Há feitos que nunca se apagarão da história do futebol e o bicampeonato mundial de sub-20 que Portugal conquistou em 1991 é um deles.

Depois do «sonho» de Riade em 1989, Carlos Queiroz escalou 16 novos elementos para juntar aos campeões do mundo em título Brassard e João Vieira Pinto e em Lisboa renovou o título mundial nas grandes penalidades frente ao Brasil.´

Rui Costa foi o homem que bateu o penálti decisivo e que levou os 127 mil presentes naquela tarde no «velho» Estádio da Luz à loucura e em seguida o capitão João Vieira Pinto coroou o momento ao levantar a Taça.

Esta foi a geração de Ouro do futebol português, na qual despontavam talentos como o do futuro melhor jogador do mundo, Luís Figo, João Vieira Pinto, Rui Costa, Peixe, Rui Bento, Jorge Costa e também de outros que perderam a carruagem do sucesso como Gil Gomes, Toni Gama ou Luís Miguel.

No dia 30 de junho celebram-se os 25 anos da última grande conquista mundial e o Maisfutebol conversou com alguns dos eleitos pelo selecionador nacional para a competição jogada em solo português, dos mais aos menos utilizados ,e recorda os percursos de cada um e as melhores histórias de um mês de estágio.

Conhece os nomes de Cau, Tó Ferreira e João Oliveira Pinto?

São três dos campeões do mundo que fizeram um percurso em equipas do meio da tabela no futebol português. Para eles, a conquista de Lisboa foi o grande momento da carreira e ainda hoje a imagem da «velhinha» Luz a rebentar pelas costuras é uma das imagens das suas vidas.

Nesse jogo com o Brasil nenhum deles saiu do banco de suplentes, mas viveram o jogo como se estivessem lá dentro. João Oliveira Pinto comentou assim a ausência do «onze» durante a competição: «Gostava de ter jogado mais, mas não houve problema nenhum porque somos todos muito amigos uns dos outros, para além de sermos bons, a grande vantagem era sermos muito amigos uns dos outros.»

Não houve um jogador que não enaltecesse a união do grupo como trunfo do plantel de 1991. «A grande vitória dessa seleção foi a família: tínhamos uma união enorme e conseguimos ter sucesso porque aquilo era uma autêntica família. Todos nos davámos bem, saíamos sempre todos juntos e nunca alguém ficava para trás. Por isso é que tivemos o sucesso que tivemos», atirou o guarda-redes Tó Ferreira.

Naquela segunda metade de junho, essa «família» entrou em campo e não perdeu um único jogo, sofreu apenas um golo e venceu a final nas grandes penalidades. O que as pessoas muitas vezes esquecem é que esta geração esteve presente em todas as finais dos escalões por onde passou: «Na altura tínhamos um grupo que já vinha dos sub-16, jogadores que eram grandes talentos e tivemos sorte na altura de ter bons orientadores como o Carlos Queiróz e o Nelo Vingada e quando é assim o caminho torna-se mais fácil.»

Com uma base de jogadores desta seleção, Portugal venceu o Europeu sub-16 em 1989 frente à Alemanha, esteve na final do Euro sub-18 em 1990 perdida nos penáltis para a União Soviética e conquistou o trono mundial em 1991. Três anos depois, parte desta geração iria estar também na final do Europeu sub-21 em 1994, perdida no prolongamento com a Itália.

Estas presenças sucessivas em finais eram sinónimo de qualidade e João Oliveira Pinto volta a salientar o espírito de grupo: «Éramos quase invencíveis porque éramos muito amigos, isso é muito importante numa equipa. Aquilo não foi só naquele Mundial, passámos juntos dos 16 aos 20 anos com estágios de meses e meses juntos. No campo via-se a qualidade.»

Da esquerda para a direita: Brassard, Rui Costa, João Oliveira Pinto e João Vieira Pinto

Estes três jogadores, juntamente com Luís Miguel, foram os menos utilizados da prova e, como todos sabem, não chegaram ao estatuto de Figo ou Rui Costa. Apesar disso, o orgulho na carreira não falta.

