Um adversário de classe mundial. Não é este texto que irá mudar a ideia que já tem – nem tem essa pretensão – sobre o poderoso Bayern, que nos últimos seis anos conquistou seis títulos de campeão alemão, três taças e uma Liga dos Campeões. Um Bayern que nesse mesmo período só por uma vez não chegou às meias-finais da prova milionária, em 2016/17, tendo caído nos quartos de final perante o futuro vencedor e já habitual «carrasco» Real Madrid.

Se estava à espera de que este Bayern fosse um Bayern mais fraco desengane-se. Nada disso. Os bávaros continuam ser um adversário temível e se pouco acrescentaram ao que já traziam das épocas anteriores no que a reforços diz respeito e até perderam alguma profundidade no grupo durante o verão – o talentoso Goretzka chegou a custo zero de Gelsenkirchen, tendo sido transferidos Douglas Costa em definitivo para a Juventus (40M), Arturo Vidal para o Barcelona (18M), Sebastian Rudy para o Schalke (16,5M) e Juan Bernat para o PSG (14M) – e ainda mais no último fim de semana, com as lesões de Tolisso (lesão grave no joelho direito) e Rafinha (tornozelo esquerdo), têm bem solidificada a estrutura que tanto sucesso tem trazido, sobretudo a nível interno.

Arjen Robben (34) e Franck Ribéry (35) estão um ano mais velhos, é verdade. No entanto, continuam a ser indiscutíveis na equipa que agora é de Niko Kovac, e já foi de Jupp Heynckes, Pep Guardiola, Carlo Ancelotti e novamente de Jupp Heynckes neste ciclo de sucesso. Só pela lista de treinadores recentes percebe-se que bebeu, obviamente, muitas ideias diferentes. Claro que a influência de Herr Pep ainda se sentirá na equipa, sobretudo na fase de construção, ataque posicional e reação à perda de bola, mas Die Roten recuperaram igualmente parte da linearidade e verticalidade do passado.

Alternando entre o 4x3x3 e o duplo-pivot em 4x2x3x1, até mesmo durante os encontros – assente na versatilidade de Müller, que pode fechar o triângulo a meio-campo ou subir para qualquer das posições de ataque, à esquerda, ao meio como falso 10, ou à direita –, o Bayern continua a ser fiel à ideia de uma equipa demolidora, capaz de construir em apoio, lançar longo e montar transições letais, e ser ainda uma ameaça em todos os momentos do jogo, incluindo bolas paradas.

Claro que não há equipas perfeitas, e o Benfica terá também argumentos para provocar e aproveitar um dia mau dos bávaros, sobretudo se for capaz de neutralizar as principais armas do seu adversário, bloquear os passes verticais de Boateng e estar atento à constante interpretação do espaço por parte de Müller, mas também e sobretudo se conseguir escapar aos efeitos daquele alerta vermelho que dispara por todo o conjunto alemão como um toque a reunir de cada vez que perde a bola.

Como ataca o Bayern

O futebol posicional de Guardiola ainda existe, com o Bayern a movimentar-se em triângulos na sua construção em apoio, quando pressionado. Os laterais estão projetados, e com esse espaço preenchido os extremos podem vir para dentro. No entanto, o adversário dos encarnados na Champions está ainda mais construído para a explosão do que então. Porque existem ainda Robben e Ribéry sim, mas também Gnabry e Coman quando estes não estão, e porque Müller faz muitas vezes esse papel de ligação entre o meio-campo e o ataque. Nesse momento em que o espaço aparece, e pode aparecer ao segundo ou terceiro passe, surge também a vertigem. Guardiola desprezava o tiki-taka, no sentido de uma posse de bola apenas pela posse, mas a construção era muito mais paciente. Hoje, a atração pelo espaço é bem mais precoce.

Passe vertical de Boateng, nas duas ocasiões de cima a procurar Müller, e fundamental nos dois primeiros golos dos bávaros em Estugarda.

Já perante linhas mais baixas, o Bayern procura o cruzamento, porque Alaba e Kimmich, e ainda Ribéry e Coman, oferecem boas soluções a partir desse momento, e Lewandowski, Müller e Goretzka (ou outro) garantem presença na área para finalizar.

Atrás do ponta de lança, onde cai inúmeras vezes, Thomas Müller tem tudo para justificar o cognome de intérprete do espaço. É ele que procura aparecer seja nas costas de um lateral, sobretudo o esquerdo, ou no vazio entre os centrais e o(s) médio(s) defensivo(s) ou mesmo entre o lateral e o central.

Thomas Müller, o «intérprete do espaço».

Se na linha defensiva, Neuer incluído, não há quem tenha maus pés – o que pode contrariar as ideias de um adversário a insistir numa pressão alta sem que esta afecte também os outros blocos –, Jérome Boateng é um jogador fundamental para a verticalidade da equipa. É nele, no central internacional alemão, que começa a construção e não o faz com um passe lateral. Sobretudo quando atua do lado direito – o que acontece com Hummels ao lado, mas não com Sülle; e apesar de o pé esquerdo não ser mau e até o usar com frequência, Boateng é muito mais proativo quando usa o direito, e tem toda a vantagem de pisar mais os terrenos desse lado para isso – é ele que dá início aos ataque, com um passe vertical que ultrapasse um ou dois blocos defensivos contrários, ou com um alto e longo, muitas vezes à procura de Ribéry na esquerda, depois de um overloading posicional à direita. Se olharmos para o 0-3 frente ao Estugarda, os dois primeiros golos nascem precisamente de um primeiro desequilíbrio provocado pela assertividade do passe.

