O 10 sempre foi mais do que um número, um dorsal, mais até do que uma posição em campo. O 10 era o craque, o líder incontornável do ataque. Criador e, muitas vezes, também finalizador. No passado, muitas vezes o 10 era o 10, outras camuflava-se noutros números. «Os 10 e os deuses» recupera semanalmente a história destes grandes jogadores do futebol mundial. Porque não queremos que desapareçam de vez. 

Maradona é o 10 dos 10, o maior inter pares.

Um dez único, tão único que a sua adoração muitas vezes se confunde e mistura-se com religião. Diez vira D10S sem dar espaço a qualquer tipo de acusação de heresia, porque quem o viu jogar é obrigado a admitir a comparação.

O barrilete cósmico – como lhe chamou o uruguaio Victor Hugo Morales, fosse por embirração com Menotti ou apenas pura poesia exacerbada por uma voz a recuperar a força depois de ter deixado de fumar – que rasgou ao meio esse México-86 deixou um rasto indelével.

O que surpreende no «cometa cósmico» de Morales é… tudo. Sobretudo, a capacidade de Diego chegar sempre primeiro ao duelo e escapar-se. O resto é história.

O pé esquerdo fabuloso a açucarar todos os passes, a visão periférica incomparável e o talento inato para num dia tranquilo no escritório acertar uma ou duas decisões praticamente impossíveis, fosse um drible, um tiro do meio-campo ou um livre direto ao ângulo.

Depois de Argentinos Juniors e Boca Juniors, o Barcelona bateu recorde de transferência para contratar o Pelusa.

Encadeava adversários na mesma finta e corria como um louco, estivesse ainda nas calles de Villa Fiorito, na sua Bombonera ou em Camp Nou. Só parava com o golo e os abraços daqueles que levava às costas.

Exagero. Paravam-no, às vezes, mas em falta. Gentile e Goykoetxea cavaram trincheiras e não olharam a meios, protegidos pela complacência dos árbitros. O carniceiro de Bilbau, depois de já ter atirado Schuster para o estaleiro, partiu-lhe a perna com uma entrada assassina. Foi em parte por culpa desse ato criminoso que não vingou no Barcelona, ao reagir a nova entrada meses depois e a espoletar uma batalha campal na final da Taça do Rei, com o monarca a ver.

Chega a Nápoles, e torna-se bandeira de uma guerra Norte-Sul. Uma guerra surda, assente na luta do povo sulista contra o poderio económico e industrial de Turim e Milão, no norte. Incendeia o San Paolo e leva os Partenopei a dois scudetti, os primeiros da história napolitana. Os festejos são loucos, faz-se nas ruas o funeral à Juventus.

Génio à solta no México, levou a Argentina ao segundo título mundial.

Depois do fracasso de 1982, é no México que El Pibe d’Oro é coroado melhor do mundo. Nos quartos-de-final, mostra ao mundo os seus dois lados, o de demónio, com a famosa Mano de Dios, e o de anjo, com o Golo do Século, em que em 55 metros e com 11 toques com o pé esquerdo na bola deixa para trás Beardsley, Hodge, Reid, Butcher e Fenwick, antes de fintar Shilton e vingar definitivamente a Argentina da Guerra das Malvinas, que marcara o país quatro anos antes. O barrilete cósmico

Ahí la tiene Maradona, lo marcan dos, pisa la pelota Maradona, arranca por la derecha el genio del fútbol mundial, deja el tendal y va a tocar para Burruchaga... ¡Siempre Maradona! ¡Genio! ¡Genio! ¡Genio! Ta-ta-ta-ta-ta-ta-ta-ta... Gooooool... Gooooool... ¡Quiero llorar! ¡Dios Santo, viva el fútbol! ¡Golaaazooo! ¡Diegoooool! ¡Maradona! Es para llorar, perdónenme... Maradona, en una corrida memorable, en la jugada de todos los tiempos... Barrilete cósmico... ¿De qué planeta viniste para dejar en el camino a tanto inglés, para que el país sea un puño apretado gritando por Argentina? Argentina 2 - Inglaterra 0. Diegol, Diegol, Diego Armando Maradona... Gracias Dios, por el fútbol, por Maradona, por estas lágrimas, por este Argentina 2 - Inglaterra 0.

