Ah, a amargura dos penaltis…

A velha disputa entre batedor e guarda-redes, em que as probabilidades de sucesso parecem infinitamente superiores quando se vê de fora do que quando se encara a baliza. Um jogo à parte do jogo em si, em que o controlo dos nervos é tão ou mais importante do que a perícia com a bola.

Os penáltis, sobretudo desde que instituídos como fator de desempate, criaram momentos icónicos. Já resolveram finais da Liga dos Campeões, dos Mundiais e de competições um pouco por cada país do globo. Já criaram mitos e frames para a eternidade. Já transformaram heróis em vilões.

A última grande estrela do futebol a corar de vergonha depois de um penálti falhado foi Xavi. No desempate que poderia colocar o Al Sadd, de Jesualdo Ferreira, na fase de grupos da Liga dos Campeões, a estrela maior do conjunto do Qatar avançou para a primeira tentativa mas atirou para a bancada.

Jesualdo suspirou. «Traído» pela sua figura maior, talvez tenha recordado episódio semelhante que viveu no FC Porto versão 2007/08. O acesso aos quartos de final da Liga dos Campeões foi decidido nos castigos máximos, mas Lisandro López, o mesmo que tinha garantido que o FC Porto chegasse àquela fase, falhou perante o jovem Manuel Neuer e o Schalke 04 fez a festa no Dragão.

Xavi, Lisandro…exemplos.

Talvez, até, exemplos menores. Se serve de consolo a um dos melhores médios do futebol moderno, figura maior da dominadora seleção espanhola, já houve quem fizesse bem pior. E por pior, entenda-se, em competições de outro calibre.

Até em finais…Recorde então.

-Três estrelas vergadas num França-Brasil

Cenário:Mundial do México, em 1986; quartos de final

Como foi? Ponto prévio: JOGAÇO! Futebol ofensivo de parte a parte e muitas estrelas nos dois lados. O Brasil tinha ainda algum do Brasil encantador de 1982. A França era a campeã europeia em título, a melhor geração antes da que fechou o milénio anterior. No tempo regulamentar termina 1-1, depois de Zico, que entrara ao intervalo, ter falhado o primeiro penálti da tarde. Com tudo amarrado, veio o desempate.

Avançou Sócrates para o primeiro, mas Joel Bats fez enorme defesa. Segunda estrela a vergar. Seguiu a marcha com sucesso (e um incrível penalti de Bellone que…só visto) até chegar a hora de Michel Platini, a figura maior da seleção francesa, confirmar a passagem. Mas o penálti decisivo saiu por cima e foi preciso Luiz Fernandez, já na morte súbita, assegurar a eliminação do Brasil.

-O duelo Maradona-Ivkovic

Cenário: Mundial de Itália, em 1990; quartos de final

Como foi? A história começa uns meses antes…e também nos penálties. Ivkovic era o guarda-redes do Sporting quando o clube de Alvalade enfrentou o Nápoles de Maradona na primeira eliminatória da Taça UEFA. Dois nulos e decisão nas grandes penalidades. O guardião aproxima-se do craque argentino e, em jeito de provocação, aposta 100 dólares como iria defender. Bola para a sua esquerda e defesa. No final, Maradona foi ao balneário e entregou-lhe o dinheiro e a camisola.

O reencontro foi no Mundial de Itália, nos quartos de final. Maradona parecia nervoso e Ivkovic aproveitou. Como contou, numa reportagem do Maisfutebol aquando do 50º aniversário de Maradona: «Eu fingi que ia atirar-me para o mesmo lado que frente ao Nápoles, mas fui para o outro. Ele rematou para lá e caiu-lhe o Mundo!».

Consolação importante para Maradona: ganhou os dois desempates, mesmo falhando em ambos…

-Inglaterra: a Pátria dos especialistas em penáltis falhados

Cenário: Praticamente qualquer competição em que haja desempate, mas foquemo-nos no Euro 2004 e Mundial 2006…

Como foi? Impossível falar de penáltis falhados sem entrar na «maldição» inglesa. Eliminados dos Mundiais de 90, 98 e 2006, além dos Europeus de 96, 2004 e 2012 nos desempates, os ingleses são um caso crónico de tremelique extra na hora de decidir.