Distribuição em Boateng, dois blocos ofensivos bastante altos, com Kimmich sobre a direita e Ribéry à esquerda, depois Müller a procurar o espaço em paralelo com Goretzka, e Robben encostado ainda mais acima, na linha de Lewandowski.
Momento de «overloading» à direita, com passe longo de Boateng (com o pé esquerdo!) a procurar Ribéry (fora da imagem), encostado à esquerda. 

As duas faces posicionais no ataque

Nos três jogos da Bundesliga, frente a Hoffenheim, Estugarda e Bayer Leverkusen, o Bayern mostrou duas faces, mediante as características apresentadas pelos adversários. O conjunto de Julian Nagelsmann pressionou alto, e o Bayern não conseguiu estrangular o rival, aproveitando as brechas da pressão para sair em velocidade. Já o Estugarda de Tayfun Korkut e o Bayer Leverkusen de Heiko Herrlich deixaram as linhas recuadas e esperaram pelos bávaros, que aproveitaram o convite: subiram o bloco médio para as entrelinhas, construindo com Boateng, Thiago e Hümmels (Sülle perante o Bayer) como verdadeiros centrocampistas, espartilhando por completo o conjunto da casa, que nunca conseguiu sair. O resultado: duas vitórias, mas bem mais dificuldades no primeiro contexto.

Jogada de envolvimento do conjunto de Munique, com quatro elementos na área e outros três nas imediações.
Posicionamento alto de Alaba permite que Ribéry pise terrenos interiores, aumentando o contingente da equipa na área. Müller a pedir a bola no espaço.

Já se escreveu aqui da construção a três, e falta sublinhar que o lançador quando isso acontece é menos o médio-defensivo, seja Javi Martínez ou Thiago, do que Boateng, sobretudo quando à direita (com o central do lado esquerdo, Thiago assume mais protagonismo na condução). E que os laterais estão projetados, não em terrenos interiores como muitas vezes acontecia com Guardiola, mas a pisar as laterais, a fim de ocupar esse espaço e libertar Ribéry e Robben para a zona frontal, onde podem usar melhor o pé de dentro.

Falta falar de Lewandowski, um dos melhores avançados da atualidade e letal, como toda a gente conhece. Finalizador letal, especialista no encontrar do espaço, é também ele um pivot para o avançar da equipa no terreno.

Bolas paradas ofensivas

Apesar de a eficácia não ter sido muita nos últimos meses, há vários especialistas de livres diretos na equipa de Munique. Naqueles mais descaídos para o lado direito assumem a responsabilidade o austríaco Alaba (distâncias maiores) e Robben (mais curtas), enquanto do outro é Lewandowski aquele que mais vezes tem tentado acertar na baliza. Estes serão os conversores mais comuns, embora James, Thiago e Ribéry também façam tentativas ocasionais.

Já nos livres laterais e cantos, Kimmich e Thiago – este mais à esquerda – são os conversores de serviço, oferecendo curvas e efeitos diferentes à bola, com Robben e James também voluntários para ambas as situações.

A bola cai mais vezes ao primeiro poste e em zonas frontais, mas a equipa acrescenta variações, como cantos curtos ou direcionados para a entrada da área para tentar surpreender os rivais. Para ganhar nas alturas, há verdadeiros especialistas e muita capacidade atlética: o ponta de lança tipicamente alemão, embora pouco utilizado, Sandro Wagner chega aos 1,94 metros, mas as referências Boateng (1,92), Hummels (1,91), Javi Martínez (1,90), Müller (1,86) e Lewandowski (1,85) estão lá na maior parte do tempo. O polaco coloca-se muitas vezes ao segundo poste para tentar aproveitar desvios para essa zona.

Alguns números

A amostra relativamente a esta época ainda é pequena, mas, se for possível tirar conclusões, uma delas é que o Bayern de Niko Kovac permanece mais ou menos na linha do último Bayern de Jupp Heynckes, dividido com o interino Willy Sagnol e com Carlo Ancelotti.

A média de golos é de 2,7 (igual em 2017/18), tal como a de remates à baliza 17. Houve um ligeiro aumento na posse de bola 60% (59%).

Os bávaros perdem a bola mais ou menos as mesmas vezes (97), e também mantêm-se bem em linha nas recuperações (96), e ganham mais duelos individuais (208 vs 203).

No plano defensivo, o conjunto de Niko Kovac tem, neste momento, uma melhor média de golos sofridos (0,95 vs 1,05), tendo baixado também os remates enquadrados consentidos (8,42 vs 8,61).

