Fuleco é a mascote do Mundial 2014, mas não é só isso. Na verdade, Fuleco é um boneco inspirado num animal indígena do Brasil, o tatu-bola. Fez todo o sentido. O tatu-bola chama-se assim porque tem uma caraterística particular: enrola-se como uma bola, num mecanismo de defesa. Quando a FIFA escolheu para mascote um tatu-bola, anunciou que a decisão fazia parte de uma preocupação ambiental e ecológica que era «chave» para a Copa do Brasil. Até o nome apelava a essa ideia. Escolhido entre três opções, Fuleco é uma mistura das palavras futebol e ecologia. E então? Então, nada. Quem luta no Brasil pela preservação do tatu-bola, uma espécie ameaçada, fala em oportunidade perdida.

Antes de aparecer a FIFA, já havia quem quisesse colocar o tatu-bola no mapa, para avisar o Brasil e o mundo que esta é uma espécie em risco. A IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza) classifica-a como vulnerável e em processo de reavaliação, estimando que tenha perdido 30 por cento da sua população na última década. 
  

A ONG brasileira Associação Caatinga é a principal dinamizadora da luta pela preservação da espécie. Rodrigo Castro, secretário-geral da Associação Caatinga, explica ao Maisfutebol o que está em causa. «O tatu-bola está em situação bastante crítica. É uma espécie ameaçada. Se a situação se continuar a deteriorar como hoje, em menos de 50 anos o animal vai estar extinto», estima.

O problema tem várias causas. A primeira, diz, é «perda de habitat». «O tatu-bola vive na caatinga, o nome que se dá no Brasil aos bosques secos tropicais. No Nordeste brasileiro, a área de caatinga sofreu um desmatamento superior a 60 por cento. Perdeu mais de metade», explica: «A segunda razão é a caça predatória. Hoje continua a existir caça e já não é para alimentação de quem caça, visa comercializar a carne. É uma carne que se come.»  

O mecanismo de defesa do tatu-bola funciona contra predadores, mas não contra o homem. «Pelas suas caraterísticas, é um animal fácil de caçar. Quando se sente ameaçado ele fica estático, é então que se fecha numa bola. É fácil de capturar», observa Rodrigo Castro.

A Caatinga esteve em conversações com a FIFA para que o organismo contribuísse para um projeto a 10 anos que pretende travar a tendência, mas nunca recebeu um dólar. Não houve acordo. Rodrigo Castro conta como tudo começou.

«No início de 2012 fizemos uma campanha nas redes sociais sobre o tatu-bola. Ela tornou-se viral, teve enorme sucesso, e essa repercussão motivou-nos a fazer uma proposta concreta junto da FIFA para que o tatu-bola fosse adotado como mascote da Copa. A FIFA não respondeu.»

Mas foi mesmo essa a escolha da FIFA. «Depois soubemos que o tatu-bola tinha sido escolhido. Fizemos a proposta em fevereiro, em setembro do mesmo ano foi oficializado o tatu-bola, já com uma proposta visual, feita por uma agência de São Paulo», conta Rodrigo Castro.

A Caatinga não desistiu. E aproveitou a presença no Brasil do secretário-geral da FIFA, Jerome Valcke, para voltar à carga: «Temos um projeto a 10 anos para tentar inverter o risco de extinção e convidámos a Copa do Mundo para participar desse projeto. No início tivemos resposta, tivemos uma reunião no Brasil com o secretário-geral, Jerome Valcke, em janeiro de 2013. Ele delegou no diretor de responsabilidade social corporativa da FIFA, Federico Addieche, para ver as possibilidades de apoio. Passaram 16 meses até 9 de junho, quando recebemos um telefonema a dizer que identificaram uma oportunidade de apoio, que não era fácil, porque não tinham muito dinheiro, e que ofereciam 300 mil reais (cerca de 100 mil euros).»

«Tivemos 48 horas para decidir», prossegue: «Discutimos o assunto com o nosso conselho, as instituições nossas parceiras. No dia 11 respondemos, dizendo: «Agradecemos, porém não podemos aceitar. É tímido de mais para fazer qualquer tipo de impacto.»

