*Enviado-especial ao Brasil

A intensidade com que um Mundial aterra numa cidade é inversamente proporcional ao tempo livre dos voluntários que colaboram com a organização. Em Curitiba, por exemplo, são às centenas, nestes primeiros dias, olhando em volta, como quem garimpa um pretexto para ser útil. Mas talvez o exemplo seja mal escolhido, porque Curitiba, que acolhe os jogos Irão-Nigéria, Honduras-Equador, Austrália-Espanha e Argélia-Rússia, foi claramente a sede que tirou a palhinha mais curta desta Copa, no que diz respeito a emoções fortes, movimentações de adeptos e atenção mediática.

Talvez por isso, Renata, 21 anos, olhe em redor do centro de media, com ar desconsolado, à procura das hordas de jornalistas que não chegam, e de uma ocasião para treinar o inglês. O fato de treino oferecido pela organização, as refeições grátis e a possibilidade de conhecer gente de todo o mundo e participar na experiência levaram-na a fazer os 300 quilómetros que separam Florianópolis de Curitiba, para ficar em casa de uma amiga durante «a Copa». Agora, ao quinto dia, a sua expressão sugere uma leve inquietação, como alguém que descobre não estar inteiramente satisfeito com o carro que acabou de comprar. «Não tem tanto movimento como eu esperava e os jornalistas não pedem muitas informações», lamenta ao de leve.


A fila de espera dos voluntários à entrada do Arena da Baixada

Até lá, continua a cumprir diariamente o ritual da longa fila de espera para a entrada, que partilha com outras centenas de voluntários. Nem todos jovens como ela, mas todos desejosos de participar numa festa que chega a Curitiba na forma de um eco distorcido e distante, reflexo pálido do que se vive à mesma hora no Rio, em Salvador, São Paulo ou Belo Horizonte.

Nas mesas permanentemente vazias de um centro de imprensa sobredimensionado, ou no moto-contínuo de autocarros para os «media» com 50 lugares e apenas dois ou três passageiros, abundam os sinais de desperdício que dominam os protestos de rua. Mesmo aqueles que reúnem apenas três centenas de ativistas, como o de Curitiba, no dia do Irão-Nigéria. Renata, que estuda Ciências da Educação, não tem vocação para ativismo, nem para rejeitar a Copa. E ainda não perdeu a esperança de uma festa mais acesa do que nesta primeira semana: «acredito que vai melhorar, pelo menos quando chegar o jogo da Espanha», diz.

Ao contrário de Renata, o senhor Cláudio já não alimenta esperanças, aos 59 anos. Como boa parte dos taxistas, tem uma visão do mundo assente em grandes certezas – muitas delas esculpidas à força, na manhã de novembro de 2012 em que quatro homens armados assaltaram a joalharia onde trabalhava, no centro de Curitiba. «Levaram 380 mil reais e toda a minha vontade de continuar ali», diz, antes de lançar uma das frases definitivas com que pontua o trajeto até ao aeroporto: «um bandido bom é um bandido morto. Mas temos demasiadas leis que protegem os bandidos. A polícia não pode atirar, não pode bater, e assim fica difícil ser honesto», resume.

Além de o ter feito mudar de profissão, o assalto fê-lo perder a confiança no poderes instituídos: «Jurei que nunca mais votava, mas é preciso votar para mudar alguma coisa. O problema é que o povo não sabe votar», diz, antes de sacar novamente da expressão «bandidos», agora apontada aos políticos.

Não mistura as coisas, porém: a crítica política é uma coisa, o Mundial é outra. Só o reforço de policiamento na cidade já faria o senhor Cláudio ser a favor «da Copa que nos estava prometida desde 1970». «Quando fui assaltado as viaturas estavam paradas por falta de combustível, a polícia só saía à rua quando era chamada. Agora não», compara, antes de lançar uma pergunta: «O senhor ouviu falar no protesto de ontem? Acha que vai mudar alguma coisa protestar agora? É ir em frente, receber bem e fazer bonito», sentencia.

À sugestão de que talvez o objetivo dos protestos seja ter visibilidade e suscitar discussão, a concordância torna-se exaltada: «É isso, eles só querem baderna, e quem quer baderna é bandido». Tento uma curva nova na conversa, antes do corolário inevitável («bandido bom é bandido morto»): o negócio melhorou com o Mundial e a chegada dos turistas? O senhor Cláudio, que já não alimenta esperanças, encolhe os ombros: «Piorou, porque a prefeitura liberou 700 novos táxis nos últimos meses e, na verdade, a Copa não trouxe tanta gente assim. Há uns meses, teve aí um evento da Herbalife que movimentou muito mais a cidade», conclui. A quase 10 mil quilómetros de distância, parece-me ouvir Jules Rimet dar três voltas no túmulo, em Bagneux. Mas não tenho a certeza, porque entretanto o táxi pára no aeroporto e a meia festa de Curitiba começa a ficar para trás.