Quando Bob Paisley, antigo treinador do Liverpool, registou a velha máxima que um jogador que não sabe o que fazer à bola deve primeiro metê-la na baliza e só depois discutir as opções, não estava seguramente a pensar em Bruno Fernandes.

O médio sabe sempre o que fazer à bola. Mas mesmo assim prefere metê-la na baliza.

Geralmente mete-a através da opção menos óbvia, em remates de longa distância, sem tirar senha no guichet ou sem meter um requerimento a pedir autorização.

Este ano já marcou por seis vezes, sendo que quatro golos foram de fora da área, em remates espetaculares: três ao angulo, um rasteiro. Os outros dois, frente ao Feirense e ao Olympiakos, nasceram de finalizações dentro da área, com chapéus ao guarda-redes.

  • Seis golos marcados na época, cinco na Liga
  • Duas assistência na Liga dos Campeões
  • Participação em sete dos 23 golos do Sporting

Ora os seis golos apontados na temporada, cinco do quais na Liga, tornaram-no o terceiro melhor marcador e a figura do campeonato até este momento: até porque não é habitual ver um médio ofensivo fazer tantos golos e ser tantas vezes decisivo nos jogos.

Bruno Fernandes está de pé quente e, acima de tudo, está de pé quente como nunca esteve: esta época ainda está no início mas já é a melhor do jogador do Sporting.

Até aqui o melhor que tinha conseguido tinham sido cinco golos por época: na época passada fez cinco golos pela Sampdoria, todos na liga italiana, em 2013/14 fez também cinco golos, pela Udinese, também todos na liga italiana.

A isto há a somar duas assistências, na Roménia, o que significa que Bruno Fernandes já teve participação em sete golos golos: praticamente um terço dos 23 golos do Sporting.

Giacomo Gattuso foi o treinador que recebeu Bruno Fernandes nos juniores do Novara, quando o médio chegou a Itália, com apenas 17 anos, e o levou para a equipa principal três meses depois. De onde o português nunca mais haveria de sair, aliás.

«Eu treinava a equipa primavera, que é a equipa júnior, quando chegou para reforçar o plantel. Poucos meses depois o treinador da equipa principal foi despedido, fui substituí-lo durante alguns jogos e chamei-o, porque já o conhecia e sabia que tinha valor», conta.

«Ele é muito bravo. Posso dizer-lhe que é o jogador mais bravo que já conheci na minha carreira. Não tem medo de nada, toma decisões e assume as responsabilidades.»

Passado algum tempo o Novara contratou um novo treinador e Giacomo Gattuso voltou para a equipa júnior. Bruno Fernandes, porém, manteve-se no plantel sénior, de onde só saiu no final da época para a Udinese... e daí para a Sampdoria.

«Se estou surpreendido que esteja a marcar tantos golos? Surpreendido não, porque ele sempre marcou, e em Itália e muito difícil fazer golos. As defesas são duras e as equipas muito fortes do ponto de vista defensivo. Mas sempre achei que numa grande equipa e num campeonato mais aberto ele ia explodir e tornar-se um jogador mais decisivo.»

Há, no entanto, uma diferença óbvia.

No primeiro ano, no Novara, Bruno Fernandes fez quatro golos. No primeiro ano de Udinese fez cinco golos, no segundo fez quatro e no terceiro fez três. Na época passada, por fim, no primeiro ano de Sampdoria, voltou a marcar cinco golos.

Este ano, em pouco mais de um mês e em dez jogos apenas, já ultrapassou essa marca.

«Está a jogar a segundo avançado num esquema de 4x4x2? Ah, para mim é uma novidade. Quer dizer, na Udinese também jogava mais adiantado, mas não assim tanto. Com um bom treinador, que o entenda bem, e jogando mais perto do golo, é normal que marque mais. Ele é muito inteligente, muito completo, adapta-se bem a várias circunstâncias.»

Bruno Fernandes é um jogador muito bravo. Posso dizer-lhe que foi o jogador mais bravo que já conheci na minha carreira de treinador

Voltando aos golos espetaculares, um ponto inultrapassável nesta conversa, tornou-se obrigatório perguntar Gattuso se foi ele que trabalhou a longa distância do médio.

