A FIFA está a braços com mais um caso que questiona a ética a que o organismo se obriga pelas suas normas: vários dirigentes do futebol mundial receberam um relógio que custa milhares de euro nas vésperas de começar o Mundial do Brasil. A intenção é agora a de pôr fim a este caso o mais rapidamente possível com a devolução desta prenda. Mas o presidente da UEFA, Michel Platini, já discordou do procedimento garantindo que não ia devolver o seu relógio.

Uma reportagem do jornal inglês «Sunday Times» revelou que os membros do Comité Executivo da FIFA e outros responsáveis do futebol de todo o mundo – na ordem das dezenas – tinham à sua espera no quarto do hotel onde estavam hospedados um saco com prendas. Uma das prendas foi um relógio cujo valor ultrapassa os 20 mil euros.

A jornalista que co-assina a notícia do «Sunday Times», Heidi Blake, publicou nas redes sociais uma imagem dos relógios em causa, de uma marca que patrocina a seleção brasileira:




As normas da FIFA não permitem aceitar prendas deste valor. E o organismo emitiu um comunicado a esclarecer o que se passou e o que tem previsto para resolver o caso. Na informação emitida pelo Comité de Ética (CE) da FIFA ficou assumido que a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) «declarou» que, por altura do começo do Mundial 2014, «distribuiu 65 sacos de prendas, cada um contendo um relógio Parmigiani, a um grupo que compreendia os 28 membros do Comité Executivo da FIFA, um representante da cada uma das 32 federações participantes no Campeonato do Mundo e um representante de cada uma das dez associações membros da Conmebol».

O CE tratou também por si de avaliar os relógios e ficou a saber que cada um custa 25 mil francos suíços» (cerca de 20.700 euros). O comunicado sublinha então que o Código de Ética da FIFA (CEF) «proíbe de todo tais prendas». Com várias referências ao seu código de ética, o CE refere que os responsáveis oficiais de futebol «não podem oferecer ou aceitar prendas que tenham mais do que valor simbólico ou trivial». E acrescenta que qualquer dúvida « quanto à possibilidade de infração deve ser comunicada», pois «as infrações podem ser determinadas independentemente de terem sido cometidas deliberadamente ou por negligência

O CE considera assim que «a CBF não devia ter oferecido os relógios» e que quem os recebeu devia ou «tê-los devolvido» ou «ter reportado o caso». O CE anunciou medidas para «resolver o caso de forma expedita» que deixa dependentes de um prazo para devolução dos relógios. E assumiu que «não iniciará mais procedimentos éticos contra quem recebeu o relógio Parmigiani» se este for «devolvido até 24 de outubro de 2014». O CE compromete-se também compromete-se também a doar os relógios a organizações não lucrativas com responsabilidades sociais no Brasil.

Uma questão de educação

Michel Platini é o presidente da UEFA e foi uma das pessoas a receberem os relógios. E o líder do futebol europeu já declarou que não vai devolver a prenda e questiona o procedimento das instâncias da FIFA. «Fiquei surpreendido pelo comunicado da FIFA: se o Comité de Ética está descontente devia ter-nos dito há quatro meses no Brasil quando recebemos os relógios. Mas foi apenas depois de um artigo na imprensa inglesa que nos foi dito por comunicado. Não me agrada a formulação da FIFA e surpreende-me o seu funcionamento», disse Platini citado pelo «L`Equipe».

E nem a data para entregar o relógio fez o presidente da UEFA pensar em cumprir as determinações do CE: «Não foi assim que eu fui educado. Quando me dão um presente, eu não o devolvo.» «Vou saber o valor exato do relógio e sou eu que vou dar a uma associação o dinheiro que vale esse relógio», garantiu o francês reforçando as críticas: «E repito que me surpreende o funcionamento da FIFA.»

Jim Boyce, presidente da federação irlandesa e vice-presidente da FIFA declarou-se «chocado como nunca» quando viu o relógio dentro do saco das prendas. Greg Dyke, o líder da federação inglesa, revelou que já recebeu «cerca de seis relógios» desde que assumiu o cargo. «Não uso nenhum deles. Não gosto da cultura de dar presentes no futebol», disse o dirigente à «BBC».

Dyke considera que «ter um relógio de que não se faz ideia do preço não é motivo para uma demissão» e que nos jogos de futebol «dão sempre uma espécie de presente». Mas admite que, «se começam a dar prendas de 16 mil libras, isso não é aceitável». E promete, por isso, uma tomada de posição da federação inglesa: «Devemos dizer que vamos deixar de fazer parte dessa cultura. Não vamos dar ou aceitar prendas.»