Ponto prévio: se, seduzido pelo título, vem cá em busca de novidades sobre José Socrates, pode parar de ler. Aqui vamos abordar outro tipo de trafulhices.

Dito isto, ser «um tipo porreiro» diz exatamente o quê de alguém?

Acredito que quando o que se tem para dizer de outra pessoa é que é «um tipo porreiro» estamos na presença de uma crítica mascarada de elogio. Um «tipo porreiro» é como um «jogador esforçado»: diz-se quando não há nada de muito bom a apontar.

O «tipo porreiro» não é o mais simpático, o mais solidário, um grande amigo, não é muito engraçado. É verdade que muita gente vai pensar que será uma mistura de tudo isso, mas, na verdade é em doses mesmo pequenas. Tão pequenas que o melhor mesmo é dizer «porreiro».

Eu sempre vi nesta espécie de elogio um bocado de «É um artista». E todos sabemos que artista é das expressões mais dúbias da língua portuguesa. Um «tipo porreiro» pode ser, portanto, «um artista». Outra: um «gajo esperto».

Pode ser, no fundo, Ali Dia.

Ali Dia foi eleito pelo jornal «The Times» o pior jogador da história da Premier League. A avaliação foi feita com base nos únicos 21 minutos que jogou no campeonato inglês. Ou em qualquer primeira divisão europeia. 

Para quem não conhece a história, remonta à temporada de 1996/97, quando o treinador do Southampton era o bem conhecido Graeme Souness. A equipa precisava urgentemente de um avançado e o técnico que, meses mais tarde, iria parar ao Benfica, recebeu um telefonema de George Weah, o melhor jogador do mundo daquele ano.

Weah falou a Souness de Ali Dia, um primo seu de origem senegalesa e, até, internacional por aquele país. Estava de saída do Paris Saint-Germain e à procura de clube.

Souness aprovou sem ver um único minuto de Dia e o Southampton ofereceu-lhe um mês de contrato. Os treinos com a equipa foram escassos antes da estreia no campeonato, mas os colegas admitiram depois que algo estranho se passava.

A verdade é que Souness se viu, fechou os olhos. E, no jogo com o Leeds United, levou Ali Dia para o banco. A lesão de Matthew Le Tissier obrigou o técnico a mexer e a aposta foi a nova contratação.

Seguiram-se 21 minutos do pior que a Liga inglesa alguma vez tinha visto. A falta de jeito para a arte do futebol era notória e, perante um estádio cheio, Souness percebeu finalmente: tinha sido enganado.

Tirou Dia do jogo, ligou, mais tarde, a Weah que ficou de boca aberta: nunca tinha feito qualquer telefonema e nem conhecia alguém com esse nome. Ali Dia foi despedido claro. Tinha sido um amigo a fazer a chamada fazendo-se passar pelo astro liberiano.

Tão depressa como surgiu, Ali Dia desapareceu.

Para a história fica a ousadia do «artista». Alguém que, com o mesmo (ou menos) jeito para a bola que eu ou a maioria dos leitores, jogou na Premier League.

Quando se lembram dele, ainda hoje, os ingleses sorriem perante a coragem ingénua do farsante ( por falar nisso, conhecem o rei?). Tinha um sonho, trabalhou para ele, cumpriu-o, fez as malas e partiu. O que se pode dizer de alguém assim? Se me perguntarem a mim, não tenho dúvidas: é um tipo porreiro, pá!




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