Seguir-se-iam dois golos à Bélgica nas meias-finais e a assistência para Burruchaga no 3-2 decisivo no Azteca frente à Alemanha. O futebol tinha sempre o seu rei. Um rei controverso, mas rei.

Além dos dois títulos e dois segundos lugares, Diego ainda carrega o Nápoles à vitória na Taça UEFA e na Supertaça italiana. Paralelamente, o clube fechava os olhos e aguentava as excentricidades do seu mágico, nomeadamente a dependência da cocaína, que terá começado ainda em Barcelona.

Em 1990, a Argentina cai na final frente à Alemanha.

Depois de mais um Mundial em que leva um Argentina desta vez híper-defensiva e com um guarda-redes inspirados no penáltis (Goycoechea) a nova final com a Alemanha (desta vez perdida) e da primeira suspensão por 15 meses por um controlo positivo em 1991, Maradona deixa Nápoles e fica um ano em Sevilha.

Segue-se o Newell’s Old Boys, e dois bons jogos no Mundial 1994 até ser expulso, por novo controlo positivo, desta vez com efedrina. A queda era já total. No seu Boca, já a lutar cada vez mais com o excesso de peso, já é para a despedida.

A imagem forte de Maradona no Mundial 1994, depois de marcar à Grécia. Seria uma das últimas nos Estados Unidos.

Claramente inimigo de si próprio, Diego conseguirá sobreviver à desgraça e aos problemas de saúde posteriores ao fim da carreira, e diluir de certa forma um pouco a imagem negativa que se colou aos últimos momentos em campo.

Absolutamente genial enquanto não se deixou escorregar de vez para a dependência, Maradona é para muitos o melhor de todos os tempos. Um barrilete cósmico que varreu para sempre a face do futebol.

Trinta minutos de pura magia:

Football’s Greatest: Maradona

Diego Armando Maradona
30 de outubro de 1960

1976-80, Argentinos Juniors, 167 jogos, 116 golos
1981, Boca Juniors, 40 jogos, 28 golos
1982-84, Barcelona, 58 jogos, 38 golos
1984-91, Nápoles, 259 jogos, 115 golos
1992/93, Sevilha, 29 jogos, 8 golos
1993/94, Newell's Old Boys, 5 jogos, 0 golos
1995-98, Boca Juniors, 71 jogos, 35 golos

Argentina, 91 jogos, 34 golos

1 Campeonato do Mundo (Argentina, 1986)
1 vice-campeão mundial (Argentina, 1990)
1 Campeonato do Mundo sub-20 (1979)

1 Taça UEFA (Nápoles, 1988-89)
1 Campeonato argentino (Boca Juniors, 1981 Metropolitano)
1 Taça do Rei (Barcelona, 1983)
1 Supertaça de Espanha (Barcelona, 1983)
2 Campeonatos italianos (Nápoles, 1986-87 e 1989–90)
1 Taça de Itália (Nápoles, 1986-87)
1 Supertaça italiana (Nápoles, 1990)

Alguns títulos individuais:

FIFA Player of the Century (jogador do século): 2000
FIFA Golo do Século (segundo golo à Inglaterra nos quartos de final do Mundial 1986): 2002
Melhor marcador argentino (1978 Metropolitano, 1979 Metropolitano, 1979 Nacional, 1980 Metropolitano, 1980 Nacional)
Melhor jogador do Mundial sub-20 (1979)
Bota de prata (2º melhor marcador) no Mundial sub-20 (1979)
World Player of the Year (Guerin Sportivo, 1979)
Ballon d'Or: 1986, 1990
Ballon d'Or por serviços prestados ao futebol (France Football): 1996
Jogador sul-americano do ano (1979 e 1980) 
Guerin d'Oro (Melhor jogador da Serie A, 1985)
FIFA World Cup Golden Ball (Melhor jogador do Mundial): 1986
FIFA World Cup Bronze Ball (3º melhor jogador): 1990
FIFA World Cup Silver Shoe (2º melhor marcador) do Mundial: 1986
L'Équipe Champion of Champions: 1986
Melhor marcador da Serie A (1987-88)
Onze d'Or (melhor jogador do ano para a Onze Mondial): 1994
Melhor marcador da história do Nápoles

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