Mais longe e mais alto é uma rubrica do Maisfutebol que olha para atletas e modalidades além do futebol. Histórias de esforço, superação, de sucessos e dificuldades.

Carol Henrique trocou o Brasil por Portugal e é, hoje em dia, uma das melhores surfistas do nosso país: é bicampeã nacional e sagrou-se recentemente campeã europeia. 
 
Fala com sotaque brasileiro e tem dupla-nacionalidade, mas sente-se portuguesa. Tem 22 anos, vive há quatro em solo luso, tem Cascais como morada e é no Guincho que passa a maior parte do tempo. 
 
Carol Henrique veio «atrás» do irmão mais velho e depois dela toda a família se mudou. É em Portugal que se sente bem e não se coíbe de dizer: «A tua nação é onde está o teu coração.»
 
O dela está, claramente, em Portugal. E são as cores nacionais que tem levado (e elevado) um pouco por todo o lado quando se coloca em cima da prancha.
 
Poucos dias depois de conquistar na Noruega o título europeu a surfista esteve à conversa com o Maisfutebol, falou da modalidade e dos objetivos que tem pela frente: o maior, chegar ao circuito mundial de surf no qual nunca nenhuma portuguesa competiu.

O surf entrou na vida de Carol Henrique muito cedo, mas só passou a ser «coisa séria» quando se mudou para Portugal e por influência do tal irmão mais velho, o Pedro - também ele surfista

«O meu irmão veio muito por causa do kitesurf e animou-me a vir. Como eu já fazia umas ondas, disse-me para vir e eu vim. Não conhecia nada, o que conhecia de Portugal era o que ele dizia ou o que o meu pai falava», disse, revelando que a ligação a Portugal é também sanguínea - o avô paterno é dos lados da Serra da Estrela.
 
Em quatro anos muita coisa mudou e para melhor: «Aconteceu tudo muito rápido e super fácil e tranquilo. Adorei tudo em Portugal e sobretudo as praias. No primeiro ano senti muito frio, mas habituei-me bem. Comecei a competir e tudo surgiu naturalmente.»
 
Como nunca tinha competido pelo Brasil e como tinha dupla-nacionalidade, seguiu também nesse capítulo os passos do irmão: começou a vestir as cores de Portugal. É o exemplo de Pedro que Carol segue, desde sempre. 
 
«A minha diferença de idade para o Pedro é de 13 anos, então sempre olhei para ele com o olhar orgulhoso da irmã mais nova. Olhava para ele e para o que ele fazia. Admirava muito essa parte profissional dele. Ajudou-me sempre e agora partilhamos vários momentos. Torcemos ambos um pelo outro e admiramo-nos mutuamente», acrescentou, recordando que ainda agora no Eurosurf 2017 ambos fizeram parte da comitiva portuguesa.

«Não treinamos, mas surfamos juntos e temos estado juntos em algumas prova. Ainda agora ganhámos o título europeu. Ganhamos os dois. Foi algo inédito e incrível, como já tinha sido quando fomos ambos campeões nacionais. É bom e dá outra motivação.»

Carol (na fila de baixo, segunda à direita) e o irmão Pedro (na fila de baixo, segundo à esquerda) com outros surfistas portugueses no Eurosurf 2017.

«O mar tornou-me naquilo que sou hoje»

Como já referido, só há quatro anos é que Carol Henrique leva o mar mais a sério, mas a ligação é longa. «Ui, muito longa mesmo. A minha família é muito ligada à praia e ao mar. Comecei no surf aos seis anos e nunca mais abandonei.»

Hoje em dia, pelo que trabalhou nos últimos anos, é profissional e a dedicação é total. «Terminei o secundário, não segui para a universidade e a minha profissão é o surf. Decidi apostar na minha carreira, que está a ir muito bem, e é ao surf que me dedico a 100 por cento», esclareceu.
 
O dia a dia é por isso passado no mar, até para se encontrar: «Acordo a pensar no mar e nas condições e tento ir todos os dias, mas se está feio faço outros desportos. Gosto de ir ao ginásio, mas para mim o mar é tudo. É, para além do sítio onde trabalho, onde sinto paz. Lá esqueço-me dos problemas e de tudo. Quando estou chateada ou aborrecida vou para o mar e fico tranquila.»
 
«O mar tornou-me naquilo sou hoje. Não me imagino sem fazer surf. Mesmo quando deixar de competir vou certamente continuar a praticar e quando tiver a minha família quero que todos pratiquem», acrescentou ainda, sublinhando: «Para mim o surf é alegria.» 

WCT, o sonho: «Nunca nenhuma portuguesa entrou»
 
Atualmente na 24.ª posição do ranking, a luso-brasileira tem o circuito mundial - WCT - como meta. «É o objetivo que me resta. Há muitas miúdas com potencial, mas acredito que se continuar a treinar e a trabalhar bem consigo lá chegar. É o que espero em 2018», revelou, sublinhando a confiança e as possibilidades: «Sinto-me confortável e estou a ganhar espaço na modalidade. Por isso, acho que pode acontecer naturalmente.»
 
«É o meu sonho, espero lá chegar. Nunca nenhuma portuguesa entrou e sei perfeitamente que não é fácil, mas vou continuar a trabalhar», frisou.
 
O percurso até aqui também não foi fácil, mas a aposta foi total: em termos físicos e também psicológicos. Atleta de alta competição, Carol Henrique admitiu que, para além do treinador, trabalha também com uma psicóloga porque não é só a condição física que ganha títulos.
 
«A parte física é importante, mas a mental também. Muito. Muitos dos títulos que consegui foi graças ao trabalho com a minha psicóloga,. Sem dúvida que muito do trabalho é mental», disse.
 
Por trás, tem também a família que a apoia incondicionalmente e que a tem ajudado a superar e a contornar a falta de patrocínios tão habitual nas modalidades em Portugal. 
 
«Vivo com os meus pais, o que ajuda muito. Se não fosse a ajuda deles, não conseguia. Tenho patrocinadores que me dão suporte, mas não o suficiente para ir a todas as etapas», revelou, dando conta das dificuldades que a fazem ter de se esforçar a dobrar.
 
«Este ano não fui a algumas etapas por falta de dinheiro. Tenho sempre de planear tudo muito bem, ver as mais importantes e procurar um bom resultado naquelas em que consigo ir», disse, mais uma vez mostrando que não baixa os braços: «Tenho pensamento positivo.»
 
No entanto, Carol Henrique conta com alguns patrocinados e tem assistido a melhorias: «As coisas têm melhorado, a nível geral e pessoal. Em 2018 espero ter outra estrutura e conseguir ir a todas as etapas; ter um apoio idêntico ao dos australianos e assim.»
 
«Agora, enquanto as condições são estas, tento unir forças, planear aquilo que posso e com as minhas qualidades dar o meu melhor», referiu, manifestando-se satisfeita por ver que «nos últimos anos o surf tem crescido em Portugal e isso é bom para todos».
 
«O Frederico Morais, por exemplo, tem feito um grande trabalho e ajudado a que as empresas olhem para nós de maneira diferente. Mas se há dificuldades no surf masculino, no feminino há mais ainda. A nós cabe-nos superar isso, dar o nosso melhor e tentar atrair os outros.»