À medida que os dias passam, Nilo Traesel vai tomando consciência da tragédia que se abateu sobre a Chapecoense.

Hoje, este brasileiro de 57 anos é dentista nas Caldas da Rainha, proprietário do consultório MedCaldas, mas em meados dos Anos 90 ele era o presidente do emblema de Chapecó, quando o clube começou a dar nas vistas a ponto de subir de divisão em 1995 e sagrar-se campeão estadual de Santa Catarina em 1996.

Vinte anos passaram, mas a ligação ao clube manteve-se nos contatos quase semanais com dirigentes e nas visitas ao Brasil. De tal forma, que uma profunda angústia invadiu a sua casa naquela madrugada de 29 de novembro, quando o telefone tocou às três horas da madrugada.

«A minha filha, que vive na Suíça, ligou-me a avisar que tinha caído o avião com a equipa da Chapecoense. Eu e a minha mulher ficámos em choque, procurámos informações e ninguém sabia de nada àquela hora, até que na internet descobrimos uma emissora de rádio colombiana que estava a transmitir tudo em direto. Estive até às 6h30 da manhã a ouvir aquilo. Houve alturas em que pensei que não ia suportar», começa por dizer ao Maisfutebol o médico, salientando que era amigo de dirigentes e jornalistas envolvidos na tragédia, com quem trabalhou no clube e também como comentador e colunista nas televisões, rádios e jornais da região:

Nilo (atrás, à esquerda) e Rafael Henzel (em baixo, com a mão sobre a câmara) na RBS TV

«Era comentador do jornal de desporto da Rede Brasil Sul TV (uma subsidiária da Rede Globo) e o pivot era o meu grande amigo Rafael Henzel, que foi um dos seis sobreviventes. Perdi o Edir de Marco, presidente que me antecedeu, que agora era diretor do clube, faleceu também o Delfim Peixoto, presidente da Federação Catarinense; eu conhecia a maioria dos 21 jornalistas que faleceram. Outros amigos salvaram-se por milagre: o Plínio Arlindo de Nês, «Maninho», que era o principal patrocinador da equipa no meu tempo e que agora é presidente do Conselho Deliberativo da Chapecoense, acabou por não embarcar porque preferiu ir no voo do dia seguinte para viajar desde São Paulo como o presidente da Câmara de Chapecó; o Tadeu Costa, cronista do jornal e da rádio como quem colaborei, não viajou à última hora porque o seu irmão adoeceu gravemente… Não tive coragem de ligar à família e em particular às esposas de grandes amigos que faleceram. Na verdade, na semana passada não conseguia sequer trabalhar. Ver aqueles 50 caixões ali alinhados no relvado e ouvir o nome de amigos é muito duro.»

«Era como se estivesse mentalizado para a tragédia»

Nilo confessa que sempre tinha uma má sensação desde os tempos de presidente. Em todas as viagens que a equipa fazia «tinha um pressentimento de um acidente de autocarro ou de avião», conta: «Chegava a sonhar com isso. Vinte anos depois, aconteceu. Não fiquei propriamente surpreendido. Foi como se estivesse mentalizado para a tragédia. No entanto, tudo aquilo é um ato criminoso. Três mil euros bastariam para fazer uma escala para reabastecer e teriam evitado o desastre. O avião despenhou-se por falta de combustível a cinco minutos do aeroporto. É inadmissível.»

Nilo com Delfim Peixoto Filho, presidente da Federação Catarinense, uma das vítimas do desastre

Nilo Traesel chegou a presidente da Chapecoense em 1995, depois de durante muitos anos ter sido responsável pelo departamento médico do clube. Fez duas grandes épocas, formou uma equipa ganhadora com jogadores como Paulo Rink, que mais tarde seria internacional alemão, ou Cuca, que como treinador acaba de sagrar-se campeão do Brasil pelo Palmeiras.

Nos tempos de dirigente do clube de Chapecó

A «Chape» subiu de divisão e foi logo vice-campeã em 1995, antes de arrebatar o título estadual no ano seguinte. Além da cidade de Chapecó, grande pólo agropecuário do estado de Santa Catarina, que nos últimos anos tem tido um considerável crescimento económico e populacional, o clube já mobilizava adeptos até de estados vizinhos, do Paraná ao Rio Grande do Sul, e consolidava as bases para a ascensão incrível que viria a ter nos anos mais recentes.

Sócio 40 699 do Benfica e disposto a voltar à direção da «Chape»

O médico já não viveu de perto esses tempos. Apesar da ascendência alemã, o casal Traesel tinha o sonho de viver em Portugal – «a minha mulher deve ser a brasileira que mais gosta de fado», diz – e cumpriu-o em 1999.

«Vivi em Cascais, Estoril, Carcavelos… Até que tive um convite profissional para vir trabalhar para as Caldas, onde em 2005 abri com a minha mulher a nossa clínica dentária», recorda Nilo, que além da «Chape» cultiva a paixão pelo Benfica: é o sócio n.º 40 699 (desde 2003), e sempre que pode vai à Luz com um grupo de amigos. Da última vez, na receção do Benfica ao Nápoles, foi para o camarote a convite da direção dos encarnados.

«Talvez influenciado pelo que via e ouvia do futebol português quando estava no Brasil virei adepto do Benfica ainda lá. E fui gostando cada vez mais do clube. Aliás, quando o Benfica joga, mesmo que a minha mãe tenha uma dor de dentes tem de esperar, que eu só a atendo depois de o jogo terminar», graceja.

Nilo Traesel no seu consultório, nas Caldas da Rainha

No entanto, agora a prioridade é a «Chape». O clube ficou sem direção; restam o presidente do conselho deliberativo e o vice-presidente e Nilo predispõe-se para dar o seu melhor contributo possível para ajudar o clube:

«A Chapecoense tem cinco competições para disputar no próximo ano e ficou sem plantel, sem equipa técnica e médica, sem vários dirigentes… Até há pouco, não tínhamos nada. Agora, já contratámos treinador, diretor-desportivo... Aos poucos está-se a recompor estrutura. Falei na sexta-feira com o meu amigo Plínio Arlindo de Nês (presidente do Conselho Deliberativo) e dei-lhe conta da minha disponibilidade para integrar a futura direção. Disse-lhe: "Se achares que tem algum valor, podes colocar o meu nome no futuro elenco diretivo. Caso contrário, ajudarei de qualquer forma". Como estou mais próximo, proponho-me a falar com os clubes europeus que nos querem ajudar, por exemplo. É como se fosse diretor de corpo e alma. Vou querer fazer parte e dar o meu contributo para a recuperação do meu clube.»