Mesmo já descontando a inimizade dos rivais, Julen Lopetegui não granjeou muitas simpatias aquando da sua passagem por Portugal.

Mais do que a aspereza deste basco montanhês, filho de um levantador de pedras, era sobranceria que lhe moldava a falta de empatia.

Para Julen, Portugal era um apeadeiro naquela que, esperava ele, fosse a triunfal viagem de foguete até à gare central dos grandes treinadores mundiais.

Percebíamo-lo a léguas, na forma condescendente como tratava o público português, aparentemente impreparado para entender as ideias do outrora guarda-redes sofrível que se lhes apresentava como uma espécie de novo Guardiola.

Percebíamo-lo também pelo modo austero, quando não telegráfico, como se dirigia aos jornalistas portugueses, enquanto se desmanchava em amabilidades e longas entrevistas para com os seus compatriotas.

Sobranceiro, Lopetegui exigiu muitos reforços para fazer uma grande equipa. Desorientada, a SAD do FC Porto fez-lhe a vontade. E assim cresceu exponencialmente a folha de salários, primeiro, e o passivo, depois.

De tal forma, que quase três anos depois da sua saída – sem ser possível atribuir ao próprio a maior parte das culpas no cartório – a herança da era Lopetegui continua a fazer-se sentir ao contemplar o alarme vermelho das contas do FC Porto.

Em campo, Lopetegui cultivou um estilo de jogo que privilegiava uma posse de bola muitas vezes estéril.  Não raras vezes, o FC Porto parecia que jogava andebol com os pés: passe, passe, variação de flanco… E voltar ao início. Até atingir o limite do jogo passivo.

Na sala de imprensa, ele empreendia um discurso redondo, com «mucha ilusión» e «ganas de ser protagonistas».

Ainda assim, numa análise justa, há que recordar que, em 2014/15, o FC Porto fez 82 pontos na Liga (menos três do que o Benfica) e, não fosse uma época atípica a vários níveis, podia ter sido campeão nacional. E lembrar que, atingindo os quartos de final da Liga dos Campeões, os azuis e brancos chegaram a pôr o Bayern de Guardiola a fazer contas à vida, quando levaram uma vantagem de 3-1 para Munique – onde sucumbiriam com estrondo.

Resultado disso mesmo, no final dessa temporada o FC Porto superou os 100 milhões de euros em vendas de jogadores. Além disso, o treinador descobriu talentos como Rúben Neves.

Ou seja, nem tudo foi mau na temporada e meia que Julen passou no Dragão.

No entanto, nada que o sustentasse como escolha óbvia para selecionador principal de Espanha – mesmo considerando os títulos europeus conquistados nos sub-19 e sub-21 antes de rumar ao Porto.

A verdade é que La Roja encarreirou para uma qualificação quase imaculada para o Campeonato do Mundo, com nove vitórias e um empate. Lopetegui teria tudo para se firmar por uns bons anos como selecionador no seu país, mas não resistiu à ambição. Já na Rússia, em vésperas do arranque do Mundial, decidiu aceitar um convite para treinar o Real Madrid, que o anunciou quase de imediato.

Começa aí o descalabro.

Agastado com a traição, Luis Rubiales, presidente da Real Federação Espanhola de Futebol, demitiu-o, como bem nos recordamos, negando a Julen a oportunidade de disputar o Mundial e precipita-se a sua apresentação em Madrid.

Se o primeiro erro de Lopetegui foi fazer tábua rasa da lealdade institucional, o segundo e talvez o maior será ter subestimado a tarefa colossal de abraçar um projeto numa mudança de ciclo: um Real Madrid que teria de reinventar-se no pós-Cristiano Ronaldo.

Zidane, seu antecessor, valeu-se do low profile, adaptou-se à equipa, privilegiou Cristiano e conquistou três Ligas dos Campeões consecutivas.

Lopetegui quis mudar o paradigma de jogo, dar o seu cunho, desvalorizou a perda do maior astro da equipa e, por estes dias, em Madrid, está a ser triturado pela realidade.

O Real bate recordes negativos. Antes do jogo desta noite, frente ao Plzen, a equipa merengue completou um mês sem vencer – quatro derrotas e um empate – e cumpriu uma seca de mais de oito horas sem marcar um golo – 481 minutos –, terminada no passado sábado, com mais uma derrota, desta vez em casa no Bernabéu, diante do Levante (1-2).

Pegando nas suas palavras, Lopetegui quis viver a ilusão de ser protagonista. Acabou (terá acabado?) traído pela sua soberba.

O todo poderoso campeão europeu deslaça-se a cada jogo.

Por agora, blancos, só os pañuelos.

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«Geraldinos & Arquibaldos» é um espaço de crónica quinzenal da autoria do jornalista Sérgio Pires. O título é inspirado pela expressão criada pelo jornalista e escritor brasileiro Nelson Rodrigues, que distinguia os adeptos do Maracanã entre o povo da geral e a burguesia da arquibancada.