Greg Garza volta sempre a Portugal e um dia quer voltar de vez. O lateral-esquerdo norte-americano correu mundo desde que chegou adolescente a Alcochete e foi bicampeão de juniores pelo Sporting. Passaram oito anos e Greg acaba de conquistar o maior título da sua carreira, campeão da MLS com o Atlanta United, ao fim de menos de dois anos de existência do clube. Aos 27 anos, o internacional norte-americano já vai partir para novo desafio e é nesse intervalo que fala com o Maisfutebol. Em português fluente, com sotaque do Brasil.

Fala sobre as passagens pelo Sporting e pelo Estoril e sobre a forma como um clube que começou do zero chegou ao topo do futebol americano em tão pouco tempo e criou uma enorme onda de entusiasmo entre os adeptos, com 70 mil nas bancadas a ver o jogo e um espírito que, diz, simboliza o melhor da América. Diz-se um «cigano do futebol» e volta a mudar de clube, à espera de «voltar a dar sorte». E sonha viver no Estoril ou em Lisboa depois de terminar a carreira. Para poder sentar-se num café «a ver as pessoas passar na rua».

Greg chegou ao Sporting em 2008. «Fui campeão de juniores dois anos seguidos, em 2009 e 2010. Daí saí para o Estoril, onde estive um ano, depois tive a oportunidade de ir para o México. Portugal foi uma das melhores épocas da minha vida. Um dia quando me retirar quero ir para Portugal», atira logo a abrir.

Antes, tinha deixado os Estados Unidos ainda menino, para rumar ao Brasil. Uma opção pouco comum, mas que teve o apoio da família. «Fui para o Brasil com 12 anos. Tinha um treinador que tinha treinado no São Paulo e levou-me. Fui com a minha mãe. Ela foi comigo para me ajudar a aproveitar a oportunidade de tentar cumprir o meu sonho, ser jogador profissional de futebol.»

Ainda voltou aos Estados Unidos e ao seu Texas natal, para a formação do Dallas Texans. E foi daí que acabou por rumar a Portugal, depois de ter chamado a atenção de olheiros de dois clubes portugueses. «Joguei pelos Estados Unidos no Mundial sub-17 na Coreia do Sul, em 2007. O Sporting e o Benfica viram-me jogar, fui fazer testes e fiquei no Sporting.»

«Foi muito bom. As minhas melhores recordações da vida e do futebol foram em Portugal. Foi lá que aprendi a ser o jogador que sou hoje», recorda. Portugal mudou-lhe a vida, continua a explicar: «Foi o lugar onde me casei – a minha esposa é brasileira. Foi o sítio onde cheguei um menino e me tornei homem. Vou levar sempre essa memória o resto da vida.» A ligação mantém-se até hoje: «Nas férias tentamos sempre ir aí. A última vez que fomos foi talvez há dois anos.»

Essa equipa do Sporting foi campeã de juniores nos dois anos em que Greg lá jogou. Tinha jogadores como Cédric Soares, Nuno Reis, Renato Neto, no segundo ano William. Greg não ficou no plantel, mas também não ficaram muitos dos jogadores dessa equipa. «Eu tinha contrato de três anos e mais três. Nessa época estava a mudar o treinador, foi quando saiu o Paulo Bento. O novo diretor era o Costinha, que não quis contar comigo como sénior. Acho que dessa equipa ficou só o Cédric Soares e o Renato Neto, mais dois ou três emprestados.»

Desses tempos ficaram algumas amizades. «Mantenho contacto com vários jogadores, o Cédric e não só. Também com o Alex Zahavi e com o pai, ele era americano e ajudou-me muito no início. O Renato Neto também, que está na Bélgica. Vou mantendo contacto com alguns, pelo menos nas redes sociais estamos sempre em contacto.»

Greg deixou Alvalade e rumou ao Estoril, na II Liga. Mas fez apenas quatro jogos nessa temporada 2010/11. «No Estoril era o meu primeiro ano de sénior, não tive grande oportunidade para poder fazer o que achava que podia fazer. Tive oportunidade de renovar por dois anos, mas decidi tentar algo novo. Não quis desistir do sonho de ser jogador profissional na Europa. Mas surgiu a oportunidade no México e fui, para o Club Tijuana. Foi uma grande mudança, porque o meu sonho era jogar ao mais alto nível na Europa. No meu pensamento estava que podia ser um passo atrás. Mas tudo acontece porque tem de acontecer, e com a minha ida para o México surgiram mais oportunidades.»

