*com Daniel Dantas

Viseu.

Capital do Dão, terra de Viriato. Berço de D. Duarte. Região vitivinícola, marcadamente romana. E onde o futebol é, por estes dias, motivo maior para as suas gentes.

Académico de Viseu.

Um clube capital de distrito. Erguido sob a atual designação, após dificuldades financeiras terem levado, em 2005, a insolvência do antigo Clube Académico de Futebol (CAF). Um rombo num barco que ergueu e seguiu viagem. Renasceu após fusão com o Grupo Desportivo de Farminhão e foi dos distritais até à II Liga. Ao fim da quinta época consecutiva no segundo escalão, os viseenses lideram. Aspiram a um «sonho assumido», na palavra do presidente da SAD e do clube, António Albino: chegar à I Liga.

«Há 300 ou 400 mil pessoas à espera que o Ac. Viseu suba. Desde Coimbra, Leiria, Aveiro… não há futebol na I Liga, o que é uma vergonha. É quase um dinossauro adormecido. Quando subir, desperta uma cidade a nível de desporto. Espero que aconteça. Fome de I Liga é muito grande», constata o dirigente, numa altura em na região apenas está na Liga o Tondela, perto de Viseu.

Desde a época 1988/89 que o Ac. Viseu, então CAF, não figura no principal escalão. Já lá vão 28 anos. Altura de grandes receitas e assistências, só excedidas por FC Porto, Benfica e Sporting. Sem conseguir a manutenção, o clube mergulharia em dívidas anos depois. Até um novo ponto de partida a que António Albino não foi alheio.

«Quando o clube teve a insolvência, assumi disposição para ajudar. Sou de Viseu há 70 anos. Lancei mãos à obra para pegar no Académico e pô-lo na I Liga», vinca o empresário de comércio e indústria.

António Albino, presidente da SAD e do clube viseense (Foto: Facebook Ac. Viseu)

«O passado é museu»

Francisco Chaló é o homem do leme viseense. Após ter chegado ao clube a meio da última época, garantiu a manutenção no play-off da II Liga. Hoje, lidera. Segredo para tamanha transfiguração? «O passado é museu. A equipa tem a base do ano passado, a ideia era reforçar o necessário. Corresponde ao que projetámos durante a pré-época, em que tivemos de fazer o processo de renovação de forma mais rápida».

O primeiro lugar não é, por isso, total surpresa. Ainda que o treinador tenha mais contenção face ao «sonho» do presidente. «O objetivo é passar o Ac. Viseu a uma equipa candidata a estar sempre no lote da frente. Temos um enorme respeito pelos adversários. É a nossa máxima», afiança o técnico de 53 anos.

Com 27 pontos em 13 jornadas, o Ac. Viseu soma mais dois pontos que FC Porto B – que não pode subir – e Santa Clara, terceiro. É destacadamente a melhor defesa, com oito golos sofridos, mas Chaló dá primazia a outros dados. «Temos a melhor diferença de golos marcados e sofridos. Aí é que noto o equilíbrio», assegura.

Chaló chegou ao Ac. Viseu em dezembro de 2016 (Foto: Facebook Ac. Viseu

O Estádio do Fontelo tem sido talismã para uma equipa sem derrotas em casa. «Mas também somos das melhores equipas fora», completa o técnico, cauteloso, pois «a procissão ainda vai no adro». «Agora, não podemos escamotear a realidade, estamos bem colocados», considera.

Recuando ao palco do Ac. Viseu, não raras vezes as subidas dão que fazer nos estádios. Se o clube subir, o Fontelo está apto? «Ando a lutar com o presidente da Câmara. O Fontelo precisa de obras. E estão a fazer-se. Devagar, mas estão». Tal avanço ilustra-se nas cadeiras na bancada central e na lateral, para adeptos visitantes. E em melhoramentos nos balneários. «A minha luta é para que a bancada superior, que leva 3 ou 4 mil pessoas, seja coberta. Quando chove, há frio ou sol, ninguém pode estar no Fontelo», garante Albino.

