A decisão desta terça-feira da secção profissional do Conselho de Disciplina da FPF («herdeiro» da Comissão Disciplinar da Liga, órgão de primeira instância que havia feito as condenações do Apito Final em 2008) de absolver Pinto da Costa e os árbitros do FC Porto-Estrela da Amadora de 2003/04 decorre da inconstitucionalidade do uso de escutas em processo desportivo.

As escutas foram meio de prova crucial para as condenações, mas logo na altura, a defesa de Pinto da Costa avançou com pareceres que apontavam para a ilegalidade dessa utilização em instância desportiva.

«A nossa Constituição da República proíbe de forma cortante e absoluta as escutas telefónicas fora do processo criminal», referia, ao «Público», Costa Andrade, professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e autor de um dos quatro pareceres que, logo em 2008, a defesa do presidente do FC Porto apresentou, no sentido de contestar a utilização de escutas na justiça desportiva.

Esses quatro pareceres foram enviados, em 2008, para o Conselho de Justiça da FPF e para o Ministério Público.

Seis anos depois, essa tese de impossibilidade de transposição de escutas recolhidas em processo penal para instância exterior ao processo criminal teve colhimento. E a primeira instância desportiva, agora a secção profissional do Conselho de Disciplina da FPF, teve que reapreciar a acusação, sem as escutas.

O comunicado desta terça-feira aponta para que, sem escutas, essas acusações passaram a ser «não provados», sendo os arguidos absolvidos do processo disciplinar.

Em declarações ao
Maisfutebol, José Manuel Meirim, especialista em Direito Desportivo, lembra que «esta leitura de não se poderem utilizar escutas na justiça desportiva vai ao encontro de interpretações já apontadas pelo Supremo Tribunal Administrativo» e decorre dos pareceres apresentados pela defesa do presidente do FC Porto.

«Sem escutas, a acusação ficou muito mais difícil de provar e o que a primeira instância vem agora dizer é que, com as provas que passou a ter (testemunhas e outro tipo de provas que possa haver sem ser escutas), deu como não provadas as acusações», especificou Meirim.

Sobre eventuais consequências, o especialista em Direito Desportivo é prudente: «Tendo havido uma multa de dez mil euros, poderá haver o pedido de devolução do dinheiro».

Quanto a danos de outro tipo, será mais difícil provar a extensão dos mesmos determinar o valor de uma eventual indemnização. A verdade é que Pinto da Costa já cumpriu suspensão desportiva de dois anos, como dirigente.

Há cerca de quatro meses, o CJ da FPF fez «baixar» à primeira instância a reapreciação deste jogo FC Porto-Estrela de 2003/04, retirando as escutas como meio de prova. 

Não é provável que haja recurso destas absolvições, sendo que quem acusou na altura (a CD da Liga então liderada por Ricardo Costa) já não está em funções e houve, entretanto, alterações na organização da justiça desportiva, com a primeira instância a estar agora na FPF e com a Liga a ter criado uma Comissão de Instrução e Inquéritos).

É caso para perguntar: e agora?