreia mais significativa, porém, é a do médio Hotaru Yamaguchi, do Cerezo Osaka, um dos elementos da seleção sub-23 que terminou em quarto lugar nos Jogos Olímpicos de 2012. Durante a digressão da seleção principal pela Europa no Outono destacou-se pela capacidade de recuperar bolas e pela coesão do passe, facilitando a vida aos veteranos Makoto Hasebe e Yasuhito Endo. Isto abre a possibilidade dos dois terem de disputar o lugar ao lado de Yamaguchi.

Hiroshi Kiyotak, do Nuremberga, é normalmente escolhido para ocupar o lado direto do meio-campo, mas Shinji Okazaki tem vindo a brilhar desde que passou a jogar no Mainz e pode vir mesmo a ser titular no Brasil. O guarda-redes Eiji Kawashima (Standard Liège) deverá tirar o lugar a Shusaku Nishikawa, dos Urawa Reds.


Que jogador vai surpreender neste Mundial?
O Japão pode não ter um marcador de golos, mas isso não quer dizer que precise realmente de um desde que o avançado facilite o aparecimento de jogadores que apareçam detrás. Como demonstrou contra a Holanda, Yuya Osako pode desempenhar essa função, combinando com Honda, Kagawa e Okazaki. A mudança para a segunda divisão alemã seis meses antes do Mundial pareceu arriscada, mas Osako tem vindo a jogar com regularidade no Munique 1860, onde marcou seis golos em apenas 15 jogos.

Que jogador vai dececionar no Brasil?
As dúvidas sobre a defesa são muitas, pelo que se este setor implodir não será propriamente uma desilusão. Como um colega disse recentemente, Honda é um daqueles jogadores que se lesionar fará grande mossa na equipa, mas talvez porque é normalmente muito consistente o destino do Japão poderá estar mais dependente de Shinji Kagawa. É muito importante que o ex-jogador do Borussia Dortmund esteja confiante e o jogo de Honda poderá tornar-se inútil se Kagawa não ultrapassar a má época que teve no Manchester United.

Qual é a expetativa real para a seleção no Mundial?
Fazer um pouco melhor do que em 2010 na África do Sul e alcançar os quartos-de-final. Com Zaccheroni o Japão já não compromete as suas possibilidades atacantes como fez há quatro anos, como demonstrou nos últimos doze meses frente à Holanda e à Bélgica, assim como contra a Argentina e França numa fase anterior. No entanto, já revelou que pode capitular defensivamente contra basicamente qualquer adversário, por isso será vital para o Japão atacar muito no início dos jogos e manter a pressão até ao fim. Será, de qualquer forma, um grupo muito equilibrado com Costa do Marfim, Grécia e Colômbia, mas se conseguirem ultrapassar estes adversários terão pela frente a Inglaterra ou a Itália.



Curiosidades e segredos da seleção

Masahiko Inoha
Após a estreia na liga japonesa em 2006, Masahiko Inoha tornou-se rapidamente famoso não tanto pelas suas habilidades futebolísticas mas pela sua obsessão com gelados. Anuncia orgulhosamente que come três por dia e está sempre pronto a oferecer mais aos colegas e dirigentes. O seu estatuto como um dos favoritos do treinador foi algo diminuído durante os seis meses que jogou no Hajduk Split.

Toshihiro Aoyama
Do bom trabalho defensivo aos passes longos, passando pelo bom aspeto e sentido de humor singular, Toshihiro Aoyama tem de tudo. A sua disponibilidade para brincar com os fãs no twitter levou-o a tatuar uma hashtag no peito, com o momento a ser partilhado nas redes sociais. Em 2012 chegou a criar sensação no youtube com um golo fantástico e na celebração levou os colegas a simular que eram pinos de bowling.

Eiji Kawashima
Kawashima cedo percebeu que para se fazer notar seria importante saber falar inglês fluentemente e por isso estudou com afinco a língua. As experiências que teve no Parma e na Udinese levaram-no a aprender italiano. O intérprete de português no ex-clube de Eiji, o Kawasaki Frontale, revelou que ele não tinha problemas em conversar com os colegas brasileiros e após quatro anos a jogar na Bélgica dá entrevistas num francês fluente. Curiosamente, o seu inglês tem agora uma espécie de sotaque francófono, o que lhe dá alguma classe.

Hiroshi Kiyotake
Três meses depois da primeira internacionalização, Hiroshi Kiyotake festejou o 22º aniversário de forma glamorosa viajando do Tajiquistão para a Coreia do Norte para participar no jogo de apuramento para o Mundial. A primeira visita dos Samurais Azuis a Pyongyang desde 1989 foi uma espécie de regresso ao passado, recheado de uniformes ao estilo da Guerra Fria, propaganda e grandes coreografias anti-japonesas. Uma viagem inesquecível.


Perfil de uma figura da seleção: Shinji Kagawa



Nascido em Kobe em 1989, Kagawa faz parte da primeira geração de rapazes japoneses para quem é relativamente natural sonhar com a carreira de futebolista profissional. Aos dez anos teve a oportunidade de demonstrar os seus atributos no FC Miyagi Barcelona, um clube sem ligação aos catalães, mas que promove a arte do drible. Foi a primeira afirmação pública da sua ambição e 18 meses depois deixou a casa dos seus pais para apostar tudo na carreira. Permaneceria no clube até alcançar o liceu.

Em setembro de 2005, aos 16 anos, Kagawa foi selecionado para a equipa sub-18 de Tohoku para jogar a Taça Sendai, um prestigiado torneio de futebol jovem que revelou figuras como Oscar, Yann M’Vila e Alexandre Pato. Após derrotas com o Brasil de Lucas Leiva e a Croácia de Nikola Kalinic, a equipa regional defrontou os sub-18 do Japão e Kagawa brilhou, ultrapassando os agora seus colegas Maya Yoshida e Atsuto Uchida, com o envolvimento em três golos da vitória por 5-2.

Em dezembro do mesmo ano o clube Cerezo Osaka assegura a sua contratação. A primeira época foi difícil e serviu basicamente para trabalhar o fortalecimento físico e rapidez no toque de bola. 2007 foi a época de afirmação já com o brasileiro Levir Culpi como treinador. O camisola 26, então com 18 anos, aproveitou todas as oportunidades e marcou cinco golos. Na época seguinte já foram 16 e quando herdou a famosa camisa 8 de Hiroaki Morishima, em 2009, chegou aos 27 golos e 13 assistências. Bastaram sete golos nos 11 jogos da temporada seguinte para suscitar o interesse do Borussia Dortmund.

A mudança para Inglaterra ainda não produziu resultados, mas por muito que tenha sofrido na era David Moyes no Manchester United, Kagawa só tem de pensar nas suas raízes e em todos os seus outros treinadores (até Jurgen Klopp) para se recordar que ainda é um dos jogadores mais especiais da história do futebol japonês.