O guardião Tó Ferreira, suplente de Brassard, atirou: «Naquela altura terminei contrato com o FC Porto, e cada um seguiu a sua vida. Estou super contente com aquilo que fiz na minha carreira, uns tiveram sucesso outros menos sucesso, outros assim assim. Todos nos damos bem, vamos falando uns com os outros, isso é o mais importante.»

O guardião representou clubes como o Beira-Mar, o Aves, o Penafiel, Chaves, Famalicão, Sp. Espinho e até o Boavista (2010/11) na fase em que o clube estave nos escalões secundários e não esquece o único jogo que fez na prova, o triunfo frente à Coreia por 1-0.

«O Brassard fez um excelente campeonato, tinha a seu favor uma excelente campanha nas seleções e eu tive a sorte de jogar um jogo. A sorte não, o trabalho. Deram-me uma oportunidade e eu cumpri. Éramos muito bons a nivel defensivo», explicou o agora treinador de guarda-redes da formação do Gil Vicente.

Cau esteve na mesma situação que o guardião após o Mundial, ao romper a ligação com os dragões: «Quando és campeão do mundo esperas que as coisas corram de forma diferente, eu contava ficar no FC Porto. Isso não aconteceu. Tive algumas lesões, mesmo na seleção, e isso condicionou um bocado. Consegui recuperar e fiz uma carreira que me orgulho muito.»

O seu melhor período da carreira foi ao serviço do Leça e do Salgueiros, entre as épocas de 1995 e 1999. Naquele torneio também só enfrentou a Coreia, mas isso não interessa nada.

«Na vida tudo tem o seu tempo e limite. As coisas não acontecem por acaso e quando é assim temos que desfrutar do momento. Foi o momento, foram os jogos que fiz, fui campeão do mundo, representei uma nação e tenho esse orgulho.»

Quanto a João Oliveira Pinto, o tempo de utilização foi diferente destes dois companheiros. Titular com a Coreia e suplente utilizado no primeiro jogo com a Irlanda e nas «meias» com a Austrália, o médio explicou o que não correu tão bem na sua carreira.

«Estive 10 anos na primeira divisão e foi muito bom, as pessoas depois podem é comparar com os outros, é logico... daqueles todos sair um Bola de Ouro foi muito bom, sair jogadores «top mundial» como o Rui Costa foi muito bom», e acrescentou: «Vou ser sincero, ao que eu trabalhava, ao que levava isto a sério... agora arrependo-me. Sinto que devia ter levado isto mais a sério. Foram muitos fatores, devia ter trabalhado mais, isso fazia toda a diferença.»

Depois de sair da formação do Sporting, João Oliveira Pinto passou pelo V.Guimarães, Estoril, Gil Vicente, Sp. Braga, Farense, Marítimo, Académica, Imortal, Amora e Sesimbra. Uma lista enorme de clubes, que tem por base a falta de ambição do jogador.

«Era pouco ambicioso. Assinava por um clube e por mim estava tudo bem. Assinava por dois anos e sabia que estava ali dois anos. Os meus colegas eram ambiciosos, trabalharam para isso, dou-lhes muito mérito. Tenho pena de não poder voltar atrás e não ter levado mais a sério», salientou.

Voltava atrás e fazia tudo diferente, excluindo esta conquista que continua na sua memória como um feito «inesquecível».

A Luz...arrepiava

«Foi giro, faltava uma hora e meia para começar o jogo, eu e o Jorge Costa subimos ao túnel, metemos a cabeça um bocadinho de fora e aquilo já estava completamente cheio, foi indescritível. Foi um choque...estava tanta gente e ainda faltava uma hora e meia. Foi uma emoçao única!», Tó Ferreira.

Eram 127 mil no estádio e foram muitos e muitos os portugueses que naquele dia 30 de junho de 1991 preencheram as ruas de Lisboa e o percurso do hotel até à Luz. À moda do Euro 2004 para os mais novos perceberem melhor.

«Foi uma loucura. Era gente na rua, helicópteros... Aquilo foi vivido de uma forma como nunca em Portugal. Chegar ao estádio a uma hora e meia e ver aquilo lotado...até arrepiava. Foi uma coisa inesquecível. Ainda hoje nos juntamos e falamos desse mundial», recorda João Oliveira Pinto enquanto o também médio Cao é peremptório: «Foi único e em tão pouco tempo não vai haver um estádio com 127 mil numa final de um campeonato do mundo de sub-20. Quando jogamos em casa é sempre aquela vontade, o querer, a "obrigação" de vencer e nós fomos felizes nesse aspeto.»

