Lewis Hamilton, em duelo direto com Rosberg, numa corrida de tudo ou nada, conquista o segundo título de campeão de Fórmula 1 da carreira e dou por mim a pensar no tempo em que essa notícia, ou o equivalente, à época, teria real importância para mim – a ponto de me colar ao ecrã, durante a prova, e ser tema de conversa obrigatório, nos dias seguintes. E pergunto-me o que terá mudado mais desde o dia em que Senna bateu na curva Tamburello e eu deixei de me importar: se eu, se a Fórmula Um.

Quase à mesma hora, Federer fecha, com a insolência própria dos imortais, o ponto que dá à Suíça a primeira Taça Davis do seu historial. E, enquanto revejo as repetições, sempre maravilhado como na primeira vez, dou por mim a pensar que, ainda assim, dificilmente aquele será um momento tão marcante e definitivo no meu imaginário como continua a ser «o» golo de Maradona...



ou «o» lançamento de Jordan, que só me chegou mais tarde, mas ainda no tempo certo...



… embora não tenha dúvidas de que, no dia em que Federer pendurar as raquetes, para se dedicar à criação de gémeos, vai ocupar, no meu panteão - literalmente, o local onde se reunem todos os deuses - um lugar na mesa que até agora era exclusivamente ocupada por esses dois.

Depois, penso no novo fascículo de história contemporânea oferecido por Messi, com o hat-trick que lhe permitiu ultrapassar Zarra, como melhor marcador de sempre na Liga espanhola. Vejo as imagens da festa que os seus companheiros de equipa lhe dedicam no final e sorrio com os sorrisos genuínos que partilham, superando todas as coreografias. Mas sinto, novamente, que falta alguma coisa a esse momento. Tal como me acontece a cada um dos recordes que Cristiano Ronaldo fixa sempre que entra em campo - como o deste sábado, com os seus 20 golos em 11 jogos de Liga.



E depois percebo que talvez não seja a esses momentos que falta algo, o mais certo é ser a mim. Faz-me falta a urgência, a angústia de não voltar tão cedo a ver algo assim, de forma tão intensa e tão mágica como no momento em que Maradona «pisó la pelota» e rodou. Faz-me falta a certeza de que aquele é «o» momento, a tensão de não poder pestanejar, para não correr o risco de ter a História a passar-me ao lado – a pequena história, sim, mas a única feita à minha escala, em atualizações regulares.

Desde que me lembro de ver desporto foi sempre isso que procurei: migalhas de eternidade, pequenas coordenadas emocionais que me ajudam a fazer o mapa do crescimento. Algo que me parece cada vez mais difícil de encontrar, com as boxes de gravação, o Youtube e derivados, os clips instantâneos que partilham todos os golos que acontecem à minha volta, mesmo nos jogos que nunca fiz questão de ver. Tudo isso me vai embotando a noção do imediato e me faz perder referências de tempo e espaço - porque tudo é próximo e pode ser revisto já a seguir.

Revejo novamente o ponto de Federer e percebo que é do receio de não voltar a ver uma coisa assim nos próximos anos que mais sinto a falta. Tal como comunicamos e partilhamos experiências agora, estamos definitivamente livres desse perigo - mas não do perigo de banalizar, por repetição, o que devia ser extraordinário. Dessa forma, sem darmos por isso, veremos também a História passar-nos ao lado. Desta vez, num fluxo indistinto de pequenos momentos, sem lastro nem memória: belos, descartáveis, e todos importantes por igual.