* enviado-especial à Suécia


O Rio Ave vive hoje um dos momentos mais altos da sua história, ao disputar o play-off de acesso à Liga Europa.

A partir das 18h de Lisboa, 19h locais, a equipa vila-condense inicia uma disputa a duas mãos com o Elfsborg, clube de Boras, na Suécia, que poderá valer uma vaga na fase de grupos da prova europeia.

Com 75 anos de história, o Rio Ave foi, durante décadas, um emblema modesto, com dimensão regional. Muito ligado às suas raízes piscatórias, à humildade das gentes de Vila do Conde, com profundas limitações financeiras e económicas, de quem estava englobado numa realidade social muito específica.

O salto começou a dar-se no final dos anos 70, com a chegada à então I Divisão. Um facto que, como considerou o «eterno capitão» do Rio Ave, Duarte Sá, em grande entrevista ao Maisfutebol, era ele próprio impensável uns anos antes para, quem tinha sido campeão nacional da… III Divisão, em 1977.

Chegar à Europa, neste quadro, foi algo simplesmente inimaginável para a realidade do Rio Ave, durante décadas.

Paulo de Carvalho, presidente fortemente ligado ao período de crescimento do Rio Ave, em declarações ao Maisfutebol, reflete: «Para um clube com 75 anos, e sobretudo para aquilo que foi sendo a realidade do Rio Ave nestes anos todos, chegar a este ponto é algo simplesmente notável. Creio que não estaria nos horizonte de ninguém, até há alguns anos, que em 2014 o Rio Ave chegasse a um play-off de acesso a uma fase de grupos. Talvez se imaginasse possível atingir isso em todo o século XXI, mas não já em 2014, provavelmente não.»


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Líder do clube vila-condense nos anos 90 e inícios de 2000, Paulo de Carvalho ajuda-nos a colocar em perspetiva a verdadeira realidade: «Vamos lá ver: Vila do Conde tem perto de 65 mil habitantes, aí uns 2500/2800 sócios pagantes. Pode ter mais uns quantos, perto de 4000 talvez, em número, mas efetivamente pagantes não são mais que 2800. Ora, isso é manifestamente pouco para os voos desportivos que o clube está a atingir. E mesmo para aquilo que é a realidade social de Vila do Conde.»

Para o antigo presidente do Rio Ave, «seria fundamental que o clube tivesse uma penetração na realidade social na ordem dos 30%, portanto aí uns 20 mil sócios».

«Mérito de muitos, mas difícil de repetir»


Neste contexto, Paulo de Carvalho, embora esteja «muito satisfeito e orgulhoso» com o feito do Rio Ave, coloca água na fervura. Mesmo num dia como este: «É preciso perceber que o êxito desportivo do Rio Ave é mérito de muitos (os presidentes e outros dirigentes que pelo clube têm passado, os jogadores, os treinadores, muitas outras pessoas), mas será difícil de repetir. Pelo menos, enquanto esta realidade se mantiver, não será provável».

Paulo de Carvalho estabelece uma medida curiosa para avaliar o que se tem feito em Vila do Conde: «Acima de tudo, as diferentes direções têm conseguido diminuir a probabilidade de erro. Têm errado pouco, têm feito boas opções. Como disse, tem sido um caminho trilhado por muitos. Foi por mim, já tinha sido pelo senhor José Maria Pinho, pelo António Ramos, pelo Carlos Costa e está, obviamente, nos anos mais recentes, a ser bem feito por este presidente, António Silva Campos».

«Por trás destes presidentes estiveram também homens fundamentais para o trabalho que tem sido feito ao longo destes anos. Destaco António Vila Cova, Armando Aragão e António Costa e Silva.»

«Além de todos eles», foca Paulo de Carvalho, «está uma figura fundamental, Mário de Almeida, que sempre se empenhou em ajudar o clube, sempre o viveu intensamente e sempre com o objetivo de tornar o Rio Ave um pouco melhor».

«Todos nós, de alguma forma, ajudámos a construir um Rio Ave acima do que era possível, capaz de estar na I Liga quase sempre, mas com contas equilibradas, a viver na realidade», nota Paulo de Carvalho.

«Benefícios maiores que os custos»

Milagres de gestão? Um pouco isso, acha Paulo de Carvalho: «Têm.se conseguido benefícios maiores que os custos». «E tem-se conseguido colocar os interesses do clube acima dos restantes interesses. Cada decisão que nos últimos anos foi tomada, seja o arrelvamento do campo, o alargamento do estádio, o melhoramento das infra-estruturas, teve que tomar em conta essa relação custo-benefício.»

O Estádio dos Arcos, que no início dos anos 80 substituiu o mítico Campo da Avenida (pelado que se situava perto da praia, mais integrado no coração de Vila do Conde), parece hoje um pouco sobredimensionado (muito raramente chega aos 6/8 mil espetadores e tem capacidade para 13 mil). 

Mas mesmo essa, acredita Paulo de Carvalho, «foi uma decisão adequada para a época». «É preciso ter a noção do momento. Na altura, não havia as solicitações que há hoje; não havia shoppings, outras escolhas... A ida ao futebol era um dado adquirido, um hábito para muita gente. Acredito que na altura terá sido a atitude correta. E nunca se escolhe uma solução abaixo do que se pode fazer. Hoje, a realidade das transmissões televisivas mudou muita coisa.» 

Questão-chave: o crescimento

A questão, insiste Paulo de Carvalho, «está no crescimento». «Como disse atrás, seria fundamental que o Rio Ave, como clube, penetrasse em cerca de 30% da realidade social de Vila do Conde. Para isso, tinha que estar preparado para crescer. O Estádio dos Arcos estava bem enquadrado nesse objetivo. E a questão é que ainda não se chegou aí».