O Mundial-2014 poderá ficar na história como o que incluiu um impensável 1-7 entre Brasil e Alemanha. Mas a grande história futebolística da prova foi, sem dúvida, a Costa Rica.

Vencer, com sete pontos, o «grupo da morte», perante três campeões do Mundo (Itália, Uruguai e Inglaterra) foi um feito que quase ninguém poderia antecipar para uma seleção da América Central que, antes do Brasil-14, só por uma vez tinha atingido os «oitavos» de um Mundial (Itália-90).

Os «Ticos» foram a grande sensação do Brasil-14: começaram com triunfo sobre o Uruguai (1-3), depois de estarem a perder por 1-0 ao intervalo. Uma grande segunda parte, com Joel Campbell a fazer a exibição de uma vida, operou a reviravolta. Aumentaram a surpresa com triunfo por 1-0, na segunda jornada, sobre a Itália. Chegaram à terceira ronda com o apuramento garantido e ainda selaram o primeiro lugar no grupo com um 0-0 diante de uma Inglaterra já eliminada.

Nos «oitavos» a Costa Rica deixou pelo caminho a Grécia de Fernando Santos (1-1 no prolongamento, vitória nos penalties) e nos «quartos» ainda obrigaram a Holanda ao desempate pelo mesmo método.

Bryan Ruiz, o capitão, foi um dos elementos em destaque. Joel Campbell brilhou na tal segunda parte com o Uruguai. Tejeda, Umaña, Bolaños ou Gamboa foram outros elementos importantes. E, claro, Keylor Navas, um dos melhores guarda-redes de um Mundial, todo ele, de grandes guarda-redes. 

Mas a cabeça do sucesso costa-riquenho, o mentor de uma equipa organizada, sólida a defender, equilibrada naquele 3x5x2, foi o seu selecionador.

Jorge Luis Pinto, 61 anos, colombiano, é selecionador da Costa Rica pela segunda vez, depois de uma primeira experiência em 2003-04. Treinador há 30 anos seguidos, já orientou clubes na Colômbia, Venezuela, Equador e Costa Rica, além de ter orientado a seleção «cafetera» em 2007 e 2008.

Em grande entrevista ao Maisfutebol, fala de tudo: do segredo do sucesso costa-riquenho, dos momentos-chave, dos adversários, até da Alemanha campeã e do que pode ter falhado em Portugal.

Uma entrevista para ler com tempo, com uma das grandes figuras deste Mundial, apenas nove dias depois do fim do Brasil-14.


Qual foi o segredo da Costa Rica neste Mundial?
Ter qualidade, claro. Mas isso todas as equipas que estiveram no Brasil tinham... Creio que o essencial foi a organização. A chave esteve na organização. Nunca a perdemos, mesmo quando chegámos ao intervalo do encontro com o Uruguai a perder por 0-1. Sabíamos que tínhamos feito uma boa preparação. Sabíamos o que valíamos. Foi fundamental nunca termos perdido essa noção. Tivemos sempre organização, soubemos sempre o que devíamos fazer nos diferentes momentos. Não nos assustámos com o nome dos adversários, não sentimos o peso da camisola adversária, mas respeitámos sempre quem tivemos pela frente. E, sobretudo, respeitámos o nosso próprio trabalho. Queríamos fazer um grande Mundial e tivemos sempre a ideia de que isso estava ao nosso alcance.


Quando o sorteio ditou a Costa Rica no «grupo da morte» quase todos sentenciaram a sua seleção como o... patinho feio. Isso não vos assustou?

Não, pelo contrário. Foi um desafio para nós. Preparámos muito bem esta prova. E, como disse, não sentimos em demasia o peso da camisola dos adversários, por muito respeitáveis que eles fosses. E eram!


Fizeram cinco jogos com cinco grandes seleções. Não perderam uma única vez, só caíram nas grandes penalidades com a Holanda. Como é que isso foi possível para uma seleção com as limitações da Costa Rica?

Com trabalho, com organização, com planeamento. Chegámos ao Brasil com uma tática trabalhada, com soluções, com uma estratégia. Acreditámos nisso e fomos com tudo isto até ao fim. Com as nossas ideias e com o nosso trabalho.


Quando chegaram ao intervalo do primeiro jogo, com o Uruguai, a perder 0-1, o que disse aos jogadores no balneário?
Disse-lhes para não perderem a organização. Para continuarem o bom trabalho que estavam a fazer. Com todo o respeito pelo Uruguai, via que eles se iam cansar na segunda parte. Fisicamente, nós estávamos melhor. E demos mesmo a volta...


