*Enviado-especial ao Brasil
É possível, e até fácil, ver nesta final traços da anterior, entre Espanha e Holanda. Como há quatro anos, foi um golo na segunda parte do prolongamento a decidir para que lado caía o troféu. Cozinhado por dois suplentes, o grande remate de Götze (112 minutos) deu um desfecho lógico a um grande Mundial, coroando a melhor seleção que passou pelo Brasil. Tal como Messi que, simbolicamente, bateu para fora o último livre do jogo, a Argentina ficou à porta da glória máxima, entre outras coisas por uma comprometedora falta de pontaria em dois momentos-chave. Quanto a esta Alemanha, embora a final não tenha sido a melhor demonstração, deve mais ao futebol latino de passe e circulação do que à sua identidade história. Apesar do abismo de diferenças nos respetivos perfis e identidades, há mais pontos em comum entre os dois últimos campeões do Mundo do que poderia imaginar-se.
A esperada confirmação da baixa de Di María mantinha Enzo Pérez no onze, mas privava a Argentina do seu argumento ofensivo mais direto. Porém, a lesão de Khedira, no aquecimento, nivelou o saldo, desequilibrando o trio virtuoso do meio-campo alemão, que na terça-feira tinha reduzido o Brasil a escombros. Kramer ocupou a vaga, mas pareceu sempre um peixe fora de água, mesmo antes de um choque violento com o ombro de Garay o obrigar a ser substituído, pela meia hora, visivelmente abalado.
Por essa altura, já a Argentina era a melhor equipa em campo. Compacta, com linhas juntas, a seleção de Sabella, organizada em redor de Mascherano, criava sérios problemas à defesa alemã de cada vez que lhe ganhava espaço nas costas. E provava, caso fosse preciso, que o vendaval ofensivo nos 7-1 de Belo Horizonte teve pelo menos tanto de cooperação brasileira como de talento alemão.
Numa noite mais feliz de Higuaín, a Argentina poderia ter ido para o intervalo a ganhar, mas o ponta-de-lança desaproveitou a melhor situação do jogo, aos 20 minutos, rematando ao lado depois de um mau atraso de Kroos o deixar cara a cara com Neuer.
O erro do médio alemão, o melhor jogador da sua equipa na prova, era sintoma de uma invulgar perturbação alemã, como o sublinhavam os primeiros cartões do jogo, mostrados a Schweinsteiger e Howedes. Menos fluida na circulação, com espaços bem tapados, a Alemanha ainda viu Higuaín ter um golo bem anulado por fora de jogo (30 minutos), antes de conseguir endireitar-se no jogo.
Ao lançar Schürrle para a vaga de Kramer, Löw deslocou Özil para o meio e devolveu critério à circulação. Assim, um lance em que Boateng dobrou Neuer e resolveu uma oportunidade inventada por Messi marcou o fim da superioridade argentina: os minutos finais do primeiro tempo trouxeram uma Alemanha mais próxima do seu padrão-FIFA. Uma grande defesa de Romero negou o golo a Schürrle (37 minutos) e mesmo ao cair do pano Höwedes cabeceou ao poste, após canto.
Tudo somado, a Alemanha recuperava um pouco da confiança minada pelos minutos iniciais da Argentina, e o público despedia as equipas com uma ovação merecida, após uma primeira parte tão intensa e equilibrada quanto se pode esperar de uma final.
Reentrar no jogo a murro
Com Aguero no lugar de Lavezzi, o início da segunda parte foi uma reedição dos minutos iniciais: a Argentina voltou a surgir mais confortável e Messi conseguiu aparecer a espaços, como no remate cruzado que roçou o poste esquerdo de Neuer (47 minutos). E se o choque entre Kramer e Garay, na primeira parte, tinha virado uma página no jogo, foi outro lance contundente, aos 56 minutos, a interromper mais esse breve ciclo de domínio sul-americano: Zabaleta lançou Higuaín em profundidade e o avançado do Nápoles, só de olhos na bola, foi atropelado pela saída a soco de Neuer, que o deixou prostrado. O italiano Rizzoli apitou uma inacreditável falta contra a Argentina e a Alemanha aproveitou para reentrar no jogo, a murro.
Por esta altura, o receio de cometer erros começava a pesar de forma decisiva, levando os jogadores a resolver os casos de dúvida da maneira mais direta, sem receio de chutar a bola (e o perigo) para longe. Schweinsteiger, discreto nos jogos mais exuberantes da Alemanha, era agora quem assumia o protagonismo, equivalendo-se a Mascherano num jogo cada vez mais alimentado por duelos, contactos e intensidade física.
Sabella sentiu que o meio-campo estava em risco e, já depois de trocar Higuaín por Palacio, apostou na versão mais conservadora, lançando Gago na vaga de Enzo Pérez para completar o «trivote». Löw respondia trocando Klose, um ponta-de-lança clássico, pela mobilidade de Götze, numa altura em que a Alemanha, com mais um dia de repouso e sem prolongamentos, parecia mais fresca para o inevitável prolongamento.
Levado às últimas consequências, o plano conservador de Sabella poderia ter sido recompensado, aos 97 minutos, quando um passe longo de Rojo levou Hummels a falhar o tempo de salto. Palacio, que já tinha falhado uma ocasião clara contra a Holanda, tremeu no frente a frente com Neuer e fez o chapéu para fora.
Era o segundo erro flagrante dos alemães que a Argentina desperdiçava. Para uma final tão equilibrada como esta, parecia demasiado. E era: a oito minutos do fim, aquilo que um suplente argentino não foi capaz de fazer, fizeram-no dois suplentes alemães: Schürrle arrancou em velociade na esquerda, deixando Zabaleta para trás, e descobriu Götze na área. O passe foi bom, mas difícil. A receção no peito, só ao alcance de um craque, deu a Götze o tempo necessário para o remate, em vólei e cruzado, que bateu Romero e escreveu a última linha de um grande Mundial.
Por linhas bem mais acidentadas do que o seu percurso até à final tinha feito supor, a Alemanha garantia assim o quarto título mundial, fazendo justiça à seleção que melhor futebol praticou no Brasil. Mas a Argentina, coerente e fiel a uma ideia nada apaixonante, esticou as suas virtudes até onde não parecia possível – e fica a dever a si própria, e às ocasiões flagrantes perdidas por Higuaín e Palacio, outro desfecho para esta história.