O 10 sempre foi mais do que um número, um dorsal, mais até do que uma posição em campo. O 10 era o craque, o líder incontornável do ataque. Criador e, muitas vezes, também finalizador. No passado, muitas vezes o 10 era o 10, outras camuflava-se noutros números. «Os 10 e os deuses» recupera semanalmente a história destes grandes jogadores do futebol mundial. Porque não queremos que desapareçam de vez. 

O Dez português. O melhor que Portugal ofereceu ao Mundo. Dos mais elegantes que o planeta se deliciou a ver, a elogiar, a apreciar pelo talento, mas também pelo resto do embrulho: a humildade, a simpatia e o profissionalismo exemplar.

Marca O penálti no desempate com o Brasil numa Luz sobrelotada, que vê também aquele chapéu mágico, mágico, ao irlandês Alan Kelly. Um keeper que certamente trocaria aquele momento por uma pint no bar mais próximo. O apuramento para o Euro-1996 naquele pontapé açucarado.

Depois, a nova Luz, em 2004, com o golo de raiva, exacerbado pelas críticas e pela titularidade perdida na viragem de Scolari na direcção das ideias de Mourinho. Phil Neville a ficar para trás, Calamity James fuzilado e Eriksson a recostar-se, a esvaziar a pressão pela boca num suspiro, empurrado pelo peso da história. Os penáltis, com luvas e sem luvas, fariam o resto.

Florença viu os melhores momentos do fantasista português.

Fafe, por empréstimo, antes do Benfica. O Benfica de Eriksson e Toni, que o sente a crescer. A transferência falhada para o Barcelona, a saída mais tarde para a Fiorentina a troco de 1,2 milhões de contos – hoje seis milhões de euros –, uma pequena fortuna então.

A Florença berço do Renascimento. Uma Florença monumental. O vermelho torna-se violeta, e a flor-de-lis de gules desabrocha-lhe no peito. É numa das cidades mais bonitas do mundo que o seu futebol rendilhado encanta, tornando-se o lançador preferido da explosão de Gabriel Batistuta. Batigol, cobiçado por meio mundo, chegou a avisar, golo após golo, que se quisessem que deixasse os viola teriam de levar também o pai Rui Costa.

O drible curto, a tentação pelos túneis em progressão, o remate forte; mas sobretudo aqueles passes de rotura, a bola sempre a encontrar destinatário, incendeiam o mundo Firenze. Dão-lhe manto e cetro, é o Príncipe da cidade, numa sociedade em que estas têm quase peso de pequeno estado. E também um dos monarcas do calcio, rivalizando com Zidane na luta pelo número: o melhor 10 de Itália.

As lesões e o surgimento de Kaká deram um papel diferente a Rui Costa no Milan. 

Regressa à Luz num amigável, marca e chora. Voltará depois e apurará a Fiorentina na UEFA. Trinta e cinco milhões de euros é que paga o Milan para tirar Rui Costa de Florença, onde já não mora Batigol e se sofre também e ainda de mal de finanças. Milão acolherá o novo Dez, mas as lesões e o aparecimento de Kaká retiram-lhe protagonismo. Não o merece, mas aceita o novo papel. O de professor de uma promessa de fora de série, que vai crescendo a olhos vistos.  

«Nas jogadas de Kaká, caro Rui, haverá sempre qualquer coisa de ti.»

É assim que se despedem dele. Os rossoneri deixam sair aquele que descrevem como «poesia em movimento», e Rui Costa traz do Milan os títulos que lhe foram fugindo durante grande parte da carreira: o scudetto e a Liga dos Campeões, pelo menos.

Rescinde a pensar no adeus e regressa à Luz. Não volta a ser campeão, mas despede-se entre os seus. Rui Costa não é o mesmo nem o poderia ser, e por isso voltam as injustiças. Palavras que não merece. Corre, luta, e, por fim, abandona com o estádio de pé a fazer-lhe vénia tão merecida. O bom filho diz adeus, e todos sabem que o jogo acaba nesse instante de ficar mais pobre.

Depois do título mundial sub-20 em Lisboa, Rui Costa não conseguiu mais títulos pela Seleção Nacional.

Todos os golos de Rui Costa na Serie A:

Uma carreira em resumo:

Uma compilação dos melhores passes:

Rui Manuel César Costa
29 de março de 1972

1990-91, Fafe, 38 jogos, 6 golos
1991-94, Benfica, 111 jogos, 19 golos
1994-2001, Fiorentina, 276 jogos, 50 golos
2001-06, Milan, 192 jogos, 11 golos
2006-08, Benfica, 67 jogos, 11 golos

Portugal, 94 jogos, 26 golos

Palmarés:

1 Liga dos Campeões (Milan, 2002-03)
1 Supertaça Europeia (Milan, 2003)
1 campeonato português (Benfica, 1993-94)
1 taça de Portugal (Benfica, 1992-93)
1 campeonato italiano (Milan, 2003-04)
3 taças de Itália (Fiorentina, 1995-96 e 2000-01; Milan, 2002-03)  
2 supertaças de Itália (Fiorentina, 1996; Milan, 2004)
1 campeonato mundial de sub-20 (1991)
1 torneio de Toulon (1992)
Vice-campeão europeu de sub-18 (1990), sub-21 (1994) e AA (2004)

Drible, visão e remate, os principais atributos do Dez português.

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