Começar uma equipa do zero e pelo meio fazer de tradutor

Surgiu a oportunidade de chegar à MLS, numa equipa que estava a estrear-se no campeonato. «Em 2015 tive uma lesão muito complicada na anca, estive muito tempo parado. No México, ao fim de quase seis anos, parecia que o meu tempo estava a chegar ao fim. E então surgiu a oportunidade de ir para Atlanta, de poder jogar na MLS. Fui emprestado para Atlanta, no primeiro ano. Correu muito bem, entrei na equipa All Star da MLS no primeiro ano, ajudei o Atlanta a chegar aos play-off. Este ano foi mais lindo ainda.»

Chegar a um clube que está a começar do zero é uma experiência única, conta, ele que foi tradutor improvisado do treinador, o argentino Tata Martino. «São 27, 28 jogadores completamente novos, ninguém se conhecia. De muitos lugares diferentes, de muitas culturas diferentes. Falava-se talvez 7 ou 8 línguas diferentes. Com um treinador que não fala inglês. Eu tive que ser o tradutor… Traduzia de espanhol para inglês, o que fosse preciso», sorri.

«Foi complicado, mas pela química que tivemos em campo e pelo talento conseguimos ter sucesso. O dono e os dirigentes sabiam o que estavam a fazer e quem estavam a contratar. O clube investiu muito dinheiro no centro de treinos e no estádio, o mais caro do mundo, e deu condições para que funcionasse uma equipa com jogadores que vinham do Paraguai, Venezuela, Argentina, Chile, Estados Unidos, Irlanda, Trindade e Tobago», continua: «Ao vermos que o projeto estava a ter bom investimento, todos sabíamos que com o talento e a química íamos conseguir alguma coisa logo no primeiro ano.»

O Atlanta United também ganhou rapidamente muitos adeptos, tornou-se um caso notável de popularidade na MLS. Greg ajuda a perceber o fenómeno. «É uma cidade que não tem equipas que tenham ganho muitos títulos. Acho que foram mais de 20 anos sem ganhar. Jogávamos num estádio com mais de 70 mil pessoas a cada jogo, acho que nem na Europa os jogadores têm essa oportunidade. São muitos milhares de pessoas que estão a participar e a aprender, pouco a pouco. É sinal de que o desporto está a evoluir aqui. O americano gosta de um espetáculo desportivo como se fosse ao mesmo tempo um show. Atlanta foi a cidade perfeita para juntar isso e dar essa ligação às pessoas. As pessoas foram aprendendo, também não estavam habituadas a ver aqui jogos da MLS. Passámos a atrair muita atenção, a cada jogo já tinha vários amigos na Europa que estavam a ver o jogo.»

A festa do título, que teve direito a desfile pela cidade, foi grandiosa. «Estou até agora sem dormir…», ri-se Greg: «Agora estou em Barcelona, de visita ao meu cunhado que joga no Reus. Fizemos um desfile há três dias pela cidade, estavam milhares de pessoas que não festejavam um título há muito tempo.»

Agora, «seguir com a vida cigana»

Apesar do sucesso em Atlanta, Greg Garza vai mudar de clube. O anúncio foi feito logo depois da conquista do título e o destino será o FC Cincinatti, outro clube que vai estrear-se na MLS a partir da próxima época. «Vou seguir um novo caminho. É uma nova oportunidade para mim e para a minha família, espero que seja pelo melhor. Não podia sair de melhor forma possível. Estou muito grato ao Atlanta por tudo.»

Greg deixou nas redes sociais uma mensagem de agradecimento a Atlanta

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Atlanta... After spending more than half of my life living and playing abroad, YOU were the first city I had the opportunity to live in within the states once again. You received not only myself, but my family with open arms. You gave me the opportunity to do what I love most in front of one of the most amazing crowds I have ever seen. You gave my family our own Atlantien son to remind us how special you are. You gave us friends that will last a lifetime. Last, but not least, you gave me, my family, a trophy to hold up, a CHAMPIONSHIP in your honor, a no better, nor most perfect way to say not goodbye, but hopefully a see you later. Atlanta... you have added another home away from home to my list of this gypsy lifestyle that my family and I live. But, most importantly, you have created love and joy within our hearts and within our lives. Atlanta... Thank you. For we will always be grateful for our time spent, our lessons learned, and our blessings received within your city. 🔴⚫️

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Na conversa com o Maisfutebol reforça essa mensagem. «Digo sempre que sou um cigano deste desporto. Agora sigo com a minha vida cigana. Foi uma decisão conjunta, minha e do clube. O que mais desejo é a segurança da minha família», afirma, explicando a decisão de mudar: «Em Atlanta não podia ter sido melhor, mas surgiu outra oportunidade e o que me faz mover é poder dar melhores condições à minha família. Não me importa onde estou se a família está bem. Cincinatti, com o novo projeto que está a fazer, chamou a minha atenção. Está a chegar à MLS, tem o mesmo projeto do Atlanta.»

