Kylian Mbappé foi um dia como milhares de crianças espalhadas pelo Mundo que admiram Cristiano Ronaldo. O avançado francês, campeão do Mundo e melhor jogador jovem na prova que chegou ao fim neste domingo, chegou a ter o quarto forrado por dezenas de pósteres com a imagem do português.

«É um herói da minha infância e foi fantástico conhecê-lo quando visitei Valdebebas», confessou em entrevista à Marca antes de um duelo entre o PSG e o Real Madrid para a Liga dos Campeões já nesta época.

Mbappé conheceu Cristiano Ronaldo aos 14 anos. Nessa altura esteve uma semana a treinar com a formação merengue. Foi convidado por Zinedine Zidane a mudar-se para o Real Madrid mas acabou por recusar. «Não fui porque quis ficar no meu país. Não quis sair tão cedo. Escolhi ir para o Mónaco e tomei a decisão certa», explicou há menos de dois anos numa entrevista à Telefoot quando começou a explodir sob o comando de Leonardo Jardim.

Nessa altura, Kylian já não era propriamente um desconhecido para quem andava atento às camadas jovens por França. Depois de se ter iniciado no AS Bondy, onde o pai era treinador, saltou para Clairefontaine, Centro Técnico Nacional do futebol francês por onde passam os maiores talentos do país.

«Era um relâmpago», recordou à RMC Sport o diretor do centro, Jean-Claude Laffargue. Mbappé já era seguido com atenção não só pelo Real Madrid mas também por Chelsea e Caen, com que chegou a ter um princípio de acordo ainda antes do convite de Zidane.

Aos 17 anos, Mbappé já não era só um projeto de jogador. Era alguém em quem o Mónaco depositava grandes expetativas. Em março de 2016, quando assinou contrato profissional pelos monegascos, já se tinha tornado no jogador mais jovem a estrear-se pela equipa sénior (ainda com 16 anos) e superara o recorde de Thierry Henry, que em 1994 marcou o primeiro golo pelo Mónaco com 17 anos e oito meses: Kylian Mbappé fê-lo aos 17 anos e 62 dias.

Utilizado esporadicamente nessa temporada, Mbappé passou a ser utilizado com regularidade por Leonardo Jardim na época seguinte. Em março de 2017, quando os monegascos já tinham marcado 129 golos desde o início da época, Leonardo Jardim explicou assim, numa passagem pelo Football Talks no Estoril, o crescimento da equipa relativamente ao ano anterior: «Voltaram ao clube dois dos atacantes que não estavam no ano passado. E também a progressão de um jovem atleta como o Kylian [Mbappé].»

Vinte e seis golos, seis na Liga dos Campeões e 15 no campeonato francês: foi este o contributo do prodígio francês para uma época de sonho na qual o Mónaco interrompeu a hegemonia do PSG na Liga gaulesa e chegou à meia-final da Champions. Pelo meio, somou a primeira internacionalização por França, a 25 de março de 2017 numa deslocação ao Luxemburgo na fase de apuramento para o Mundial da Rússia.

«Com todas essas coisas em torno de um rapaz de 18 anos, é nossa responsabilidade protegê-lo dessa tempestade em torno dele», chegou a dizer Leonardo Jardim numa altura em que se multiplicavam notícias acerca do interesse de vários clubes em Mbappé. O técnico português justificava dessa forma o facto de ter deixado o jogador francês no banco de suplentes no jogo da segunda jornada do campeonato, ao mesmo tempo em que tinha consciência de que seria quase impossível mantê-lo no Principado.

A 31 de agosto, por volta das 18 horas, os milionários do Paris Saint-Germain oficializaram a segunda loucura do mercado de transferências depois dos 222 milhões de euros pagos ao Barcelona pelo passe de Neymar. Kylian Mbappé era reforço dos parisienses, que pagariam ao Mónaco 180 milhões de euros pelo passe dele assim que a época terminasse.

Depois de ter sido fundamental para os monegascos quebrarem o domínio do PSG em França, Mbappé ajudou os parisienses a recuperarem o título perdido na época anterior. Ainda que sem ser ator principal – papel reservado a Neymar – fechou a temporada com 23 golos, registo um pouco abaixo do alcançado na temporada de despedida dos monegascos.

E continuou a bater recordes: em dezembro do ano passado tornou-se no mais jovem futebolista de sempre a chegar aos dez golos na Liga dos Campeões: 18 anos, 11 meses e 15 dias. Lionel Messi, por exemplo, só lá chegou aos 21 anos e Cristiano Ronaldo, recordista de golos da história da competição, nem entra no top-5 da lista.

Mais do que isso, Kylian Mbappé consolidou-se definitivamente no onze base de Didier Deschamps na seleção francesa. E em boa hora, diga-se: o jovem prodígio de França chegou à Rússia em ponto de rebuçado. Fechou o Mundial com quatro golos, tornou-se no segundo jogador mais jovem a bisar numa fase a eliminar da prova e tornou-se no segundo adolescente a marcar no jogo decisivo: como ele só um tal de Edson Arantes do Nascimento com 17 anos em 1958.

Kylian Mbappé marcou ao Peru, à Argentina (2x) e à Croácia na final

Mais importante: cumpriu uma das resoluções de ano novo que partilhou no final de 2017 em entrevista à Marca. «Quero ganhar a Liga dos Campeões pelo PSG e o Campeonato do Mundo por França.»

Cumpriu o segundo objetivo, depois de uma geração comandada por Zinedine Zidane ter atingido o topo do mundo em 1998. Nessa altura, Mbappé ainda se formava no ventre de Fayza Lamari, jogadora profissional de andebol no clube onde o filho começaria a evidenciar-se uns anos depois mas com a bola nos pés. Do título em Paris em 98, o jovem campeão só sabe o que lhe contaram e o que viu nas memórias registadas em diversos formatos.

Duas décadas depois e duas finais perdidas pelo meio – uma delas para Portugal – França pode respirar de alívio, sorrir e virar a página, agora finalmente de bem com a história. Conseguiu-o muito graças a Kylian Mbappé, agora, mais do que uma promessa, uma referência do futebol mundial aos 19 anos.

Hoje, anos depois de admirar Cristiano Ronaldo nas paredes do quarto e de pedir um corte igual ao de Zidane numa ida ao cabeleireiro, também ele preenche o imaginário de miúdos que sonham chegar ao patamar das estrelas que admiram.