Recusaram, por acharem que a FIFA não estava a contribuir o suficiente para compensar o retorno positivo que iria ter por se associar a uma causa como esta: «A sociedade poderia ficar com a ideia errada de que a FIFA estava a ajudar à preservação do tatu-bola, sem que estivesse a dar um apoio significativo.»

«Eles ficaram surpreendidos», conta Rodrigo Castro: «Como podem não aceitar? Ficaram um pouco chateados, jamais poderiam imaginar. Não têm recebido muitos nãos. E então disseram que a negociação se encerrava por ali.»

A Caatinga queria mais: «O que pretendíamos era no mínimo 15 por cento do orçamento do projeto, 1,4 milhões de dólares (cerca de um milhão de euros) em 10 anos. Uma verba que possa ajudar de forma concreta e definitiva um projeto que é profundo e tem várias frentes.» E fez uma contra-proposta: «Solicitámos que levassem o assunto a uma instância superior dentro da FIFA, após a Copa, depois de feita a avaliação financeira dos lucros da Copa. As estimativas são que os lucros vão de três a cinco mil milhões de dólares. Se a FIFA vai ter tanto retorno, aproveitando a imagem do tatu-bola, não é justo para o tatu e para a natureza que não haja apoio da Copa. Assim fica unilateral.»

A FIFA tem dado respostas vagas sobre este assunto, quando questionada. Há uma semana, Federico Addieche confirmou que houve conversações com uma ONG, que não nomeou. «Infelizmente, apesar da nossa intenção, não houve interesse da outra parte em colaborar connosco», disse, defendendo que a FIFA recebe «centenas de pedidos» deste tipo e não pode responder a todos: «Apesar de ser uma organização rica e de o Mundial gerar muitos recursos, eles não são ilimitados. Temos de tomar decisões para os investir da melhor forma.» 

O Fuleco foi amplamente utilizado pela FIFA em ações promocionais antes do Mundial. Esteve na gala da Bola de Ouro que consagrou Cristiano Ronaldo, esteve no sorteio da fase final, tirou fotografias com muita gente famosa. 


Mas, desde o início do Mundial, tem estado mais discreto. Rodrigo Castro acredita que se deveu precisamente ao facto de ter sido tornada pública a polémica em torno da contribuição financeira (ou da falta dela) da FIFA.

«O Fuleco foi retirado da cerimónia de abertura e não apareceu em mais nenhum jogo. Foi reduzida a sua exposição, para que a poeira pudesse assentar», diz, reforçando: «Existia uma animação para cada golo: uma bola girava, explodia, abria-se e era o Fuleco. Não foi utilizada. Foi a forma que encontraram para que as críticas diminuíssem.»

Nos dias que antecederam o Mundial a imagem do Fuleco também foi utilizada em vários dos protestos contra o Mundial que se viram nas ruas do Brasil. O que não foi seguramente boa publicidade para  FIFA.



O Mundial está a acabar e o risco, defendem os ambientalistas, é que, tal como o Brasil, também o Fuleco tenha falhado a sua finalidade na Copa. Se bem que a Caatinga ainda não desistiu. «Na semana passada escrevi uma carta aberta ao presidente Blatter, a dizer que gostávamos que reavaliassem a decisão», diz Rodrigo Castro.  

Ainda sem resposta, resta alguma esperança. Com o tema ecologia associado desde sempre ao Mundial 2014, o ministério do ambiente brasileiro fez este ano um plano mais alargado e estruturado sobre questões ambientais. E contemplou o tatu-bola.

«O plano para preservação do tatu bola foi prioridade. Foi elaborado em maio e a Associação Caatinga participou ativamente», diz Rodrigo Castro, admitindo que «o facto de haver um plano já é graças ao facto de o tatu bola ser mascote da Copa». Mas continuam a faltar fundos. E por aí o Fuleco não ajudou.

«O próprio Fuleco não explorou o lado dele como representante da espécie, não fez chegar o apelo necessário ao mundo através do futebol. Perdeu a oportunidade. A própria FIFA quis apresentá-lo como embaixador de questões ambientais. Mas foi muito mais promocional do que efetivamente educativo e ambiental. Isso é dececionante. Foi só discurso, foi só no papel», lamenta Rodrigo Castro: «O que é que o Fuleco fez pelo tatu-bola? Nada. Isso não é ético, não é moral, não é justo.»