«Não, a minha preocupação passou sobretudo pelos aspeto táticos. Nós jogávamos em 4x4x2 e ele jogava com médio pela esquerda, embora tivesse sempre tendência a aparecer em zonas centrais. Tinha uma capacidade técnica muito forte, uma grande visão de jogo, mas precisava de se adaptar ao futebol italiano: ter rigor defensivo, saber marcar o adversário, tornar-se mais agressivo no jogo sem bola. Foi isso que fiz», adiantou.

«Mas reparei que, mais tarde, outros treinadores fizeram esse trabalho com ele, porque a longa distância é uma imagem de marca do futebol italiano. Ele foi melhorando progressivamente a capacidade de remate. Hoje tem uma meia distância muito forte. O futebol italiano fez-lhe bem. Cresceu muito aqui connosco.»

Provavelmente foi esse jogador que não perdeu a criatividade portuguesa mas que lhe acrescentou o rigor italiano que Jorge Jesus viu no Estoril, num Portugal-Noruega em sub-21, realizado no último mês de março.

A notícia foi avançada pelo jornal A Bola e confirmada pelo Maisfutebol: Jorge Jesus foi ver esse jogo ao vivo e ficou então convencido que o Sporting o devia contratar.

O treinador fez-se acompanhar do team-manager André Geraldes, numa altura em que o jogador já estava referenciado. Naquele jogo, o último particular antes do Euro Sub-21, Bruno Fernandes entrou apenas na segunda parte, mas espalhou magia no relvado.

Como pode ver no vídeo associado a esta peça, o médio assistiu Ruben Semedo para o golo (assumiu aliás todas as bolas paradas), deixou Carlos Mané e João Carvalho na cara do golo e espalhou uma série de pormenores de classe, num jogo coletivo, orientado e vertical, sempre de olhos na baliza adversária.

À saída do estádio, Jorge Jesus confidenciou com André Geraldes que Bruno Fernandes se destacava dos outros, apesar de aquela ser uma boa seleção, e que merecia que se fizesse um esforço.

O team manager e Bruno de Carvalho começaram então as negociações, muito duras, com a Sampdoria no final da maio, até que no final de junho chegaram a acordo. O jogador foi oficializado dia 27, quase um mês depois de iniciadas as negociações.

Nesta altura pode já dizer-se que a aposta saiu certeira.

«No Boavista já tinha um remate forte, mas nada que se comparasse com o que tem hoje, nem pouco mais ou menos. Acho que foi uma coisa que melhorou em Itália, porque ele dizia-me que trabalhava muito as bolas paradas. Hoje tem um remate impressionante de tão direcionado, a bola sai-lhe sempre bem», conta Bruno Vieira.

Ora Bruno Vieira é um médio do Padroense que partilhou dez anos de carreira com Bruno Fernandes e desde então  então ficaram amigos.

«Conhecemo-nos com oito anos, quando chegámos ao Boavista, e desde então ficamos amigos. Por whatsapp ou por telefone falamos praticamente todos os dias e falamos de tudo, da carreira, do treino, da vida pessoal. Temos um grupo de amigos muito unidos que vem desses tempos de miúdos.»

Ele disse-me, para aí no final da primeira semana em Alvalade, que não ia ter dificuldades em adaptar-se ao Sporting, porque o que Jorge Jesus lhe pedia para fazer já era o que ele fazia em Itália

Olhando para Bruno Fernandes, o amigo Bruno Vieira vê o mesmo rapaz de sempre.

«Ele sempre foi irreverente. Sempre gostou de arriscar, sempre teve uma personalidade muito forte, mesmo quando o treinador ficava chateado com alguma coisa e ia para cima dele, entrava a cem e saía a duzentos como se costuma dizer.»

Vê o mesmo rapaz, portanto, mas um jogador completamente diferente.

«Sim, sem dúvida. Mesmo ele diz isso, que em Itália cresceu taticamente e que se tornou um jogador mais maduro», confidencia.

«Curiosamente ele disse-me, para aí no final da primeira semana em Alvalade, que não ia ter dificuldades em adaptar-se ao Sporting, porque o que Jorge Jesus lhe pedia para fazer em termos de ocupação de espaços e de intensidade de trabalho sem bola já era o que ele fazia em Itália.»

Provavelmente foi isso que Jorge Jesus viu naqueles 45 minutos no Estoril: e muito bem.