Além disso, Greg diz que tem sido talismã por onde passou e espera manter essa tradição: «Espero que possa levar sorte para lá. Estive um ano no México e fomos campeões. Em Atlanta fomos campeões. Quem sabe?»

Aos 27 anos, Greg ainda mantém o objetivo de voltar a jogar na Europa. A mudança faz parte de quem é, diz. «Sou a pessoa que sou por ter vivido em tantos países e contactado com tantas culturas diferentes. Se tiver a oportunidade e for bom para a minha família jogo em qualquer lugar, não importa que seja na China, na Tailândia, na Suécia, na Dinamarca, em Portugal outra vez. É muito bom poder conhecer outras culturas. O meu primeiro filho nasceu em Tijuana, faz cinco anos. O segundo em Atlanta, faz um ano. Podíamos ter cruzado a fronteira, mas quisemos que nascesse lá para que ele possa ter também esse cruzamento com essa variedade de culturas.»

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

👨‍👩‍👦‍👦 ♥️ - Anthony wasn’t having it. 🤣

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A história do Atlanta, «exemplo para a América»

Essa questão da integração de outras culturas é um tema muito atual nos Estados Unidos, com Donald Trump como presidente. Mas para Greg a América é mesmo isso, uma mistura de culturas. E o Atlanta United foi o melhor exemplo dessa identidade, diz. «Às vezes pode ser visto um pouco diferente, mas os Estados Unidos são a terra das oportunidades. Atlanta conseguiu algo tão especial por isso. É uma cidade de muitos emigrantes, uma mistura de vários lugares. É um «melting pot», como costumo dizer. Isso vê-se no estádio. Há 20 por cento de americanos, 20 por cento de mexicanos, por aí fora. Essas pessoas encontraram uma forma de compartilhar algo muito especial através da paixão pelo futebol. Conseguiu até ultrapassar os outros clubes da cidade, os Falcons no futebol americano e os Braves no basebol.»

«É muito difícil encontrar um americano puro. O meu pai é mexicano, o meu apelido é Garza. Somos todos emigrantes, no fundo, vimos todos de um lugar que não os Estados Unidos», continua: «É essa mistura que faz os Estados Unidos serem tão lindos. Atlanta é um grande exemplo para comprovar isso, juntar pessoas que vêm de outros lugares e partilham uma paixão. Isso também é promovido no clube. Temos um centro de treinos de 80 milhões, que partilhamos com os sub-12. Somos uma grande família, estamos a ensinar a essas crianças o que é uma grande família. Isto foi a ideia do Arthur Blank, o dono do clube, quando criou o Atlanta.»

Uma família inclusiva também, como mostra esta reportagem que acompanha Greg e Brad Guzan, guarda-redes do Atlanta United, num treino com a equipa de Special Olympics do clube.

Greg Garza tem 10 jogos pela seleção dos Estados Unidos. Fez nove entre 2014 e 2015, quando esteve com a seleção na Gold Cup, mas depois disso só voltou a ser chamado uma vez, em 2017. Já viveu mais obcecado com o objetivo da seleção, diz, mas a ambição ainda lá está. «O Klinsmann foi o primeiro a chamar-me, em 2014. Depois tive a lesão grave em 2015, que me tirou novas oportunidades. Em 2017 fui chamado pelo Bruce Arena, mas não funcionou. A seleção dos EUA está num momento muito complicado, muito delicado, de mudança. Para mim é a equipa que tem de ser a mais forte da Concacaf, mas não sei se hoje podemos dizer isso. É um momento de transição, com muitos jovens. Sonhei sempre afirmar-me na seleção. Hoje amadureci, tenho uma atitude diferente, mas seria o maior prazer, a maior conquista da minha vida. Mas com dois filhos e aos 27 anos a segurança e as condições de vida deles são mais importantes. Acho que as coisas têm de acontecer de forma natural. Se não for à seleção vou continuar a minha vida.»

E a vida, depois do futebol, deve passar mesmo por Portugal. A forma como Greg fala sobre isso é apaixonada: «A minha esposa nasceu em Braga, de pais brasileiros. Já conheci 40 países e Lisboa é a minha cidade preferida. Não troco nada por Lisboa e por Portugal. Imagino-me a terminar a carreira daqui por oito ou nove anos e ter uma casa em Cascais ou no Estoril, ou um apartamento na Avenida da Liberdade. Uma das melhores recordações que tenho é acordar todos os dias de manhã, ir à rua tomar um expresso, ler os jornais desportivos e ficar ali a ver as pessoas passar na rua. Não consigo pensar em nada melhor. Nos Estados Unidos não há isso, é só Starbucks. No México também. Quero ter oportunidade de viver um modo de vida europeu. Aqui é tudo muito corrido, ninguém se senta para ver as pessoas passar.»