«Não nos menosprezaram, mas foram surpreendidos»

Terão beneficiado, de algum modo, de uma certa descompressão de adversários teoricamente mais poderosos? Será que a Costa Rica apanhou desprevenidos italianos, uruguaios e ingleses?
Talvez... Mas não estou certo disso. Quando defrontámos a Itália, eles já sabiam que nós tínhamos ganho ao Uruguai. Não creio que nos tenham menosprezado. Nunca senti verdadeiramente isso em qualquer dos cinco jogos que fizemos no Brasil. Mas podemos ter surpreendido pela forma como nos apresentámos: sempre coletivos, sempre organizados.


O jogo com a Grécia foi o momento de maior sorte? Temeu não chegar aos penalties depois de ter sofrido o 1-1 e ter que encarar um prolongamento com menos um?
Sim, admito que nesse momento temi pela eliminação no prolongamento. Estávamos a fazer um bom jogo e, mesmo só com 1-0, tínhamos essa eliminatória relativamente controlada. A expulsão mudou tudo. Deu uma força nova ao adversário e quando eles fizeram 1-1 as coisas ficaram complicadas... Mas fomos bravo no prolongamento e, felizmente, passámos nas penalidades. Merecemos chegar aos quartos, foi justo. Queríamos muito aquilo.


Jogar com Uruguai, Itália, Inglaterra, Grécia e Holanda e não perder um único jogo é histórico. Algo que será recordado na história dos Mundiais, tendo em conta o registo e a dimensão da Costa Rica...
Sim, foi muito bom. Mas não caiu do céu, não foi fruto do acaso. Foi até muito natural, diria, porque fizemos uma preparação adequada. Trabalhámos bem os aspetos táticos, a estratégia... Tínhamos uma identidade, sabíamos o que valíamos. E fomos capazes de expressar isso em campo.


Com a Holanda, houve uma fase inicial de forte pressão atacante do seu adversário, mas depois o jogo até foi equilibrado...
Sim, concordo. Houve, no início, um respeito grande dos meus jogadores para com a qualidade da equipa da Holanda. Mas a partir de certa altura, da meia hora talvez, pegámos na bola, fomos aparecendo. Não deixámos que eles nos massacrassem. Sabíamos que a qualquer momento podia haver um golo do Van Persie, tivemos cuidados especiais com isso. Mas tentámos o contra-ataque e houve aquele lance do Ureña, já perto do final do prolongamento, que nos podia ter dado a passagem... Mas enfim, foi um jogo ao nível dos outros que fizemos no Brasil, fiquei muito orgulhoso do desempenho dos meus jogadores.


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Só viu aspetos positivos na equipa neste Mundial, não falhou nada?
Bom, a partir de certo ponto começámos a acusar fadiga, houve momentos do jogo com a Grécia, mas sobretudo da partida com a Holanda em que isso se notou. A partir do minuto 70 do duelo com a Holanda, o prolongamento da Grécia notou-se nas pernas dos meus jogadores. Mas isso é normal.


Em futebol não faz grande sentido fazer-se «história alternativa», mas... como esteve tão perto de ocorrer aqui vai a pergunta: como seria uma meia-final Argentina-Costa Rica?
Ohh, isso seria um sonho. Um sonho lindo! Esteve perto, sim, mas não aconteceu. Iria ser um belo jogo, certamente. Teríamos as nossas hipóteses e o que posso assegurar é que não abdicaríamos dos nossos princípios. 


B.I.
JORGE LUIS PINTO

Nome: Jorge Luis Pinto Afanador
Data de nascimento: 16 de dezembro de 1952 (61 anos)
Naturalidade: San Gil, Santander, Colômbia

Percurso como treinador: Millionarios (1984-85), Santa Fé (1986-87), Union Magdalena (1988-89), Deportivo Cali (1990-91), Santa Fe (1991-93), Union Magdalena (1994-97), Allianza Lima (1997-98), Millionarios (1998-99), Allianza Lima, Peru (1999-2000), Atlético Bucaramanga (2001), Alajualense, Costa Rica (2002-03), Junior Barranquilla (2003-04), Seleção Costa Rica (2003-04), Cúcuta (2006), Seleção Colômbia (2007-08), Cúcuta (2009), El Nacional, Equador (2009), Déportivo Tachira (2010-11), Seleção Costa Rica (2011-até agora) 


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