Quando Rui Costa marcou o penálti decisivo, a Luz passou a ser um vulcão em erupção e todo o país festejou: «Vivemos aquilo intensamente, festejámos, foi uma emoção enorme. Um país inteiro a festejar connosco.»

E o que passa na cabeça de um jovem com menos de 20 anos ao vencer um trofeú desta dimensão? Que tem o mundo a seus pés?

«Aquela seleção estava preparada para o sucesso e se nos recordarmos a maioria dos jogadores conseguiram-no. Uns chegaram mesmo a ser os melhores do mundo, outros fizeram uma carreira bonita. Não vou dizer que uma minoria não teve sorte, porque na vida há altos e baixos, podemos ganhar e perder. Quando há um grupo de trabalho, há gente não vai ter o sucesso a cem por cento. Cada um fez a sua vida, jogamos em vários campeonatos, só temos que estar gratos e elogiar os nossos colegas que conseguiram ir mais além», referiu Cau.

Dos tomates dos argentinos às férias em Ibiza

O Campeonato do Mundo durou 15 dias, mas os jogadores estiveram juntos mais de um mês, incluindo o período de estágio. Dezoito jovens juntos durante tanto tempo é a receita ideal para muitas histórias caricatas.

João Oliveira Pinto conta o que surpreendeu Carlos Queiroz logo nos primeiros dias e Tó Ferreira descreve o que se passou após o triunfo implacável sobre a Argentina por 3-0.

«Quando era para trabalhar era para trabalhar, quando era para brincar era para brincar. Lembro-me que o Queiróz se assustou um bocadinho quando antes de começar o Mundial viu o parque automóvel e os nossos carros e disse: «Com estes carros não vamos lá». Naquela altura já tínhamos bons carros e ele assustou-se.»

«Recordo uma história depois da vitória sobre a Argentina. Estávamos no mesmo hotel que eles, o Penta, e fomos recebidos com tomates por eles. Nós subimos lá cima e eles fugiram todos para o quarto. Fomos todos! O que é certo é que nenhum deles apareceu. Estavam todos borradinhos!», brincou o guardião.

Após a grande conquista os jogadores iniciaram o período de férias, mas como aquilo era «uma segunda família» para eles, João Oliveira Pinto conta o que se passou: «Quando acabou o Mundial fomos nove para Ibiza. Depois de mais de um mês de estágio podia ir cada um para seu lado, mas não. Fomos de férias, 15 dias. Aí se vê o espírito daquela seleção. Éramos realmente uma geração de Ouro.»

E o futuro depois de pendurar as botas?

Os três jogadores continuam ligados ao futebol porque «o bichinho nunca morre», como diz Cau.

O antigo médio luso-caboverdiano (que teve uns problemas com a idade no início do século XXI, tendo sido comprovado que tinha dois anos mais do que o que estava no registo) faz observação de jogos, depois de ter treinado equipas da formação. Esse scouting é feito em part-time e a pedido de amigos, profissionalmente trabalha numa empresa de material hospitalar.

Para além disso já lançou um livro sobre a sua história de vida, onde aborda o tema da sua idade, aspeto que não quis comentar: «Por tudo aquilo que eu fiz no futebol português, não é já no fim da minha carreira que me iam destabilizar, com uma situação menos boa para mim e para o país. Por isso há situações que eu passo ao lado, há coisas que não me interessam.»

Tó Ferreira é treinador de guarda-redes da formação do Gil Vicente, enquanto João Oliveira Pinto trabalha para o Sindicato de Jogadores, depois de já ter estado ligado ao mercado imobiliário.

O jogador formado nos leões deixou a mensagem final e puxou para a geração de 89 e 91 os louros do crescimento do futebol português.

«Foi esta geração que projetou muito Portugal. Estas gerações fizeram parte de Mundiais e Europeus e a seleção nacional podia ter ganho mais títulos... Demos muito nome a Portugal.»

Veja a decisão por grandes penalidades da final do Mundial de sub-20, em 1991.