Público, SAD e a tragédia

Chaló salienta o «bom trabalho» para potencializar algo que considera crucial. «A massa crítica, o apoio, o tal 12.º jogador». Por outro lado, a SAD, constituída em 2015, hoje a gerir o futebol profissional. António Albino detém 51 por cento desta, enquanto os restantes 49 são do clube. O dirigente já recebeu propostas pela SAD, sempre recusadas. «O Académico não está em saldo. Quem quiser, tem de pegar com credibilidade e segurança», vinca.

Entre o registo desportivo assinalável, os academistas não ficaram alheios à tragédia dos incêndios. Aí, o futebol a atenuar. «Sem dúvida, mexeu connosco. Isto também ajuda a que um clube de uma região fustigada, consiga amenizar o emocional de algo tão penalizador», refere Chaló, não descartando o desejo do regresso à I Liga, onde já treinou a Naval 1.º de Maio. «Se fosse pelo pé próprio, dava um prazer especial», atira.

Entre o plantel, Peçanha foi uma das aquisições sonantes para atacar a temporada. «Quando recebi a proposta do Ac. Viseu, estava em negociações com o Feirense. Era provável que fosse renovar. As coisas acabaram por não correr muito bem e a renovação não foi possível. Os responsáveis do clube conversaram comigo a respeito do projeto, ambicioso. E optei por aceitar», refere, em conversa com o Maisfutebol.

Peçanha defendeu sete épocas na I Liga e guarda, agora, a baliza do líder do segundo escalão

Aos 37 anos, o guardião brasileiro é o mais experiente da equipa. Procura transmitir maturidade e assegura que a idade não é entrave ao desempenho. «A experiência que adquirimos durante a carreira dá-nos outra visão do relvado e atitudes que devemos tomar. Encontrei jogadores abertos a qualquer tipo de conversa, humildes ao ponto de conseguirem compreender aquilo que posso transmitir. O grupo é equilibrado, não só com jovens, mas também com jogadores experientes», prossegue.

«Estou a sentir-me muito bem. Não olho para a idade, mas para o rendimento. Enquanto me sentir útil e acreditar que estou em condições para ajudar, vou continuar. Sem data de validade [risos]. Em Portugal, têm um olhar diferente perante a idade, comparativamente a países como a Itália e Inglaterra, por exemplo, onde jogadores experientes são mais aproveitados. Não é à toa que chegam sempre ao mais alto nível competitivo», acrescenta.

«A região e as pessoas merecem»

Também Fernando Ferreira, que conta com passagens pelo Belenenses, Marítimo e Tondela, figura no plantel. E aponta razões familiares e sentimentais para permanecer na cidade. «A estabilidade familiar e o facto de não ter projetos que me seduzissem para sair, fizeram com que me mantivesse na cidade. Há também o aspeto sentimental, pesou», reconhece o médio de 31 anos.

O ambiente no balneário é de alegria. Devidamente doseada e balanceada com a responsabilidade do posto ocupado. «Não conquistámos nada. Aquilo que nos foi proposto pelos dirigentes e pelo treinador foi andarmos nos lugares cimeiros. Neste momento, está a correr de feição. Vamos ter que lutar com muita força para atingirmos um lugar de subida, porque são vários os clubes que ambicionam esse objetivo. Muitas pessoas desatentas podem achar estranho aquilo que se está a passar. No entanto, outras começam a compreender o porquê de estarmos em primeiro lugar», vincou.

Fernando Ferreira, em ação pelo Ac. Viseu na Taça de Portugal, ante o Feirense

«Como academista e viseense, julgo que as pessoas deveriam ligar-se mais ao clube e voltar a ser aquilo que já foram no passado, porque, sem dúvida, seriamos muito mais fortes com o apoio de todas elas», aproveita para apelar.

Fernando Ferreira recorda, com tristeza, a tragédia dos incêndios que assolou o distrito. «Foi fatídico, em termos de perdas humanas e materiais. Lembro-me que tentei contactar todas as pessoas em perigo, principalmente na zona de Tondela, onde estavam antigos colegas de equipa. Foi um dia que nos marcou. Temos de dar um bocadinho mais de nós por tudo aquilo que se passou. A região e as pessoas merecem. Os beirões são um povo resiliente, mas sofreram bastante», relembra.

*Foto principal: Facebook Ac. Viseu