Até 2004, contudo, as culpas iam parar a figuras «menores» dentro da equipa. Stuart Pearce em 1990. Gareth Southgate seis anos mais tarde ou David Batty no Mundial de França. Mas em 2004 foi a estrela maior a vacilar.

David Beckham, em pleno Estádio da Luz, frente a Portugal, avançou para o primeiro penalti e atirou para as nuvens. É verdade que foi Vassell a desperdiçar, perante um Ricardo sem luvas, o castigo decisivo, mas para a história ficou a imagem de Beckham a olhar para a marca de penalti. Dois anos depois havia ainda mais especialistas para a decisão, mas Portugal voltou a levar a melhor. Frank Lampard e Steven Gerrard, habituadíssimos a rematar dos 11 metros, não enganaram Ricardo.

Será, pelo menos, diferente nos clubes? É verdade que o Chelsea venceu a sua única Champions aos alemães do Bayern Munique nos penáltis, mas é impossível esquecer o vexame do capitão John Terry na final de Moscovo, em 2008, quando escorregou na hora de marcar o penálti que lhe daria o troféu.

-Quando a Holanda falhou cinco penáltis no seu Euro

Cenário: Holanda-Itália, Euro 2000, Meias-finais

Como foi? A Holanda jogava em casa, vinha de uma goleada à Jugoslávia na fase anterior e era favorita. Mais favorita ficou quando Zambrotta foi expulso obrigando os italianos a jogar com um menos com ainda uma hora de jogo pela frente. Tudo isso torna ainda mais incrível o que sucedeu naquela tarde.

Durante o jogo, a Holanda falhou dois penáltis. E era só o início.

Primeiro Frank de Boer, o habitual marcador, atirando para a esquerda sem enganar Toldo, herói da tarde. Depois por Patrick Kluivert, porventura a maior figura da equipa, atirando ao poste no segundo tempo.

Sem golos nos 120 minutos, só o desempate ia escolher o finalista. Frank de Boer atirou para o meio da baliza e voltou a falhar. Jaap Stam disparou por cima. Kluivert foi o único holandês a marcar um golo naquela tarde e, no meio de toda a incredulidade, até o capitão italiano Paolo Maldini falhou, permitindo a Paul Bosvelt tentar recolocar a Holanda na corrida.

Mas Toldo voltou a ser mais forte e «aggaints all odds» a Itália seguiu para a final num dos jogos mais inacreditáveis da história do futebol.

-Schevchenko com NERVOS escrito na face

Cenário: Final da Liga dos Campeões 2005 entre Milan e Liverpool

Como foi? Ok, a final é recordada essencialmente pela fabulosa recuperação do Liverpool dos 3-0 ao intervalo para os 3-3 no final. Mas foram os penaltis que permitiram erguer o troféu no final.

Talvez intimidados pelo histórico segundo tempo dos «reds», foi evidente que a concentração dos jogadores do Milan, que até tinham o especialista Dida na baliza (parou apenas a tentativa de Riise), não era a ideal.

Serginho foi o primeiro a falhar, o maestro Pirlo seguiu-lhe as pisadas e a estrela da companhia, por aqueles dias, arrumou a questão. O nervosismo de Shevchenko foi por demais evidente no instante em que a câmara o foca antes da tentativa. Depois, corrida, hesitação, hesitação, remate fraco e para o centro e defesa de Dudek.

O Liverpool era campeão europeu.

-«Etoo, deixa que eu falho!»

Cenário: Camarões-Egito, jogo decisivo no apuramento para o Mundial 2006

Como foi? O jogo parece algo deslocalizado em relação aos restantes exemplos, mas a história incrível aliada ao facto de o selecionador dos Camarões ser Artur Jorge merece ser contada.

Os Camarões poderiam tornar-se a primeira seleção africana a apurar-se para seis Mundiais consecutivas. Bastava uma vitória em casa, no último jogo, frente ao Egito. O ex-sportinguista Douala colocou a equipa a vencer ainda na primeira parte, mas o Egito empatou na segunda. No quarto minuto de compensação veio então o episódio que marcou o jogo.

