Choque feliz de dois mundos, duas formas de ser e viver o jogo. Mundial de 1958: a convicção romanticamente adoentada de Just Fontaine e o sarcasmo desinteressado de Raymond Kopa. Fontaine e Kopa, uma das melhores duplas avançadas de sempre.

«Não tínhamos qualquer relação fora do campo. Mas na área entendíamo-nos de olhos fechados», recorda Just Fontaine, em entrevista ao Maisfutebol. «Não temos de ser amigos para jogarmos bem lado a lado. Por acaso, até ficámos no mesmo quarto durante o estágio e o Campeonato do Mundo, embora raramente falássemos.»

Fontaine era o rapaz provinciano, de hábitos disciplinados e rituais vulgares. Kopa fazia o papel de bon vivant, amante da noite e do lado profano da vida. «Eu deitava-me cedo e acordava cedo. Ele deitava-se tarde e acordava tarde. Nunca tivemos uma conversa interessante. Depois, o jogo começava e parecíamos almas gémeas.»

13 golos num Mundial: «O segredo? Olhar para a baliza»

Nesse mesmo torneio de 1958, organizado na Suécia, um adolescente de 17 anos deu-se a conhecer ao mundo. Edson Arantes de Nascimento, simplesmente Pelé. Para Just Fontaine, ele é «de longe o melhor jogador de sempre». «A seguir vem o Di Stéfano e, mais atrás, o Maradona e o Cruyff. Depois há os mortais, onde apareço eu e muitos outros.»

Homem de convicções e ideais rígidos, Just Fontaine nem hesita quando o desafiamos a escolher a melhor equipa de todos os tempos. «Para a baliza Yashin; Nilton Santos, Maldini e Beckenbauer na defesa; Bobby Moore, Bossic, Platini e Cruyff no meio-campo e à frente Pelé, Di Stéfano e Garrincha.»



«Como seleccionador durei dois jogo»

Amante obsessivo do golo e dos dogmas do ataque, Just Fontaine confessa-se desiludido com o futebol actual. E aponta o indicador aos treinadores. «Há melhores condições de treino, melhores equipamentos e menos avançados em campo. No meu tempo era tudo pobre e o golo era a maior riqueza. Agora parece que é tudo ao contrário», desabafa.

As críticas explicam em parte o insucesso da sua passagem pela função de técnico. «Não era para mim. Acho que até bati um recorde em França. Durei dois jogos no cargo de seleccionador nacional. Tinha 28 anos, era o presidente do sindicato de jogadores e estavam todos contra mim. Não resisti.»

O tom de voz, morno, sobressalta-se na hora de falar sobre a actual versão dos bleus. Just Fontaine considera Nicolas Anelka «um ingrato», embora não morra de amores por Raymond Domenech. «Se não houver decisões fortes em relação a esta vergonha, a equipa vai sofrer durante muito tempo.»

«Tem de haver mão dura. Repare no Ribery. Alguém lhe disse que era o líder da equipa e agora faz o que quer na equipa. Não pode haver intocáveis. O Cantona era um enorme jogador e foi afastado pelo Henri Michel. Tem de haver mão dura, quando se justifica.»

«O Torres vai ser o goleador do Mundial 2010»

O golo rareia no Mundial da África do Sul, salvo raras e lusitanas excepções. De qualquer forma, Just Fontaine acredita que a prova irá coroar Fernando Torres como o novo rei dos marcadores. Mesmo com Messi e Cristiano Ronaldo «em grande forma».

«O Torres teve uma lesão e está agora a subir. Falhou golos fáceis, mas creio que irá aparecer em grande nos próximos jogos. Gosto do estilo dele, é valente e sabe como rematar. Se não for ele, acho que um dos argentinos pode destacar-se. O Tevez ou o Higuaín.»



Os golos do França-Alemanha em 1958: