Faz mais sentido defender um estilo de continuidade ou de rutura na relação com os treinadores?

É frequente elogiar-se os 27 anos de Alex Ferguson no Manchester United. Mas será que isso seria bom na generalidade dos casos?

Não é só a diferença de mentalidades: em Inglaterra, foi muito positivo que «sir Alex» tenha passado quase três décadas ao leme do United, algo que no futebol português seria obviamente impossível.

Um treinador nunca pode ser o problema: tem sempre que ser a solução.

É certo que um bom trabalho exige tempo.

E o ponto central é mesmo esse: conseguir o equilíbrio entre a pressão dos resultados (no futebol português, para Benfica e FC Porto e também para o Sporting mas um pouco mesmo, isso significa... já) e o tempo que é necessário ter para que das ideias e dos conceitos surjam frutos.

Quanto tempo precisa um técnico, no futebol de hoje, para encontrar soluções, em vez de criar problemas?

Não vale a pena buscarmos respostas definitivas: quanto mais procurarmos, mais contradições encontramos. Este é daqueles temas em que facilmente nos lembramos de exemplos que sustentam as duas teses (continuidade ou rutura).

Num excelente levantamento publicado na edição de 1 de março da Maisfutebol Total, o
Filipe Caetano identificou 69% de situações, nas últimas cinco épocas em que houve melhorias nos resultados das equipas que optaram pela «chicotada». E só em 31% dos casos a mudança correu mal.

Parece uma diferença estatisticamente relevante, mas insisto: entre a «chicotada» e a continuidade de um treinador contestado, é praticamente impossível saber, no momento da crise, que resultado terá a decisão que vier a ser tomada.

Por vezes, é mais avisado manter. Noutros casos, não há mesmo outro caminho que não seja o da rutura.

O pesadelo de Paulo Fonseca

Passemos então do geral ao particular. A situação de Paulo Fonseca no FC Porto passou a questão do «tempo para se mostrar trabalho».

Não estão em causa as capacidades técnicas do ainda treinador do FC Porto: quem consegue colocar o Paços no terceiro lugar da Liga (e fazer uma época inteira no clube pacense perdendo apenas quatro jogos, dois com Benfica e outros dois com FC Porto) tem que ser bom treinador.

A questão é que Paulo Fonseca há muito que deixou de ser a solução e está a ser, essencialmente, um problema.

Não é o único problema deste FC Porto, está longe de o ser. Mas as últimas semanas mostraram que Paulo Fonseca não tem condições e já não tem tempo para deixar de ser problema e passar a ser a solução.

Basta olhar para a cara de Paulo Fonseca e basta analisar o «não dito» das intervenções do ainda técnico do FC Porto para se detetar que esta situação está a ser, para ele, um autêntico pesadelo.

É grave o FC Porto ficar um ano sem ser campeão? Naquela casa, parece que sim.

Mas basta lembrar o caso de Fernando Santos para nos apercebermos que vencer o campeonato não é condição obrigatória para se continuar no comando (campeão no primeiro e depois outros dois sem repetir o título).

Não se trata, por isso, de «ditadura de resultados». Trata-se de descaracterização dos pontos fortes que têm feito do FC Porto um clube cronicamente vencedor nos últimos anos largos (sete títulos nacionais nos últimos oito anos).

Os casos mais recentes são demasiado evidentes: nos últimos quatro jogos, o FC Porto deixou escapar por duas vezes uma vantagem de dois golos (2-0 para 2-2 na primeira mão frente ao Eintracht, 0-2 para 2-2 domingo passado em Guimarães).

Ora, uma coisa é um jogo não estar a correr de feição e o golo não aparecer. Isso pode acontecer a qualquer equipa. Outra, bem diferente, é permitir, de forma continuada, que um jogo que estava perfeitamente ganho fique fora do controlo.

Fragilidades desse nível não «são FC Porto». Daí ter falado em descaracterização.

A culpa não é só de Paulo Fonseca, como, de resto, já referi neste artigo. Mas o treinador, neste pesadelo portista, há muito que passou a ser ator principal. Pelas piores razões.

O célebre princípio de Pinto da Costa de «quase-nunca-despedir- treinadores-e-segurá-los-até-ao-limite» tem vantagens de fundo, dá estabilidade. Muitas vezes, mostra ser a decisão mais inteligente. Mas não pode, como nada nesta vida, ser levado ao extremo. Tomá-lo como um dogma inamovível leva, em casos de crise aguda como esta, a efeitos contraproducentes.

Em vez de resolver, piora a situação.

As lições de Jesus

Quer isto dizer que em casos de crise deve sempre despedir-se o treinador?

Não.

O que se passou com Jorge Jesus no Benfica é a prova de que pode bem valer a pena esperar.

O desastre do final de época de Jesus no clube da Luz em 12/13 parecia indicar o caminho da saída.

O técnico estava em final de contrato e somava já o quarto ano na casa (contrastando com os ciclos de dois anos no máximo que o Benfica tinha tido com os treinadores, antes da era Jorge Jesus).

O Benfica teve tudo para ser campeão nacional, ganhar a Taça de Portugal e até podia ter voltado a ganhar um título numa prova europeia, algo que
não acontece há meio século.

Em poucos dias, JJ passou do céu ao inferno. Do tudo ao nada. Perdeu o campeonato para o FC Porto (com golo nos descontos na casa do rival). Perdeu a final da Liga Europa para o Chelsea (apesar de excelente exibição). Até perdeu a final da Taça para o V. Guimarães (depois de estar em vantagem no marcador).

A cena com Cardozo nos minutos que se seguiram à derrota no Jamor e a demora na renovação pareciam mesmo ter ditado um fim de ciclo. Nem sequer era uma «chicotada». Era, simplesmente, uma não renovação.

Confesso que nessa altura considerei que o melhor para o Benfica seria abrir novo ciclo e terminar a relação com Jesus.

Vieira optou por uma surpreendente renovação po r dois anos, dando sinal de que Jorge Jesus é mesmo o seu treinador.

E fez bem. Os resultados estão à vista: o Benfica está a fazer, no ano 5 de JJ na Luz, uma época consistente. Lidera a Liga com folga (e não só por demérito do FC Porto). Falhou a passagem na Champions, mas terá feito na Grécia uma das melhores exibições da época (e, sim, o Olympiakos ganhou 2-0 ao Manchester United nos «oitavos»).

Mais significativo do que tudo isso, o Benfica desta época mostra melhorias que só foram possíveis pela continuidade do treinador: Gaitán, um talento imenso, aparece finalmente como um jogador regular e a resolver (dois golos de antologia num espaço de três dias, coisa reservada aos predestinados); Rodrigo e Lima conseguiram provar que o Benfica sabe ganhar e fazer golos sem Cardozo.

Só foi possível porque Jesus está a ter o que todos os seus antecessores não tiveram no Benfica: tempo.

Uns parágrafo acima, falei de Fernando Santos no FC Porto... Bom, por falar no atual seleciondor da Grécia, o Fernando Santos «do Benfica» tem mesmo muitas razões de queixa nisso de não ter tido tempo, não acham?


«Nem de propósito» é uma rubrica de opinião e análise da autoria do jornalista Germano Almeida. Sobre futebol (português e internacional) e às vezes sobre outros temas. Hoje em dia, tudo tem a ver com tudo, não é o que dizem?