Quando comparado com 2015/16, a última temporada de Guardiola, nota-se logo uma diferença assinalável na posse de bola (66% com o espanhol). Nessa temporada, os bávaros marcaram ainda menos golos (2,32), estavam na linha nos remates enquadrados (18), mas perdiam (99) e recuperavam mais vezes a bola (100), e ganhavam mais duelos individuais. Sofriam menos golos (0,58) e os remates consentidos andam na média (8).

Como defende o Bayern

O Bayern gosta de ter a bola, e faz tudo para recuperá-la quando a perde. Com isso tem dois objetivos: recuperá-la no imediato se possível, claro; e permitir que os homens mais recuados voltem a posicionar-se.

Kimmich pressiona para permitir que a defesa e o meio-campo se recomponham, aqui com Alaba a aproveitar para recuperar o seu lugar à esquerda.

É normal que as ondas de pressão não sejam semelhantes em todas os períodos do jogo, porque tal seria um hara-kiri físico e porque, embora não desacelere, o conjunto de Kovac também saiba jogar com o resultado. Também é normal que esse pressing seja mais forte depois da perda e em determinados momentos e locais do terreno: muito abundante no último terço e na primeira parte, maior sensibilidade para a contenção e sentido posicional dentro do seu meio-campo e à medida que o final do jogo se aproxima.

Momentaneamente, a equipa pode alterar o seu comportamento, aumentando a agressividade, quando o seu adversário está mais exposto, como quando, por exemplo, o guarda-redes é obrigado a jogar com os pés ou um jogador recebe a bola de costas para a baliza. Aí tenta forçar o erro.

Momento de «pressing» descompensado por parte dos bávaros, com o espaço a aparecer (representado no losango).
Mais um momento de falha da reação à perda.

Não é um sistema perfeito, longe disso. O Bayern, a exemplo do que aconteceu no passado recente, volta a ter na transição defensiva o seu calcanhar de Aquiles sobretudo perante adversários que tenham o contra-ataque como uma das suas armas. O espaço está lá em muitos momentos de pressing e, sobretudo, naqueles escassos segundos que demora a definir-se entre a contenção e a pressão. Claro que Kovac tem tempo para corrigir essas falhas, mas o problema está há muito enraizado.

Depois de uma lesão longa, Neuer está de volta para voltar a ser o guarda-redes-líbero que o caracterizou. 

Bolas paradas defensivas

Posicionamento alto nos livres, num registo de continuidade em relação à época passada.
Marcação zonal nos cantos.

O Bayern deixa o seu último bloco altíssimo nos livres indiretos laterais e frontais contra, com regresso rápido à pequena área e marcação mista. Além de poder explorar o fora de jogo, o conjunto germânico baixa rapidamente em conjunto, mantendo a superioridade numérica e conseguindo ganhar os duelos individuais.

Já no que diz respeito aos pontapés de canto, o bloco é naturalmente mais baixo, com marcação à zona, pronto não só a atacar a bola quando cai ao primeiro poste, mas também a cobrir toda a largura da baliza.

Onzes utilizados:

Taça da Alemanha
Drochtersen/Assel-Bayern, 0-1
[4x3x3] Neuer; Kimmich, Boateng, Hummels (Goretzka, 53) e Rafinha; Thomas Müller (Tolisso, 86), Javi Martínez e Thiago; Robben (Coman, 52), Lewandowski e Ribéry
Golo: Lewansdowski (assistência: Goretzka), 81

Bundesliga, 1ª
Bayern-Hoffenheim, 3-1
[4x3x3] Neuer; Kimmich, Sülle, Boateng e Alaba; Thomas Müller, Javi Martínez (Goretzka, 67) e Thiago; Coman (Robben, 45), Lewandowski e Ribéry (James Rodríguez, 83)
Golos: Müller (assistência: Kimmich), 23; Lewandowski gp, 82; e Robben (assistência: Müller), 90
[Golo sofrido: Szalai, 57]
Ausentes: Gnabry (lesionado)

Bundesliga, 2ª
Estugarda-Bayern, 0-3
[4x3x3] Neuer; Kimmich, Boateng, Hummels e Alaba; Thomas Müller (Tolisso, 80), Thiago e Goretzka; Robben (James Rodríguez, 77), Lewandowski e Ribéry (Gnabry, 77)
Golos: Goretzka (assistência: Müller), 37; Lewandowski (assistência: Goretzka), 63; Müller (assistência: Lewandowski), 76
Ausentes: Coman (lesionado)

Bundesliga, 3ª
Bayern-Bayer Leverkusen, 3-1
[4x3x3] Neuer; Kimmich, Sülle, Boateng e Rafinha (Alaba, 82); Müller, Thiago e Tolisso (James Rodríguez, 42); Robben, Lewandowski e Gnabry (Javi Martínez, 59)
Golos: Tolisso, 10; Robben, 19; James Rodríguez (assistência: Thiago), 89
[Golo sofrido: Wendell, 5)
Ausentes: Coman (lesionado)

Equipa-tipo:

Um plantel que parece pouco profundo, mas o esquema não leva em conta que Rafinha poderá substituir Alaba à esquerda, quando recuperar da lesão contraída no último fim de semana, e que Javi Martínez também pode recuar para o eixo defensivo.