Penálti a favor dos Camarões. Samuel Etoo, a estrela da equipa, avança para marcar, mas Pierre Wome, o homem que marcou o penalti decisivo no desempate da final dos Jogos Olímpicos de 2000, afasta o compatriota. Garantia estar confiante.

Atirou ao poste, o jogo acabou pouco depois e os Camarões viram o Mundial da Alemanha pela TV.

-Os dois melhores do mundo coraram em dias seguidos

Cenário: Meias-finais da Liga dos Campeões 2011/12

Como foi? Barcelona-Chelsea; Real Madrid-Bayern Munique. O mundo aguardava uma final espanhola que colocasse, frente a frente, Cristiano Ronaldo e Lionel Messi, os dois melhores jogadores do mundo. Nem um, nem outro. E não houve mesmo qualquer motivo para que um se ficasse a rir do outro.

No dia 24 de abril, Messi atirou à trave um penálti durante o jogo com o Chelsea que poderia ter lançado o Barça para a final.

No dia seguinte, no desempate com o Bayer Munique, Manuel Neuer foi mais forte do que Cristiano Ronaldo. É verdade que o pontapé para as nuvens de Sergio Ramos ficou como a recordação mais viva desse desempate, mas aqueles foram os dias em que o ditado «acontece aos melhores» mais fez sentido.

-Beto mais forte que Cardozo e Rodrigo

Cenário: Final da Liga Europa 2014, Benfica-Sevilha

Como foi? O Benfica já tinha perdido uma final europeia nos penaltis, mas aí Veloso não era, de todo, um especialista na matéria. Bem diferente de Oscar Cardozo, o homem que falhou o primeiro dos dois penaltis desperdiçados pelo Benfica no desempate com o Sevilha, na final da Liga Europa de 2014.

Na baliza estava Beto, guarda-redes que passou pelo FC Porto e irritou os adeptos benfiquistas pelo posicionamento na linha de baliza. Ou fora da linha, acusaram os encarnados.

Certo é que parou não só a tentativa frouxa de Cardozo como a de Rodrigo que alinhou no mesmo estilo. Hesitou, hesitou e atirou para a defesa. Luisão e Lima foram diretos ao assunto e marcaram. Mas o troféu foi para Espanha…

-William Carvalho e Moutinho: a seleção a sofrer

Cenário: Final do Euro Sub-21 2015 e Meias-finais do Euro 2012

Como foi? Sobretudo na era Scolari, Portugal habituou-se a ser feliz nos penáltis mas os exemplos mais recentes já nada têm a ver com esse tempo.

Em 2012, depois de um jogo de enorme esforço em que conseguiu travar a fortíssima seleção espanhola, Portugal depositou todas as esperanças nos penáltis e Rui Patrício deu o mote ao defender o primeiro, de Xabi Alonso. Portugal tinha de marcar para capitalizar a defesa do seu guardião e ganhar ascendente psicológico no desempate. Mas João Moutinho, talvez o melhor jogador português nesse torneio, não foi expedito e Iker Casillas defendeu.

A Espanha ficava por cima mesmo sem ainda marcar. A bola na trave de Bruno Alves confirmou o que se adivinhava desde a perdida de Moutinho.

No ano passado, na final do Euro Sub-21, foi William Carvalho, considerado o melhor jogador do torneio, a desperdiçar o penalti decisiva que deu à Suécia um título que já quase todos viam na vitrine portuguesa.

-Acha mesmo que nos íamos esquecer de Baggio?

Cenário: Brasil-Itália, final do Mundial 94 nos EUA

Como foi? Quando se fala de estrelas que falharam penáltis decisivos é IMPOSSÍVEL não lembrar Roberto Baggio. O italiano protagonizou um dos mais míticos falhanços na marca dos 11 metros pela forma como o apontou (em direção aos céus), mas, sobretudo, pelo palco: a final de um campeonato do mundo.

O primeiro Mundial de sempre decidido nos penaltis teve em Baggio o réu para a eternidade, mesmo que, quatro anos depois, no desempate com a França dos quartos de final que voltou a ser triste para os italianos, tenha avançado e cobrado com sucesso o primeiro.

E a verdade é uma, mesmo que aquele penalti venha sempre colado ao seu curriculum, tudo o que de bom fez no mundo do futebol também não é esquecido.