*Enviado-especial ao Brasil

A reportagem começa no táxi. «Ypiranga? Esse time ainda existe?». O espanto de «seu Gilson», o taxista, não é condenável. Desde 1961 que o Esporte Clube Ypiranga, que até então era um dos mais fortes clubes da Bahia, não ganha um título. Mas para se ter a noção do que era até então, ainda hoje é o terceiro clube do estado com mais troféus, depois dos dois grandes: Vitória e Bahia.

Localizado na Vila Canária, um bairro na periferia de Salvador onde as carências são evidentes em cada rua e em cada casa, o centro de treinos do clube é também uma amostra pobre do que já foi. Espaço enorme, com terreno suficiente para um bom local de treinos. Mas condições demasiado deficitárias. Será tema de conversa mais à frente.

À espera do Maisfutebol estavam Emerson Ferretti, presidente e ex-guarda-redes profissional, e António Coradinho, o português que preside à Câmara Portuguesa de Comércio na Bahia, e que é conselheiro do clube.

«Um conselheiro é alguém que contribui com alguns recursos e, ao mesmo tempo, tenta ajudar com alguns contactos. A Câmara tem algum prestígio e como há aqui cada vez mais empresas portuguesas a instalar-se, os contactos que temos são úteis e poderão ajudar a que este lugar seja bonito e útil», explica o português, há 38 anos no Brasil.

A lista de conselheiros do Ypiranga vai sofrendo mudanças ao longo dos tempos. No passado, o mais ilustre de todos talvez tenha sido Jorge Amado. O escritor de «Tieta do Agreste» ou «Gabriela Cravo e Canela», falecido em 2001, é um conhecido admirador do Ypiranga. 




«Jorge Amado gostava muito, muito mesmo do Ypiranga. Era aquilo a que costumamos chamar um torcedor assíduo. Sempre que podia fazia questão de estar no estádio, mas, claro, nem sempre estava na Bahia», conta Emerson Ferretti, o presidente.

A ligação de Jorge Amado ao Ypiranga não tem explicação natural. Alan, que foi o nosso guia na visita às instalações do clube, deu mais uma achega: «O Jorge Amado costumava dizer que era Ypiranga quer o clube ganhasse ou perdesse. Os netos dele ainda hoje dizem, em brincadeira: que lógica tem apoiar um clube que perde?»

A verdade é que a descendência do escritor não deixou cair a paixão pelo preto e amarelo, cores do Ypiranga. «A família ainda hoje sempre que pode apoia-nos, apesar de os netos torcerem pelo Bahia (risos). Mas eles têm um carinho muito grande pelo clube e ajudam-nos», conta Emerson Ferretti.

«Naquela época o Ypiranga era um dos maiores clubes da Bahia e talvez isso também tenha chamado a atenção do Jorge Amado. Ele ajudou a difundir, faz menção ao clube em alguns livros. Isso ajuda-nos até hoje», acrescenta.

E depois dá exemplos: «No ano do centenário do nascimento (2012), o clube ganhou uma visibilidade muito grande. Colocámos na camisola uma homenagem ao Jorge Amado e recebemos o selo do centenário dado pela família. Poucas instituições no mundo puderam usar esse selo e o clube usou-o na camisola.»

«Houve reportagens na televisão que passaram para o Brasil inteiro. Quando falavam no Jorge Amado naquele ano, faziam referência ao clube dele. Vinham cá, acompanhavam os jogos, ganhamos uma visibilidade muito grande», continua.

«O mais querido» e alheio a rivalidades

O Ypiranga joga atualmente na segunda divisão estadual e até contou com uma cara conhecida do futebol português na última época: Bruno di Paula, ex-Paços de Ferreira. O objetivo passa por voltar ao principal escalão da Bahia.

A descida à II Divisão aconteceu em 1999. Seguiram-se anos difíceis, como conta o presidente: «O clube ficou dez anos praticamente abandonado. Ficou numa situação de estar quase a fechar portas definitivamente. Através de algumas pessoas, entre elas eu, começamos a organizar-nos e assumimos a direção para recuperar este clube.»

Cheio de dívidas e com as instalações praticamente a saque, a tarefa foi difícil. Financeiramente o clube não transpira saúde mas aguenta-se. Falta a parte desportiva. «O futebol é o que dá mais visibilidade. O povo quer é a equipa a jogar e, principalmente, a vencer», admite Emerson.

«Ainda não conseguimos voltar à I Divisão, o que ajudaria muito neste trabalho, mas conseguimos muitas vitórias fora de campo. Principalmente não deixar o clube fechar. O clube tem 107 anos, foi fundado no dia 7 de setembro, dia da independência, daí o nome, e não pode acabar», insiste.



António Coradinho conta que sempre achou o Ypiranga um clube simpático. «Jogo futebol aqui há 25 anos e os meus amigos só falam de Bahia e Vitória. Então virei-me para o Ypiranga», diz entre risos.

«Há uma frase sobre o clube que eu acho fantástica que é «o mais querido». Sempre que alguém diz Ypiranga não vem ninguém reclamar. Seja Vitória, seja Bahia, todos gostam. Isso faz criar uma empatia com o clube», considera.

«Este projeto orgulharia Jorge Amado»

O projeto do Ypiranga vai muito mais além do futebol. O objetivo passa por reformular todo o centro de treinos, que é enorme, mas está em condições muito precárias. Quem pode beneficiar com isso é a população envolvente.

«As redondezas são muito carentes. Isto pode dar alento e condições de lazer a esta população carente de espaços. O projeto é bom, bonito. Precisa de apoio agora», explica António Coradinho.

Ao todo, o parque tem 60 mil metros quadrados. E vários equipamentos. «Temos piscina semi-olímpica, campo de futebol, polidesportivo. Mas está tudo a precisar de reformas. Temos batalhado para conseguir investimentos e para que a cidade abrace este projeto», conta Emerson Ferretti.

«Levar este projeto avante orgulharia Jorge Amado, a comunidade e a cidade. Temos projetos ambiciosos mas sem recursos não dá para fazer muita coisa. Queremos orgulhar a cidade de Salvador e voltar a ter o amarelo e preto forte», remata.

O fim de conversa é seguido de uma visita às instalações, que contemplam também uma capela com o português Santo António. «E Irmã Dulce, que está quase a virar santa, e era também uma adepta do Ypiranga», explica-nos Alan, o nosso cicerone.

As instalações são simples, mas o acolhimento é caloroso. A prová-lo, um dos funcionários do bar vem oferecer um café ao repórter.

«Toma lá compatriota!» «É português?» «Não, mas Portugal não é o país irmão? Lembre-se que é por estas coisas que o Ypiranga é o mais querido». Não há como negar.