Nem dois meses passaram sobre a tragédia e a Chapecoense reergue-se dos escombros. O dia-a-dia corre a um ritmo alucinante de quem tem pouco tempo e muito para fazer. Tenta-se arrumar no baú das memórias mais dolorosas o desastre aéreo que vitimou 19 atletas, 9 dirigentes e 14 membros da comissão técnica – além de 20 jornalistas, sete tripulantes e dois convidados.

Chegou a hora de competir.

Nadson (ao centro) treina com o novo plantel da Chapecoense

No próximo sábado, a Chape volta a jogar diante do seu público. Defrontará o Palmeiras, campeão brasileiro, num jogo amigável. A semana que se segue marca a estreia no campeonato estadual de Santa Catarina, diante do Inter de Lages, também em casa.

Após ter acolhido cerimónias fúnebres das vítimas, a Arena Condá cumpriu o luto e está pronta para voltar a receber uma torrente de futebol. Aos poucos, a esperança vai tomando o lugar da dor.

Técnico Vagner Mancini fala aos novos jogadores

No meio do contrarrelógio de reconstruir um clube em poucas semanas o MAISFUTEBOL chega à fala Ivan Tozzo, vice-presidente da Chapecoense, que depois do acidente assumiu o cargo de presidente interino, que começa por fazer um ponto de situação:

Unimo-nos com a finalidade de recuperar o clube, tudo com um enorme sentido de urgência. Em muito pouco tempo reorganizámos a direção e contratámos toda a estrutura para o futebol: diretor desportivo, treinador, jogadores... Trabalhamos noite e dia para recuperar um pouco da alegria da cidade e dessa torcida. Dia 29 começa o campeonato catarinense e queremos ter o plantel completo para poder mostrar a toda a gente que estamos de volta.»

O treinador Vagner Mancini, que comandou o Vitória da Bahia em 2015 e 2016, assumiu o comando técnico, o ex-Grémio Rui Costa é o novo diretor para o futebol e entre os reforços o mais recente é Artur Moraes, ex-guarda-redes de Benfica e Sp. Braga, estando também Rafael Bracali (guarda-redes do Arouca) entre as potenciais contratações.

Barcelona certo, Manchester United talvez

Facto é que a onda de solidariedade para com a Chape que se seguiu à queda do voo 2933 da Lamia na Colômbia faz com que do outro lado da linha ouçamos expressões como «sentimo-nos abraçados por todo o mundo».

Em agosto, por exemplo, a equipa vai disputar o torneio Joan Gamper, contra o Barcelona. Também o Manchester United manifestou interesse num jogo particular frente à equipa catarinense.

«Temos de ajustar esses convites ao calendário competitivo cheio que temos ao longo de 2017. Mas agradecemos toda essa ajuda que servirá também para angariar fundos para a reconstrução da Chapecoense», explica o dirigente responsável pela área administrativa e financeira de um clube, garante, «bem estruturado financeiramente»:

Vice-presidente Ivan Tozzo explicou recuperação da Chapecoense ao Maisfutebol

«Sempre tivemos os pés no chão e nunca gastámos mais do que temos. Nesta fase os custos dispararam, devido às contratações, viagens, todo o tipo de despesas, tendo como receitas sobretudo o contributo dos sócios e também a verba da CBF – 5 milhões de reais, cerca de 1,5 milhões de euros. Não sobra dinheiro. Muitos clubes emprestaram jogadores, mas temos de pagar a totalidade dos salários de todos. Felizmente, regularizámos os salários e prémios de 2016 com as famílias dos atletas, que também já receberam a compensação das seguradoras – cerca de 40 salários.»

Segue a ação em tribunal contra companhia aérea boliviana, cuja negligência terá provocado o acidente por falta de combustível.

O tempo é de renascer das cinzas e Ivan Tozzo fala em sinais de esperança numa cidade que vive dias de tristeza. «Em Chapecó, perdemos a nossa maior diversão – o futebol. A partir de sábado, voltaremos a recuperar um pouco dessa alegria», conta, abordando em seguida os objetivos para a época de 2017, que está prestes a iniciar-se: «O maior de todos é mantermo-nos na Serie A do Brasileirão, o campeonato mais mediático e mais lucrativo. Temos boas probabilidades de ganhar o estadual catarinense; a Taça Libertadores é bem mais difícil; mas é isso que nos dá ânimo para continuarmos todos os dias a reconstrução.»

Não embarcou por «mau pressentimento»

Ivan é dono da Tozzo Alimentos, empresa de distribuição alimentar que faz parte do dinâmico tecido económico de Chapecó, um dos grandes polos agropecuários do sul do Brasil.

Nas últimas semanas, a vida profissional tem ficado para trás em detrimento do compromisso com o clube que ajuda a dirigir desde 2008.

Juntamente com o presidente Plínio de Nês, Ivan é o único dirigente que sobreviveu ao desastre aéreo. Pouco antes do embarque desistiu de integrar a comitiva na fatídica viagem para Medellín, para defrontar o Atletico Nacional na final da Copa Sul-Americana, que nunca chegaria ao destino – recorde aqui o testemunho em vídeo de Ivan Tozzo na conferência de imprensa após o desastre.

«Desisti à última hora de viajar. Não me sentia bem, alguma coisa me dizia para não ir… (Pausa) Tive um mau pressentimento», recorda ao MAISFUTEBOL. E conclui logo de seguida, como que sintetizando em duas frases como foi possível reerguer o clube, um milagre liderado pelos sobreviventes, que cuidam agora da transição: «Acredito que fiquei neste mundo para dar continuidade ao trabalho de todos os meus companheiros que faleceram. Vou ajudar a reconstruir a Chapecoense. Essa é a minha missão.»