O relógio ainda nem marca bem as sete horas da manhã e Bruno Dias já está à entrada do Complexo Desportivo Elias Pereira. De calções e impermeável leve, o treinador do Sacavenense está pronto para a corrida diária, um hábito passado por Tuck, de quem foi adjunto.

Por norma sai direto para a estrada, mas desta vez tem de improvisar uns alongamentos para a reportagem que passará esta sexta-feira no programa Maisfutebol, da TVI24. Volta menos de uma hora depois, já com oito a dez quilómetros nas pernas.

O tempo está contado ao pormenor, uma vez que para as 8h15 está marcada a reunião da equipa técnica, composta por oito elementos. Por esta altura já alguns jogadores tomam o pequeno-almoço numa sala do Pavilhão Orlando da Conceição Lucas recuperada para o efeito.

O plantel do Sacavenense trabalha num regime semi-profissional. Os treinos são matutinos, mas depois quase todos os jogadores têm outros empregos que conseguem conciliar, de forma a compor o orçamento familiar. O grupo tem um agente imobiliário, um personal trainer e um jogador que ajuda os pais no restaurante destes, por exemplo. O próprio Bruno Dias faz comentários regulares para a rádio TSF, em jogos da Liga e de competições europeias.

Os salários são modestos, e o clube não tem possibilidade de pagar alojamento, pelo que a forma de convencer um ou outro reforço que venha de uma localidade mais distante é instalá-lo no próprio complexo desportivo, onde residem atualmente cinco jogadores.

Acreditar que o detalhe faz a diferença

Na sala do pequeno-almoço é tudo preparado ao pormenor pelo nutricionista Rui Runa, que ao canto ainda está a cozinhar ovos mexidos, para juntar a pão e bacon. A ementa inclui também iogurte, cereais ou fruta, sem esquecer o café para arrematar. Cada jogador tem a sua dose devidamente separada e identificada, incluindo o copo com os suplementos que é preciso tomar.

Segue-se trabalho de ginásio, com o plantel dividido em dois grupos, e só pelas 10 horas é que o treino arranca no campo, para continuar a preparar a receção de domingo ao Desportivo das Aves, detentor da Taça de Portugal. Bruno Dias ainda responde a algumas perguntas no relvado enquanto os jogadores fazem os habituais meinhos, mas o resto terá de ficar para o fim. Já tinha avisado (cordialmente) que durante o treino não há espaço para distrações.

«Tenho confiança total na minha equipa técnica, mas todos temos tarefas delegadas, e uma das minhas tarefas é liderar o treino. E pela paixão que tenho pelo treino, é difícil abdicar dessa tarefa. E isto não significa estar sempre a dar feedback. É no momento certo, no detalhe», explica-nos depois.

Nem era preciso dizê-lo, mas Bruno Dias assume que é um treinador metódico. Gosta de tudo bem programado e seguir o plano. «Procuro o detalhe para fazer a diferença. Sou extremamente humilde e procuro fazer melhor todos os dias. É esse “extra mile” que pode fazer a diferença», defende.

O treinador do Sacavenense diz que o Desportivo das Aves é «amplamente favorito» para o duelo da 3ª eliminatória da Taça de Portugal, mas acredita que não há grande diferença no método de trabalho.

«O clube já tinha uma estrutura interessante, mas procurámos afinar ainda mais, para que os jogadores tenham conforto máximo. Do ponto de vista financeiro nem conseguimos competir com equipas do nosso campeonato, quanto mais da Liga. Mas tentamos que os jogadores sintam que têm todas as condições para potenciar o seu talento», explica.

Bruno Dias considera que, «no que diz respeito ao processo, o Sacavenense está ao nível das equipas profissionais». «Depois não temos é recursos para potenciar este processo de outra forma. Mas sabemos quais são as margens de crescimento. Vou dar um exemplo: não podemos controlar o treino com GPS, nem temos possibilidade de dar logo algumas imagens do jogo ao intervalo, no balneário. Temos de ser imaginativos e usar outras ferramentas, mas é esse detalhe que procuramos. É um desafio diário, mas é assim que vamos esbatendo a diferença de meios», acrescenta.

Uma ambição que vai de Sacavém a Liverpool

Bruno Dias encerrou a carreira de jogador com apenas 16 anos, no Atlético do Cacém, clube no qual começou a treinar, pouco tempo depois.

«O momento-chave foi quando decidi abdicar de um salário confortável [técnico de telecomunicações num dos maiores grupos empresariais do país], sobretudo para quem tem 20 anos, e dediquei-me ainda mais ao futebol. Nessa altura fui para a faculdade, com zero euros garantidos ao final do mês, mas tinha de seguir um sonho», recorda.

Aos 31 anos cumpre a segunda época como treinador principal, mas o lado metódico está bem patente também nos planos para chegar a um patamar superior.

«Quando esta equipa técnica assumiu o Sacavenense definiu uma meta de cinco anos para chegar aos campeonatos profissionais. Já passou um, faltam quatro. O relógio está a contar, mas sabemos que é um trabalho diário, e teremos de conseguir pela competência que demonstrarmos», afirma.

Dar esse passo com o Sacavenense seria «um orgulho enorme», e Bruno Dias acredita que é possível, mas assume que «é preciso um conjunto de recursos que o clube não tem». «Mas a direção tem essa ambição, de forma sustentada. Não vale a pena fazer algo que não é sustentável e prejudicar a vitalidade desportiva e financeira do clube», reconhece.

Não se julgue, porém, que a ambição do técnico esgota-se ao chegar aos campeonatos profissionais. Vai até Anfield, e ao clube que nunca caminhará sozinho.

«Gostava muito de treinar o Liverpool. É a equipa que me encanta na Premier League, desde miúdo. Provavelmente por causa da canção que entoam no estádio. É uma ambição grande realizar esse sonho», assume.

Eliminar o detentor da Taça de Portugal servirá de incentivo, mas Bruno Dias encara o Desportivo das Aves com «responsabilidade acrescida». «Temos enorme respeito e admiração pelo percurso que fizeram na época passada. É uma fonte de inspiração, agora que somos nós os underdogs e queremos fazer uma gracinha», acrescenta.

Bruno Dias não poupa elogios ao treinador adversário, e acredita que José Mota «vai encarar esta eliminatória com o mesmo detalhe que encararia uma eliminatória no Dragão, Alvalade ou Luz».

O respeito pelo adversário não belisca a ambição de Carlos Saavedra, o capitão de equipa, que arrisca dizer que «o objetivo é chegar à final». «Sabemos que vai ser muito difícil mas também temos noção das nossas qualidades», diz o médio de 37 anos, que jogou cinco temporadas em Chipre e agora concilia o futebol com uma carreira de agente imobiliário.

Hugo Cardoso assume que o grupo «está um bocado empolgado». O guarda-redes de 31 anos, formado no Sporting, diz que eliminar o Desportivo das Aves provocaria uma «festa enorme». «Ficava a noite toda acordado. Não digo que seja impossível, e enquanto for possível sonhar…».

É esta liberdade para sonhar que torna a Taça tão especial, e o Sacavenense mostra ter legitimidade para pensar em algo mais. Pode estar dois escalões abaixo do adversário, que ainda para mais é o detentor do troféu, mas a diferença no processo de trabalho é bem menor do que essa. E assim torna-se mais fácil acreditar.

Com Rita Mendonça/Paulo Ferreira (TVI)